Destruição da floresta e emissões agropecuárias contribuem para aquecimento planetário; governo brasileiro apresentou na COP26 dados de desmatamento falsos
A última Conferência das
Partes (COP26) foi um festival de greenwashing: grandes lobbies
poluidores fazendo publicidade do “ambientalmente correto” de seus grupos
econômicos. O Brasil deu sua contribuição ao enorme blá-blá-blá da cúpula
climática, pelo sofisma com que exibiu dados alentadores, porém falsos, do
desmatamento amazônico.
O ministro do Meio Ambiente mostrou na COP26 que o desmatamento em 2021 foi de 10.308 km2, alegando que o valor fora obtido pelo Prodes (Sistema de Monitoramento por Satélite do Inpe), o que significaria uma redução de 5% em relação a 2020. Falso!
O número correto,
divulgado pelo Inpe no último dia 18, foi o de 13.235 km2 de área devastada,
entre julho de 2020 e agosto de 2021. Um aumento de 22% em relação ao período
anterior, o maior valor já registrado desde 2006.
A estratégia do governo brasileiro
para se justificar a posteriori -de que se tratou apenas de um “equívoco”- não
passou despercebida pelos menos incautos: reteve os dados que o Inpe enviou ao
Ministério de Ciência e Tecnologia bem antes do início da COP26.
A destruição acelerada da floresta
Amazônica certamente nos levará a uma catástrofe planetária, apesar do acordo
de proteção florestal firmado no mês passado em Glasgow por uma centena de
países, incluindo Brasil, Canadá e Congo, entre outros, que abrigam juntos
85% das florestas primitivas do mundo.
Considerada pelos
participantes da COP26 como essencial, para evitar que a temperatura global se
eleve além de 1,5 oC em relação à era pré-industrial, o acordo prevê investimentos
públicos e privados que chegam a quase 20 bilhões de dólares.
Globalmente, as florestas
estão sendo reduzidas em um “ritmo alarmante”, conforme declarou o presidente
britânico da COP: são 27 campos de futebol devastados por minuto!
E a desflorestação tem se
acelerado nos últimos anos; apesar da recessão econômica imposta pela pandemia
de Covid-19, o desmatamento de florestas primitivas cresceu 12% em 2020, em
relação a 2019.
De acordo com o estudo “Sudeste
da Amazônia não é mais um sumidouro de carbono” (Southeast Amazonian in no
longer a carbono sink), publicado na revista Nature em 14.7.2021, nesta
parte da floresta o sequestro de CO2 foi superado pelas emissões.
Com base em centenas de amostras coletadas em diferentes alturas entre 2010 e 2018, os autores mostram como a capacidade de absorver carbono do maior bioma tropical do planeta declinou simultaneamente à elevação da taxa de mortalidade das árvores.
De um
pico de 2 bilhões de toneladas de CO2 estocados anualmente na década de 1990, a
floresta atualmente dispõe de metade desta capacidade.
As emissões de gases de
efeito estufa na América do Sul superaram pela primeira vez o estoque de
carbono na Amazônia, uma consequência direta da região Sudeste da bacia Amazônica estar emitindo mais CO2 do que absorvendo.
As causas são a derrubada de árvores, os incêndios e a intensificação do aquecimento local. Menos vegetação, menos consumo de CO2 via fotossíntese.
Com a mata nativa dando lugar à expansão da agricultura e da pecuária, o carbono estocado no solo é liberado para a atmosfera, gerando mudança climática local e regional, que, por sua vez impacta o regime de chuvas.
A seca prolongada que o Brasil está vivendo este ano tem relação estreita com o desmatamento amazônico. Os reservatórios das barragens atingiram níveis críticos em várias regiões do país, obrigando o Operador Nacional a acionar termelétricas a combustível fóssil, fontes importantes de emissões poluentes.
Além de agravar a crise climática, o kWh gerado por termelétricas é mais caro e quem vai pagar a conta, pra variar, é o consumidor. O governo já anunciou um aumento de 19% da energia em 2022.
Um estudo do Instituto
Francês de Pesquisa para a Agricultura, Alimentação e o Meio Ambiente (Inrae,
na sigla em francês) avaliou um aspecto até então pouco investigado, que é o
impacto da “degradação” da floresta nativa sobre a perda de carbono.
Ao contrário do
desmatamento, que gera áreas não arborizadas, a degradação produz no
entorno de áreas desmatadas árvores frágeis, associadas à seca, oriundas de
corte seletivo e pequenos incêndios. A pesquisa mostra que a perda de carbono por
degradação é quase três vezes maior do que por desmatamento: 73% ante 27%.
Se a Amazônia -que abriga 50% das florestas tropicais do planeta, responsáveis pelo estoque anual de 450 bilhões de
toneladas de CO2, em sua vegetação e no solo- se transformar em uma fonte
permanente de CO2, o enfrentamento da crise climática se tornará ainda mais
difícil e uma catástrofe ambiental poderá ser inevitável.
O território brasileiro dispõe de 60% de toda a floresta primária do globo. Segundo o estudo do Inrae,
entre 2010 e 2019 a perda de biomassa da Amazônia brasileira gerou um déficit de
carbono (quantidade absorvida menos a emitida) de 18%.
Os demais países que compõem
a Amazônia Legal por enquanto estão compensando este desequilíbrio, afirma
Jean-Pierre Wigneron, pesquisador do Inrae. “O conjunto da floresta Amazônica
ainda não sucumbiu [à sua função de sumidouro de CO2], mas isto pode acontecer
em breve”, diz Wigneron.
Na COP26, o governo brasileiro
anunciou metas ambiciosas de redução das emissões de CO2 do país -menos 50% até
2030 e neutralidade de carbono até 2050- e de ações para conter o desmatamento.
Pouca gente séria acreditou. A primeira eminência científica nacional a duvidar
foi o físico Ricardo Galvão, ex-diretor do Inpe. Galvão alega que o atual
governo não tem credibilidade internacional para cumprir o objetivo anunciado.
Basta olhar os números.
Desde 2019, início da atual gestão federal, dominada por negacionistas nas
pastas da Ciência e Tecnologia e do Meio Ambiente e por gente ligada aos lobbies do
agronegócio e da mineração, a Amazônia brasileira perdeu em média 10 mil km2 de
biomassa por ano, contra 6,5 mil km2 na década anterior.
Como se não bastasse, a
representação oficial do Brasil na COP26 apresentou dados falsos do
desmatamento registrado no último período pelo sistema Prodes do Inpe. Sem
falar no garimpo ilegal que avança solenemente sobre terras indígenas e que destruiu
606 km de rios no Pará, desde 2017.
Até 2016, a destruição dos
rios na região era de 26,6 km por ano, segundo o Greenpeace Brasil. Nos 5 anos
seguintes, a média saltou para 121 km/ano ou quase 5 vezes mais. Tudo sob a
omissão do governo federal.
Dados do sistema Deter do
Inpe mostram que 72% de todo o garimpo na Amazônia, entre janeiro e abril de
2020, ocorreu dentro de áreas de proteção ambiental. Nesses 4 meses, o
desmatamento causado pela mineração ilegal em terras indígenas cresceu 13,4%.
Tudo sob a omissão do governo federal.
O procurador do MPF que
atua no Pará, Paulo de Tarso, afirma que o panorama do garimpo ilegal na região
é “grotesco” e que há uma falta generalizada de ação do Estado brasileiro contra
esta atividade criminosa. “Há um total desajuste dos responsáveis em tratar
desse tema; as agências não têm funcionado”, diz de Tarso.
O ministro do Gabinete de
Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno -aquele que comandava as tropas
pacificadoras no Haiti em 2005 durante o massacre em uma favela que vitimou
centenas de haitianos e que o então presidente Lula demitiu após recomendação
da ONU- autorizou este ano a execução de 7 projetos de exploração de ouro na
região de São Gabriel da Cachoeira (AM), onde vivem 23 etnias indígenas.
Desde 2019, o comandante
do GSI, homem próximo do presidente da república, já concedeu 81 autorizações
de mineração na Amazônia. Algo inédito desde a criação do Conselho de Defesa,
em 1927.
O legado do
atual governo em relação à proteção da Amazônia pode ser resumido em três itens: 1) omissão deliberada
na fiscalização; 2) falsificação de dados de desmatamento; e 3) recorde de concessões de novas explorações do subsolo em terras indígenas e áreas de preservação ambiental.
Diante de um quadro tão desolador, sensivelmente agravado a partir de 2019 e sem nenhuma perspectiva real de contenção do desmatamento e do
garimpo ilegal no maior bioma tropical do planeta, quem acredita nos
compromissos assumidos pelo Brasil na COP26?
Apesar de todo este descaso
das autoridades, especialmente as nacionais, a Amazônia como um todo ainda exerce,
juntamente com os oceanos, a função de “pulmão” do planeta. E não podemos deixar que
este pulmão comece a “fumar”, como diz o título de uma matéria do Charlie
Hebdo, satírico semanário francês. Nem que para isso, tenhamos de renunciar à
nossa soberania na região.
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