Auspiciada por
grupos econômicos que investem pesado em combustíveis fósseis, cúpula
internacional gerou acordos insuficientes face à urgência climática
Se a Conferência das
Partes (COP26), concluída no último sábado (13) em Glasgow (Escócia), avançou
em alguns pontos específicos, como os acordos para a proteção de florestas e o
controle de emissões de metano, globalmente frustrou cientistas e
ambientalistas.
Marcada pela ausência dos dirigentes máximos de dois países entre os maiores poluidores do planeta, China e Rússia, a COP26 mostrou que a maioria dos compromissos assumidos no Acordo de Paris não foram cumpridos e que novos aportes financeiros para mitigar a crise climática devem ficar aquém do necessário.
A Conferência das Partes
da ONU teve sua gênese na primeira cúpula mundial sobre meio ambiente,
realizada no Rio de Janeiro em 1992, a ECO-92. Três anos depois, era realizada
em Berlim a primeira COP. Neste período de 26 anos, entre a COP1 e a COP26, a concentração
atmosférica de gases (de efeito estufa) responsáveis pelo aquecimento global cresceu
cerca de 60%.
Não sem razão, boa parte de
especialistas em meio ambiente e clima reagiram com ceticismo sobre os acordos produzidos
pela COP26, que compõem o chamado Pacto de Glasgow. A não obtenção de metas
assumidas em 2015 no Acordo de Paris, por muitos dos países signatários, é um
indício forte que não há garantias de que o novo pacto seja efetivo para combater
a mudança climática.
Reafirmar um esforço
global para limitar o aumento de temperatura em 1,5 oC até o final do século,
em um contexto de forte investimento em combustíveis fósseis a pretexto de uma retomada
econômica pós-pandemia, é o mesmo que enxugar gelo. Senão vejamos...
Se o conjunto de compromissos
assumidos no Acordo de Paris tivessem sido integralmente respeitados, o aumento
de temperatura até o final da década alcançaria 3 oC, em relação à era
pré-industrial. Ora, de acordo com o mais recente relatório do IPCC, no melhor
cenário avaliado, o aquecimento global se elevaria 1,5 oC em torno de 2030. No
ritmo atual de emissões de CO2, o mundo caminha para + 4 oC ou +5 oC.
Para que o aquecimento
planetário se limite a 1,5 oC, a emissão de gases de efeito estufa precisaria
ser reduzida quase à metade até 2030. Se diminuir 30%, estaríamos em uma
trajetória de + 2 oC. No entanto, há um “abismo” entre o necessário e as
perspectivas de redução anual de emissões poluentes, que aponta para uma
diminuição de apenas 7,5% ao final da década.
Se as metas para obter a “neutralidade
de carbono” (emissões antrópicas equivalentes ao CO2 capturado) fossem plenamente
cumpridas, poderíamos ter uma redução de 0,5 oC na temperatura planetária. Mas
são promessas ainda vagas, incompletas e incompatíveis com a maior parte das CND
(Contribuições Determinadas Nacionalmente) de cada país para 2030.
Obviamente que, considerando o ritmo habitual -“a passos de formiga e sem vontade”- no qual o conjunto das
nações toma e aplica suas decisões em prol do clima, não se
pode dizer que não houve avanços na COP26.
Um deles foi a
consolidação de um acordo (o Forest Deal) para limitar o desmatamento e
recuperar perdas florestais e a degradação do solo nos próximos 10 anos. O acordo
assinado inclusive (pasmem!) pelo Brasil, inclui uma alusão à proteção de povos
indígenas e reconhece que são comunidades essenciais para a conservação de
florestas primitivas.
Um outro avanço promovido
pela COP de Glasgow foi o compromisso com a redução de emissões de metano (CH4)
até 2030, que, segundo os cientistas precisaria diminuir pelo menos 30% em
relação aos níveis atuais. O CH4 tem um poder de aquecimento atmosférico
cerca de 30 vezes maior que o CO2.
A menção inédita aos
combustíveis fósseis -principais fontes de gases poluentes- no Pacto de
Glasgow não deixa de ser um outro avanço. China e Índia, por exemplo, conclamaram
as 190 nações a “reduzir progressivamente os subsídios para a produção de energia
de origem fóssil sem mitigação (tecnologia de captura de CO2)”.
Paradoxalmente, de 2015 a
2021, os países do G20 investiram três vezes mais dinheiro público na produção
de petróleo, gás e carvão do que em energias renováveis.
No capítulo referente ao financiamento
de ações de mitigação (ou sobre quem paga a conta, conforme o tamanho de suas
emissões de carbono), a COP26 decidiu nada decidir: os países adiaram por
mais um ano as negociações.
O aporte financeiro dos países mais ricos e poluidores para atividades de “adaptação” -ajuda aos países menos desenvolvidos (especialmente os insulares) a enfrentar as consequências da mudança climática- é fundamental para se evitar “perdas e danos”, que demandam custos maiores, para reparar estragos causados por fenômenos meteorológicos extremos.
Se a trajetória de emissões antrópicas não for radicalmente alterada, a ocorrência de catástrofes ambientais deve se intensificar, transformando terras férteis e aráveis em desertos, gerando insegurança alimentar em várias regiões e o deslocamento de milhões de pessoas mundo afora.
O impacto do aquecimento global sobre a economia dos países mais vulneráveis e as ações para mitigá-lo são contabilizados em bilhões de dólares por ano.
Em 2015, o montante anual previsto no Acordo de Paris para financiar atividades de adaptação foi de US$ 100 bilhões/ano até 2020. Nem 80% deste valor foi aplicado no período. Uma ilustração do abismo entre discurso e prática em prol de ações climáticas.
Muito provavelmente, daqui há um ano sairá uma proposta consensual entre os países mais poluidores, de uma ajuda financeira insuficiente para atender às necessidades de adaptação das nações mais impactadas pela mudança climática nos próximos anos ou décadas.
Um dos principais pontos do
Acordo de Paris, o Artigo 6, objeto de discussões na COP26, teve algum avanço na
definição do seu texto. Ele visa garantir a transição para economias de
baixo carbono, com base no “mercado de créditos de carbono”, um mecanismo pelo
qual os países que cumprem suas metas de redução de emissões possam vender seu “excedente”
para os países deficitários em suas metas.
A nova redação do Artigo 6
poderia gerar até US$ 167 bilhões por ano ao horizonte de 2030. Pelo Pacto de Glasgow,
os países signatários se comprometem acelerar a regulamentação desse mercado em seus
territórios, definindo metas de redução das emissões de carbono para cada setor
de atividade econômica.
A grande questão que se
coloca entre os mais céticos é saber qual o limite ao “direito de um país emitir gases poluentes”, se ele pagar por isso? É possível precificar um bem
comum? É válida a lógica intrínseca ao mercado de créditos de carbono de “compensar”
a natureza em troca de emissões excedentes?
A Oxfam (uma confederação de
organizações internacionais de combate à pobreza) estima que, em escala
planetária, seria preciso plantar árvores em todas as terras aráveis da
superfície terrestre para compensar a liberação de gases de efeito estufa. Os
preços dos alimentos aumentariam 80%, agravando a fome em várias partes do
globo.
Por outro lado, nunca
houve uma COP com uma presença tão ostensiva de trustes econômicos, quanto em sua
26ª edição. Cerca de 400 jatinhos desembarcaram em Glasgow com os dirigentes
bilionários das maiores empresas do mundo.
Enquanto os chefes de estado são efusivamente aplaudidos por seus discursos retóricos, os maiores patrocinadores da COP26 participavam em seus pavilhões de business de um verdadeiro “concurso” de greenwashing, uma técnica publicitária que associa empresas ao politicamente correto em termos ambientais.
Os mais otimistas acreditam que a partir da COP26 já não bastará apenas a propaganda sobre ações de compromisso com o meio ambiente. Incautos, defendem que o valor de mercado das empresas será pautado por “parâmetros de governança internacionais”.
Enquanto isso, alguns poderosos grupos econômicos prosseguem pagando por suas emissões poluentes, comprando créditos de carbono aos benfeitores do clima.
Alguns dos gigantes da
economia mundial presentes em Glasgow continuam investindo pesadamente em atividades
poluidoras. O Banco JP Morgan, por exemplo, investiu US$
317 bilhões na produção de energia de origem fóssil, nos últimos seis anos.
A Microsoft, uma das
parceiras mais importantes do setor de petróleo e gás, gasta milhões de dólares
anualmente, fazendo lobbies em Bruxelas e Washington. A Google é mais uma delas; a empresa prometeu a neutralidade de carbono em 2007, mas desde então contabiliza um superavit de 20 milhões de toneladas de CO2 equivalente lançadas na atmosfera.
Uma outra empresa global patrocinadora
da COP26, a Unilever, uma gigante da cadeia de alimentos, foi classificada em
2021 como a terceira maior poluidora mundial de resíduos plásticos, atrás da
Coca-Cola e da Pepsi-Cola. Os exemplos de lobbies de grandes investidores em
atividades poluidoras não faltam.
Aparentemente paradoxal, é de se perguntar por que tais lobbies
investiram no patrocínio da conferência de Glasgow? “Para ter acesso
privilegiado às negociações, além de dispor de um espaço de alta visibilidade
para a prática de greenwashing”, responde Manon Aubry, deputada francesa do Parlamento
Europeu e ativamente presente na COP26.
O secretário-geral da ONU
sintetizou bem os resultados da COP26: “Os textos aprovados refletem os
interesses, as condições, as contradições e o estado da vontade política de
hoje. São passos importantes, mas, infelizmente, a vontade política coletiva
não foi suficiente para superar algumas contradições profundas”. Sambarilove.
Se há uma única conclusão
que podemos tirar dessa COP sem hesitar é que, a depender dos grandes trustes
globais presentes em Glasgow, a trajetória de emissões de gases poluentes
continuará em ascensão e deverá agravar a crise climática.
O combate efetivo ao
aquecimento global depende não só da mudança do comportamento individual das
pessoas (redução radical do consumismo, do gasto energético e do consumo de carne), como também e principalmente de uma consciência coletiva mobilizadora que nos leve à uma sociedade
biocêntrica.
Só com pressões maciças e vigilância permanente da população sobre os dirigentes dos países mais ricos e poluidores, teremos ações concretas em prol do clima.
Não parece mais haver dúvida que o
sistema econômico predominante globalmente é insustentável, porque extrai da
natureza mais do que ela pode repor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário