sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Entropia e antropia

Enquanto a entropia declara que tudo se degrada, a antropia procura contrapor-se a ela para tornar possível a vida.

Adaptado de http://www.cartoonstock.com/newscartoons/cartoonists/rma/lowres/rman4479l.jpg&imgrefurl=

Entropia é uma grandeza do domínio da termodinâmica, ciência que trata das transformações de energia em sistemas físicos macroscópicos e uma das principais teorias que sustentam a noção atual de matéria. É comumente associada ao “grau de desordem” de um dado sistema.

Quanto maior a desordem, entendida também como um “estado de vibração molecular”, maior a entropia do sistema. Nessa lógica, a água em estado gasoso teria uma entropia maior que a do gelo e, a água líquida, uma entropia intermediária (figura).

Adaptado de http://www.electricianeducation.com/theory/entropy.gif&imgrefurl=

A entropia é objeto da Segunda Lei da Termodinâmica, pela qual é possível avaliar a “degradação” da energia em um dado processo, i. é., quantificar a parcela dela que está irreversivelmente sendo dissipada para fora do sistema na forma de calor e, portanto, perdendo a capacidade de ser transformada em energia utilizável (trabalho).

Deduz-se da mesma lei que a temperatura hipotética que corresponde à entropia nula de um sistema é de – 273ºC, ou “zero absoluto”. Neste estado, nenhuma conversão de energia em trabalho é possível. Um sistema ideal que representasse esta situação seria um cristal perfeitamente ordenado, com ausência absoluta de vibração molecular.

Ainda conforme essa lei termodinâmica, a entropia tende sempre a aumentar em um “sistema fechado”, definido como um espaço que permite a troca de energia, mas não de matéria, com a sua vizinhança. A Terra pode ser considerada um sistema fechado, cuja vizinhança é o cosmos. Nela, portanto, a entropia está sempre aumentando.

Uma vez que a energia vital que faz pulsar nosso planeta provém do Sol, os fenômenos naturais aqui produzidos nada mais são do que mecanismos que degradam a luz solar, provocando assim um aumento de entropia no sistema Terra.

Parte da energia emitida pela Terra – na forma de radiação infravermelha – vai para o espaço, contribuindo para o aumento da entropia do cosmos, ou seja, aumentando a “desordem cósmica”.

Se por um lado a entropia do universo está continuamente aumentando, é possível deduzir que no instante de sua criação (no big bang), há cerca de 13,7 bilhões de anos, sua entropia era nula. Mas não é tão "simples" assim.

"Para que a hipótese da entropia decrescente com o passado seja válida, é preciso considerar
uma enorme restrição  na geometria espaço-tempo no Big Bang."
Adaptado de INI Web Seminars: Penrose, 7.11.2005 (http://www.newton.ac.uk/webseminars/pg+ws/2005/gmr/gmrw04/1107/penrose/)

De acordo com o físico e matemático inglês Roger Penrose, professor emérito da Universidade de Oxford, para que a tese do decaimento da entropia com o passado seja válida, é preciso considerar uma “enorme restrição na geometria espaço-tempo no big bang" (fig.).

Essa noção de “geometria do universo” – na qual a gravidade é uma grandeza fundamental – é um tanto quanto abstrata, complexa. É domínio da Teoria Geral da Relatividade de Einstein. Com base nessa teoria, Penrose e Stephen Hawking mostraram que a geometria espaço-tempo começa com o big bang e termina nos “buracos negros”.

Hawking elucidou o paradoxo que aparentemente colocava em xeque a validade da Segunda Lei da Termodinâmica nas proximidades de um buraco negro. Ele comprovou que essas “cavidades” emitem radiação, ou seja, embora luz e matéria (e com ela sua entropia) “desapareçam” dentro de um buraco negro sem deixar vestígio no cosmos, alguma temperatura permanece. Se há temperatura, há entropia. E Hawking calculou a entropia do buraco negro.

Imagem de um buraco negro (http://usned.com/general/stephen-hawking-todo-sobre-el-y-sus-investigaciones-top.html)

Deixando de lado a cosmologia e voltando à Terra, o efeito estufa – produzido pela absorção atmosférica da radiação emitida pela superfície terrestre – natural ou antrópico (resultante da ação humana) é um exemplo de degradação da energia solar, que faz aumentar a entropia de nosso planeta.

Mas será que a atividade humana, especialmente a partir da revolução industrial, teria uma influência determinante no aumento de entropia da Terra? Que parcela do aquecimento da atmosfera pode ser atribuída à ação do homem? Questões que ainda criam polêmica no meio científico. Não se pretende aqui fazer juízo de valor sobre tais indagações, mas sim trazer à luz conceitos sobre antropia e sua relação com entropia.

Antropia é também uma ciência, que estuda a ação do homem e suas conseqüências sobre o meio ambiente ou a natureza. Pertence ao domínio da antropologia e ciências afins.

Um conceito importante que se desdobra da antropia é o do “princípio antrópico”, cuja base científica foi elaborada pelo físico britânico Brandon Carter. Este princípio estabelece uma correlação entre as consequências da atividade humana e a natureza das leis da física. Por ele, pode-se deduzir que essas leis são necessariamente aquelas que possibilitam a existência da vida.

Em oposição à tendência do ser humano de estabelecer teorias sobre o universo colocando-se como um observador externo, o princípio antrópico postula que toda teoria para ser válida deve incluir uma explicação para a existência do observador, ou seja, deve explicar a própria vida.

Adaptado de https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjkCzrdW1cD6J8Lkxrh9-gnub3FZAk5I1zOCI_2Bsxdd1kdA6IsXZbd9B-LtcdghOts3uL9ETjTp3F-NrtWWcPhnsMFkldmTnuuUvyn9SePmUzp7TiqiZtQ2bWFORinOm_YMMesvdY9msaL/s400/principe+anthropique.bmp&imgrefurl= 

Como disse o neurocientista francês Henri Laborit, em sua narrativa do filme Mon oncle d’Amérique (de Alain Resnais, 1980), “a razão de ser de um ser é a de manter sua estrutura, de manter-se em vida”. Ao contrário das plantas, os animais em sua grande maioria necessitam se deslocar para se alimentar, e o fazem graças ao seu sistema nervoso, ensina o professor Laborit.

A matéria entregue à própria sorte se degradaria indefinidamente, mas um fenômeno chamado “vida” a transforma, dando-lhe estrutura e, guiada pela antropia, a faz evoluir na forma de um ser inteligente.

Conforme diz Marcelo Gleiser em artigo recente, o ser humano constrói para desfazer a tendência da natureza em destruir as coisas. “Tentamos impor um senso de controle sobre a desordem que nos cerca; a vida é fruto da entropia que não pode ser evitada”, conclui o célebre astrofísico.

Em outras palavras, enquanto a entropia declara que tudo se degrada, a antropia procura contrapor-se a ela para tornar possível a vida.

2 comentários:

  1. Excelente explicação e abordagem.
    Parabéns!
    E o mais interessante é que uma informação, independente do tempo, uma vez criada jamais se estingue, e assim como a antropia, sempre encontrará alguém para recebê-la.
    Antonio Pralon postos em 2011 essa informação, e está aqui no blog mantido para nós continuarmos recebendo.

    Valeu Antonio!

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