Cenário de pandemia sob atmosfera poluída explicaria excesso de mortalidade potencialmente evitável, dizem pesquisadores
A ciência comprovou
recentemente que a poluição atmosférica é bem mais prejudicial à saúde humana
do que se imaginava. “Um flagelo que se soma à pandemia de Covid-19, mais devastador
que a malária, a AIDS ou o tabagismo”, como escreveu Nathalie Mayer, jornalista
divulgadora de ciência.
Agora, um novo estudo estima que três em cada vinte mortes por Covid-19 no mundo podem estar associadas à exposição prolongada dos pacientes ao ar poluído.
Os resultados da pesquisa estão no artigo Regional and global contributions of air pollution
to risk of death from COVID-19, de autoria de alemães e cipriotas, publicado no journal Cardiovascular Research no último dia 27.
Os pesquisadores analisaram
dados relativos à poluição do ar, pacientes de Covid-19 e SARS, uma doença respiratória similar àquela causada pelo novo coronavírus. E combinaram
esses dados com aqueles da exposição de partículas microscópicas capturados por
satélite e dados de redes de monitoramento de poluição no solo, para avaliar a
influência da poluição atmosférica nas mortes por Covid-19.
Coordenado pelo professor Jos
Lelieveld do Instituto de Química Max Planck, de Mainz (Alemanha), o estudo revelou
os seguintes percentuais dos óbitos de pacientes de Covid-19 relacionados à
poluição do ar, por região geográfica: Leste Asiático 27%, Europa 19%, América
do Norte 17%, Sul Asiático 15%, América do Sul 9%, Oeste Asiático 8%, África
7%, Oceania 3%.
Para os autores, “esses
percentuais de óbitos atribuídos à Covid-19 em atmosferas poluídas poderiam ser
evitados, caso a população respirasse um ar com menor concentração de poluentes
derivados de combustíveis fósseis e de outras atividades antrópicas”, como
escrevem no artigo.
Eles esclarecem que “os
percentuais atribuídos não implicam em uma relação direta de causa e efeito
entre poluição atmosférica e mortalidade por Covid-19, mas indicam que o
agravamento de comorbidades pela má qualidade do ar pode levar à morte
pacientes infectados por coronavírus”.
“Se a exposição de longo
prazo à poluição do ar e a infecção viral se sobrepõem, o paciente pode ter o
seu coração e os vasos sanguíneos comprometidos”, diz um dos autores do artigo,
Thomas Münzel, do Centro de Pesquisas Cardiovasculares da Alemanha.
Os dados epidemiológicos
que embasaram o estudo foram coletados até a terceira semana de junho; para os pesquisadores,
uma avaliação mais abrangente necessitaria a coleta de dados até que a
pandemia seja amenizada.
Na Europa, 2/3 do percentual (19%) de óbitos por Covid-19 associados à poluição do ar corresponde a
emissões poluentes de origem fóssil. A República Tcheca, Alemanha e Suíça registram
os maiores percentuais, com 27%, 22% e 21% respectivamente. Com valores
intermediários, Suécia (16%), Itália (15%) e Reino Unido (14%); e com
percentual baixo, Portugal (8%).
Na América do Sul, 1/3 da
fração atribuída (9%) deve-se às emissões ligadas ao uso de fontes não renováveis. O
Brasil responde com 12%. Em termos globais, pouco mais da metade (8%) -da
fração de mortes por Covid-19 relacionadas à má qualidade do ar (15%)- se deve
às emissões decorrentes de combustíveis fósseis.
Esta abordagem,
distinguindo a fonte de emissões resultante do uso de energia fóssil de outras
de origem humana, confere ineditismo ao trabalho conjunto de alemães e
cipriotas.
Como as mortes por
Covid-19 não param de crescer, é impossível saber qual a quantidade de pessoas cujo
óbito pode ser associado à poluição atmosférica. A título de exemplo, na data
de publicação do estudo (27/10), o Reino Unido registrava um número de mortes
superior a 44 mil. Isto significa que mais de 6.100 pacientes que morreram de
Covid-19 tiveram sua condição clínica agravada pela poluição do ar.
“Quando as pessoas inalam
ar poluído, partículas poluentes muito pequenas migram dos pulmões para os
vasos sanguíneos, causando inflamação e estresse oxidativo severo que provocam
estreitamento e enrijecimento das artérias. Pelo mesmo mecanismo, o vírus SARS-CoV-2
age no organismo, causando uma disfunção endotelial.”, explica o professor
Münzel.
Os autores do estudo
afirmam que sem uma mudança fundamental na forma como as cidades se abastecem,
incluindo uma transição energética em prol de fontes renováveis, a poluição do ar
continuaria matando muitas pessoas, mesmo após uma atenuação da pandemia.
“A pandemia termina com a vacinação
da população ou a imunidade rebanho. No entanto, não existem vacinas contra a
má qualidade do ar e a mudança climática. O remédio é mitigar as emissões
poluentes”, escrevem os autores.
“A transição para uma
economia verde, com fontes de energia limpa e renovável irá promover saúde
pública e ambiental localmente, mediante a melhoria da qualidade do ar, e
globalmente, pela mitigação da mudança climática”, concluem.
https://academic.oup.com/cardiovascres/advance-article/doi/10.1093/cvr/cvaa288/5940460#209598733
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