sexta-feira, 28 de julho de 2023

Mudança climática: por que a Europa está se aquecendo duas vezes mais rápido que a média global?

Onda de calor que atinge Sul Europeu confirma previsão da Organização Meteorológica Mundial

Temperaturas extremas registradas em torno da Bacia do Mediterrâneo (18-24 de julho de 2023). FONTE: Météo France

De acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, no período 2012-2023, a temperatura planetária média aumentou 1,15 oC em relação à era pré-industrial (1850-1900).

Há pouco mais de um mês, a Organização Meteorológica Mundial (OMM) divulgou um relatório no qual indica que o ritmo de aquecimento no continente europeu é o dobro da média mundial. Mas, qual a razão?

A influência de mares e oceanos sobre o aquecimento atmosférico por si só não explica por que o aumento de temperatura na Europa é mais acelerado do que no planeta globalmente.

Para explicar as recentes temperaturas bem acima dos 40 oC em vários países do velho continente (França, Itália, Grécia e Espanha), os fenômenos climáticos ligados a correntes marítimas são insuficientes, diz Olivier Boucher, climatólogo do Instituto Pierre-Simon Laplace, da França.

“Estamos apenas no início de um desses fenômenos [o El Niño, que gera aumentos de temperatura anormais em águas do Oceano Pacífico e que dura normalmente um ano], e a Europa no verão é pouco ou quase nada afetada por ele”, explica Boucher.

O pesquisador atribui esta onda de calor recorde no mês de julho como resultado das elevações de temperatura globais constatadas nos últimos anos, devido à mudança climática.

Mas destaca o aquecimento ainda maior na Europa, que avança 0,5 oC por década, desde os anos 1980, ou seja, o dobro do aumento médio da temperatura global, conforme o relatório da OMM e o Copérnico, Programa Europeu de Observação da Terra, divulgado em 19 de junho deste ano.

Para Boucher, o aquecimento global (de 1,15 oC) verificado nos últimos 150 anos teria sido ainda maior, não fosse a ação de mares e oceanos, “que cobrem 70% da superfície terrestre e tem a capacidade de absorver calor e estocá-lo em suas profundezas, o que atenua a alta de temperatura do planeta”, diz o cientista.

Já o climatólogo Christophe Cassou, membro do IPCC e pesquisador do Centro de Pesquisa Europeu Cerfacs, destaca o aumento de “apenas” 0,93 oC da temperatura média de mares e oceanos, ante 1,65 oC das áreas continentais.

Ele evoca uma razão paradoxal para explicar porque o aumento de temperatura na Europa (de 2,3 oC) foi maior: “a concentração de aerossóis, emitidos por atividades industriais e de transporte, caiu nas últimas três décadas, enquanto aumentou em outras partes do mundo”.

É paradoxal porque a diminuição da presença de aerossóis -que formam a poluição do ar-, embora seja benéfica para a saúde humana, permite uma maior incidência da radiação solar no solo, o que contribui para o aquecimento atmosférico.

Cassou lembra que, no passado, a concentração atmosférica de aerossóis mascarava o aquecimento climático causado por gases de efeito estufa; “hoje, este efeito é muito menor”, esclarece o climatólogo. Ele aponta um outro fator responsável pelo aquecimento maior na zona mediterrânea, em relação ao resto do continente europeu: a desidratação do solo.

“Uma atmosfera mais quente provoca maior evaporação da água do solo e das plantas; o efeito resfriador do processo evaporativo é atenuado à medida que o solo se torna cada vez mais seco”, explica Cassou.

Um terceiro fenômeno meteorológico, apontado pelo pesquisador do Cerfacs, são “os movimentos atmosféricos que transportam ar quente do Magreb [vasta região do Norte da África] e/ou do entorno do Mar Mediterrâneo em direção ao Norte da Europa”.

Cassou ressalta que este é um fenômeno complexo, de pouca compreensão pela ciência, ainda incapaz de responder à pergunta: “é uma outra face da mudança climática ou um fenômeno natural do clima, em que periodicamente predominam fluxos de ar do Sul para o Norte?”.

Seja qual for a explicação, o fato é que a Europa está se aquecendo em um ritmo duas vezes maior que o planeta como um todo. Mas não é a única região, país ou continente onde o fenômeno é observado.

No Oriente Médio, na Califórnia (EUA), no Canadá ou na Rússia, a temperatura está aumentando em ritmo similar à do velho continente, lembra Christophe Cassou, mas “não necessariamente pelas mesmas razões”, acrescenta.

Se no Oriente Médio e na Califórnia a seca extrema dos solos é um fator-chave do aquecimento climático, a redução da cobertura de neve é o principal fenômeno que explica o aumento acelerado de temperatura no Canadá e na Rússia.

“É uma questão de albedo [efeito refletor de uma superfície clara, que reenvia os raios solares para fora da atmosfera]; quando a neve se derrete, o solo exposto e mais escuro absorve a radiação solar, aquecendo a superfície [que em seguida aquece a atmosfera]”, explica Cassou. É o que acontece no Ártico, onde a temperatura aumenta quatro vezes mais rápido que a média global.

Os dois especialistas, Olivier Boucher e Christophe Cassou, advertem que, mantidas as atuais políticas para o clima pelo conjunto dos países, o cenário para o fim do século é catastrófico. “Se hoje o planeta está 1,15 oC mais quente [do que há 150 anos] e a Europa + 2,3 oC, até 2100 é de se esperar que as temperaturas aumentem 3 oC e 4 oC, respectivamente”.

Fontes: https://www.20minutes.fr/planete/rechauffement-climatique/4045800-20230717-climat-pourquoi-europe-rechauffe-deux-fois-plus-vite-moyenne-mondiale

https://climate.copernicus.eu/climate-bulletins

Um comentário:

  1. O artigo compila as opiniões mais recentes de cientistas acerca da atual quentura da Europa. E o que se nota é um verdadeiro e notável esforço do também cientista e jornalista autor do texto, que procura costurar tais observações da forma mais condizente possível a fim de nos fazer entender melhor sobre a assustadora situação. Estamos, sim, vivendo na prática o que há bem mais de um século os estudiosos já alardeavam: o aquecimento global e o seu caráter deletério à Humanidade.

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