Onda de calor que
atinge Sul Europeu confirma previsão da Organização Meteorológica Mundial
Temperaturas extremas
registradas em torno da Bacia do Mediterrâneo (18-24 de julho de 2023). FONTE:
Météo France
De
acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, no período
2012-2023, a temperatura planetária média aumentou 1,15 oC em relação à era
pré-industrial (1850-1900).
Há pouco mais de um mês, a Organização Meteorológica Mundial (OMM) divulgou um relatório no qual indica que o ritmo de aquecimento no continente europeu é o dobro da média mundial. Mas, qual a razão?
A influência de mares e
oceanos sobre o aquecimento atmosférico por si só não explica por que o
aumento de temperatura na Europa é mais acelerado do que no planeta
globalmente.
Para explicar as recentes
temperaturas bem acima dos 40 oC em vários países do velho continente (França,
Itália, Grécia e Espanha), os fenômenos climáticos ligados a correntes
marítimas são insuficientes, diz Olivier Boucher, climatólogo do
Instituto Pierre-Simon Laplace, da França.
“Estamos
apenas no início de um desses fenômenos [o El Niño, que gera aumentos de
temperatura anormais em águas do Oceano Pacífico e que dura normalmente um
ano], e a Europa no verão é pouco ou quase nada afetada por ele”, explica
Boucher.
O
pesquisador atribui esta onda de calor recorde no mês de julho como resultado
das elevações de temperatura globais constatadas nos últimos anos, devido à
mudança climática.
Mas
destaca o aquecimento ainda maior na Europa, que avança 0,5 oC por década,
desde os anos 1980, ou seja, o dobro do aumento médio da temperatura
global, conforme o relatório da OMM e o Copérnico, Programa Europeu
de Observação da Terra, divulgado em 19 de junho deste ano.
Para
Boucher, o aquecimento global (de 1,15 oC) verificado nos últimos 150 anos
teria sido ainda maior, não fosse a ação de mares e oceanos, “que cobrem 70% da
superfície terrestre e tem a capacidade de absorver calor e estocá-lo em suas
profundezas, o que atenua a alta de temperatura do planeta”, diz o cientista.
Já
o climatólogo Christophe Cassou, membro do IPCC e pesquisador do Centro de
Pesquisa Europeu Cerfacs, destaca o aumento de “apenas” 0,93 oC da temperatura
média de mares e oceanos, ante 1,65 oC das áreas continentais.
Ele
evoca uma razão paradoxal para explicar porque o aumento de temperatura na
Europa (de 2,3 oC) foi maior: “a concentração de aerossóis,
emitidos por atividades industriais e de transporte, caiu nas últimas três
décadas, enquanto aumentou em outras partes do mundo”.
É paradoxal
porque a diminuição da presença de aerossóis -que formam a poluição do ar-,
embora seja benéfica para a saúde humana, permite uma maior incidência da radiação
solar no solo, o que contribui para o aquecimento atmosférico.
Cassou
lembra que, no passado, a concentração atmosférica de aerossóis mascarava o
aquecimento climático causado por gases de efeito estufa; “hoje, este
efeito é muito menor”, esclarece o climatólogo. Ele aponta um outro fator
responsável pelo aquecimento maior na zona mediterrânea, em relação ao
resto do continente europeu: a desidratação do solo.
“Uma
atmosfera mais quente provoca maior evaporação da água do solo e das plantas; o
efeito resfriador do processo evaporativo é atenuado à medida que o solo se torna
cada vez mais seco”, explica Cassou.
Um
terceiro fenômeno meteorológico, apontado pelo pesquisador do Cerfacs, são “os
movimentos atmosféricos que transportam ar quente do Magreb [vasta região do
Norte da África] e/ou do entorno do Mar Mediterrâneo em direção ao Norte da
Europa”.
Cassou
ressalta que este é um fenômeno complexo, de pouca compreensão pela ciência,
ainda incapaz de responder à pergunta: “é uma outra face da mudança climática
ou um fenômeno natural do clima, em que periodicamente predominam fluxos de ar
do Sul para o Norte?”.
Seja qual for a explicação, o fato é que a Europa está se aquecendo em um ritmo duas vezes maior que o planeta como um todo. Mas não é a única região, país ou continente onde o fenômeno é observado.
No Oriente Médio, na Califórnia (EUA), no Canadá
ou na Rússia, a temperatura está aumentando em ritmo similar à do velho
continente, lembra Christophe Cassou, mas “não necessariamente pelas mesmas
razões”, acrescenta.
Se
no Oriente Médio e na Califórnia a seca extrema dos solos é um fator-chave do
aquecimento climático, a redução da cobertura de neve é o principal fenômeno
que explica o aumento acelerado de temperatura no Canadá e na Rússia.
“É
uma questão de albedo [efeito refletor de uma superfície clara, que reenvia os
raios solares para fora da atmosfera]; quando a neve se derrete, o solo exposto
e mais escuro absorve a radiação solar, aquecendo a superfície [que em seguida
aquece a atmosfera]”, explica Cassou. É o que acontece no Ártico, onde a
temperatura aumenta quatro vezes mais rápido que a média global.
Os
dois especialistas, Olivier Boucher e Christophe Cassou, advertem que, mantidas
as atuais políticas para o clima pelo conjunto dos países, o cenário para o fim
do século é catastrófico. “Se hoje o planeta está 1,15 oC mais quente [do que
há 150 anos] e a Europa + 2,3 oC, até 2100 é de se esperar que as temperaturas aumentem 3 oC e 4 oC, respectivamente”.
O artigo compila as opiniões mais recentes de cientistas acerca da atual quentura da Europa. E o que se nota é um verdadeiro e notável esforço do também cientista e jornalista autor do texto, que procura costurar tais observações da forma mais condizente possível a fim de nos fazer entender melhor sobre a assustadora situação. Estamos, sim, vivendo na prática o que há bem mais de um século os estudiosos já alardeavam: o aquecimento global e o seu caráter deletério à Humanidade.
ResponderExcluir