Abastecido por eletricidade de baixa emissão de CO2, ajuda a conter crise climática, mas pode ter impactos ambiental e social negativos
Segundo a Agência de Proteção Ambiental dos EUA, um carro elétrico
recarregado em Saint-Louis, no Estado de do Missouri -onde a energia elétrica é
produzida à base de carvão- emite 35% a menos de CO2 do que um similar movido à combustão (“carro térmico”).
Na França, onde a eletricidade provém majoritariamente de usinas nucleares, é de se esperar um “balanço de carbono” ainda mais favorável dos veículos elétricos, em relação aos térmicos, aqueles com motores convencionais a combustível fóssil.
Quando se considera a totalidade do seu “ciclo de vida”,
incluindo a produção dos componentes da bateria e a reciclagem final, as
emissões de CO2 do carro elétrico tornam-se muito menores do que as de um carro
térmico. É o que diz um estudo do International Council on Clean
Transportation (ICCT).
Por outro lado, a fabricação de baterias é um processo
altamente energívoro, desde a mineração das matérias-primas até o transporte
para os centros de montagem dos carros, já que a maioria das reservas (de cobalto e lítio,
principalmente) ficam longe dos centros consumidores; estão principalmente em
países da África, Ásia e América do Sul. A reciclagem desses materiais é ainda
muito cara.
Para Peter Newman, professor de Desenvolvimento Sustentável da
Universidade de Curtin, na Austrália, a energia gasta na extração dos metais
necessários à fabricação das baterias depende da região de exploração e do tipo
de tecnologia do acumulador.
No entanto, além do impacto no clima devido às suas emissões de
CO2, a mineração desses materiais gera grande impacto ambiental. “Quando um
carro elétrico chega ao mercado, ele já vem com um déficit ecológico
proveniente de sua fabricação”, diz o jornalista de economia François-Xavier
Pietri.
Ele cita a exploração de cobalto no Congo, de propriedade 80% chinesa,
altamente poluente e que usa mão de obra infantil, “crianças trabalhando em
condições sub-humanas por 1 dólar de remuneração diária”. Para se extrair uma
tonelada de lítio, um milhão de litros de água são consumidos. A França dispõe
de grandes reservas de lítio, mas a questão da água é um fator limitante de sua
exploração, frisa Pieri.
De acordo com o IPCC (Painel Intergovernamental de Mudança
Climática), até meados do século, o setor de transporte precisaria reduzir globalmente
suas emissões em 59%, em relação a 2020, para limitar o aquecimento planetário
a 1,5 oC até 2050. A União Europeia então decidiu proibir a venda de carros térmicos até
2035, como parte do esforço para zerar as emissões de carbono oriundas da
mobilidade urbana em 2050.
“Uma decisão política, que não indica como atingir seu objetivo”,
afirma Pietri, um observador atento e crítico do carro elétrico, especialmente
na França. Ele avalia que a medida de impacto no transporte terrestre foi
decidida por Bruxelas simplesmente pela impossibilidade de reduzir no curto prazo as emissões de CO2 em outros
setores, como aviação, agricultura e indústria.
Não é difícil transformar um motor térmico em elétrico, mas “a
interrupção das pesquisas sobre motores à gasolina ultra eficientes, com
potencial para rodar até 50 km com 1 litro, foi um retrocesso estratégico e
industrial”, sinaliza o jornalista.
As grandes montadoras da Europa estão preparadas para substituir
a produção de carros térmicos por elétricos; estes últimos demandam menos mão
de obra, apesar de ser um produto com maior valor agregado e, portanto, ter um
preço de venda mais alto. O modelo Zoé da francesa Renault sai por 32 mil
euros, enquanto um modelo Clio térmico é vendido a 19 mil euros.
Conforme recomenda o IPCC, no 3º volume de seu 6º Relatório de Avaliação divulgado em abril de 2022, no capítulo referente à mobilidade
terrestre, “os veículos elétricos alimentados por energia de baixa emissão de
carbono representam um grande potencial de descarbonização” e devem ser
fomentados por “instrumentos que estimulem a demanda, tais como subvenções”.
Entretanto, o fato de as jazidas mundiais dos principais
metais (cobalto, lítio e terras raras) estar nas mãos de poucos deve impedir uma
redução sustentável no custo dos carros, o que demandaria cada vez mais
subsídios, alerta François-Xavier Pietri. Com a disseminação do carro elétrico,
o estado deve arrecadar menos taxas sobre combustíveis fósseis, diz Pietri. Na
França, a arrecadação anual dessa taxa soma 40 bilhões de euros, um montante
que serviria para promover maiores subsídios aos carros elétricos ou custear outras ações em prol do
clima.
O painel internacional de especialistas climáticos também
destaca a importância de investimentos contínuos no aprimoramento tecnológico e
na infraestrutura de abastecimento dos carros elétricos, ou seja, no
desenvolvimento de estações de recarga públicas e privadas.
A autonomia média de um carro elétrico na França é de 300 km,
contra 550 km de um carro térmico. Em outubro de 2022, o país contava com 700
estações de recarga, sob uma ampla variação de tarifas; há diferenças de até 5 vezes no valor cobrado pelo kWh, dependendo do tipo de contrato do operador.
Nas autoestradas, rodar 100 km com um Renault Zoé custa 15
euros, enquanto com um motor a gasolina ou a diesel paga-se 10 euros, a valores vigentes à
época, de quase 2 euros/litro de gasolina. Em três anos, a Tesla triplicou o
preço de suas recargas nas autoestradas francesas.
Uma outra distorção do sistema de recarga em autoestradas é o
modo de faturação do kWh, que depende do tempo da carga: quanto maior a
capacidade da bateria, menor o valor pago. Ora, uma vez que os carregadores de carros
mais potentes são mais rápidos, gera-se uma situação socialmente injusta. “Uma carga total do Zoé sai mais caro que a do
Porche Tycan!”, cita perplexo Pietri, que conclui: “o carro elétrico opõe ricos
a pobres”.
François-Xavier Pietri é autor do livro Voiture électrique:
ils sont devenus fous! (“Carro elétrico: uma loucura total!”, em tradução
livre), publicado em outubro de 2022 por Éditions de l’Observatoire. Um
ensaio em que o autor lança luz sobre a decisão da União Europeia de banir os carros
térmicos em 2035 e “suas terríveis consequências econômicas, ambientais e
sociais”.
Por sua parte, o Greenpeace já alertava em 2010 para o risco
de que o desenvolvimento não controlado do carro elétrico pudesse comprometer a
transição energética para fontes renováveis, já que o aumento da demanda por
eletricidade poderia significar uma maior produção de energia nuclear e de origem fóssil.
Na Polônia -país europeu que deverá banir o carro térmico em 2035-, 70% da matriz
elétrica provém da queima de carvão.
Há 13 anos, a organização ambientalista também questionava os custos e o impacto ambiental da produção de baterias, um fator essencial para o
desenvolvimento sustentável do carro elétrico. Como escrevemos acima, trata-se de uma questão
ainda sem resposta e que suscita muitas dúvidas...
“Devemos visar carros elétricos eficientes, baseados o tanto
quanto em uma capacidade adicional de geração renovável e ao mesmo tempo evitar
que a quantidade de veículos e quilômetros rodados aumente. A promoção de
transportes públicos e outros meios de locomoção sustentáveis deve ser uma prioridade absoluta”, advertia o Greenpeace em 2010.
https://www.cyrisea.com/le-blog-de-cyrisea/6eme-rapport-giec-3eme-volet-sorti
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