Maior parte dos aerossóis atenua aquecimento planetário, mas seu impacto dura pouco, comparado ao efeito estufa de origem antrópica
Há muito tempo se sabe que
os chamados “gases de efeito estufa” aquecem a atmosfera, por meio
de um mecanismo similar ao que ocorre dentro de um carro fechado quando seus
vidros são expostos ao sol.
Mas, o que dizer dos aerossóis, partículas em suspensão no ar, liberadas por atividades naturais e humanas? Que outro efeito, além da poluição ambiental, exercem sobre a atmosfera? Contribuem para aumentar ou para reduzir o aquecimento global?
Poluentes atmosféricos
trazem sérias consequências sanitárias e climáticas; alguns deles, na forma de
partículas finas -os aerossóis-, agem simultaneamente sobre a saúde humana e o
clima. Refletem parte dos raios solares de volta ao espaço, impedindo que esta
parcela da radiação solar atinja a superfície terrestre.
Aerossóis atuam também como núcleos de condensação do vapor d’água, permitindo,
assim, a formação de nuvens. Esses dois efeitos combinados são, portanto, benéficos
para o clima porque provocam o resfriamento da atmosfera.
No entanto, é
relativamente recente a compreensão da ciência sobre a influência dos aerossóis
no aquecimento climático de origem antrópica. Antes de abordar os efeitos desses
componentes no clima, porém, segue uma breve história do conceito de “efeito
estufa”, que remonta há quase 200 anos.
Em 1824, o matemático francês
Joseph Fourier, a quem se deve o primeiro esboço da teoria do efeito estufa, já
intuía que os gases presentes na atmosfera contribuíam para o aquecimento
planetário.
Já em 1860, o físico
irlandês John Tyndall designa o vapor d’água e o gás carbônico como principais
responsáveis deste fenômeno atmosférico. Até que, em 1896 o físico-químico
sueco Svante Arrhénius descreve o efeito estufa tal como conhecemos hoje e que
explicamos brevemente a seguir.
Toda energia que permite a
vida na Terra tem sua origem no Sol. É a interação dos raios solares com a
camada atmosférica que define a quantidade de radiação solar que atinge a
superfície do globo.
Em números redondos, 51% da
energia solar atravessa diretamente a atmosfera, mesmo na presença de nuvens,
e são absorvidos pela superfície terrestre, enquanto 20% são retidos na própria
atmosfera.
Os 29% restantes são
refletidos de volta ao espaço pelos componentes do ar, por nuvens claras e pelo
solo, água e vegetação, mas principalmente nas regiões polares, cuja cobertura de
neve é altamente refletora. Esta propriedade, de uma superfície refletir os
raios solares, se chama “albedo”.
A superfície da Terra uma
vez aquecida, graças à radiação solar absorvida, restitui parte deste calor
para a camada atmosférica, que age como uma barreira impedindo que a energia seja tansmitida diretamente do globo para o espaço, gerando duas consequências.
A primeira é o aquecimento
da atmosfera; a segunda, é a reemissão da radiação absorvida por ela em todas
as direções. Uma parcela importante dessa energia é transferida de volta para a
superfície terrestre. Este suplemento de calor que a Terra recebe é exatamente
o efeito estufa.
Não fosse este complexo
fenômeno, de múltiplas interações entre a radiação solar e os componentes que
formam nossa atmosfera, a temperatura na Terra seria de - 18 oC, impedindo e
existência de vida tal como conhecemos.
O equilíbrio energético do
planeta é garantido quando a quantidade de radiação solar absorvida pelo
planeta é a mesma que a radiação refletida mais o calor transferido de volta ao
espaço. Acontece, que o sistema climático da Terra está perturbado, em razão do
aumento da concentração de gases de efeito estufa gerado por atividades
antrópicas. O resultado é o aquecimento global.
Os gases de efeito estufa (GEE)
com maior capacidade de aquecimento são o metano (CH4) e o gás carbônico (CO2),
sendo o primeiro 23 vezes mais potente. Sua duração de vida também varia, de 12
anos para o CH4 a 100 anos para o CO2. Além disso, este último é o componente
com maior presença na atmosfera, daí ser usado como referência para medir o
impacto de um determinado gás sobre o efeito estufa, o que se faz em termos de “CO2
equivalente”.
Entre as atividades
antrópicas que tem causado aumento da concentração atmosférica de GEE,
continuamente nos últimos 150 anos, está o uso massivo de combustíveis fósseis (carvão,
derivados de petróleo e gás natural) e a deflorestação, em benefício de
atividades extensivas de agricultura pastagem.
Voltando aos aerossóis, um
exemplo de sua influência sobre o clima foi a erupção em 1991 do vulcão Monte
Pinatubo, nas Filipinas, que emitiu uma grande quantidade de partículas sulfurosas,
chegando até a estratosfera (entre 12 e 50 km de altitude). Cientistas
estimaram que este fenômeno tenha provocado uma queda de 0,5 oC na temperatura planetária.
Globalmente, os aerossóis agem
como freio do aquecimento climático, já que impedem que uma parte da radiação
solar atinja a superfície terrestre. Mas há uma exceção, um tipo de aerossol -o
“black carbon”-, cujo efeito contribui para o aumento de temperatura da Terra,
devido à sua alta capacidade de absorver a radiação solar incidente.
Seu efeito sobre o clima se
mantém quando eles são depositados no solo, já que o escurecimento das
superfícies favorece a absorção dos raios solares. Em outras palavras, os black
carbon diminuem o albedo terrestre, causando aquecimento.
À exceção de incêndios
naturais, as emissões atmosféricas de black carbon são exclusivamente causadas
por atividades humanas. São oriundas da combustão incompleta de biomassa e combustíveis
fósseis; a “fuligem” que se vê a olho nu.
Um estudo internacional,
publicado na Nature Communications em 2019, caracterizou e quantificou carvão
e fuligem gerados pela queima incompleta de árvores da Floresta Amazônica, os
quais são transportados por via fluvial até o Oceano Atlântico.
Além da vegetação
destruída, e com ela sua biodiversidade, os incêndios deixam sua marca no rio
Amazonas e seus afluentes na forma de black carbon, que é levado até o
mar como carbono orgânico dissolvido, diz o estudo.
O pesquisador Jeffrey
Richey, da Universidade de Washington (EUA) e coautor do estudo, explica que “uma
parte do carbono gerado nas queimadas da Amazônia vai para a atmosfera na forma
de CO2, mas uma alta parcela é depositada no solo e na água na forma de
black carbon”.
“Por datação radiométrica
[um método que mede a quantidade de isótopos radiativos no material, permitindo
determinar sua idade até 60 mil anos atrás] e análise de sua composição molecular,
concluímos que a maior parte de black carbon encontrado no rio Amazonas
foi produzida nos últimos anos pela queima de árvores”, diz Richey.
Assim, pode-se concluir
que os incêndios criminosos amplamente tolerados pelo poder público no período
2019-2022, contribuíram também para o aquecimento global na forma desses
aerossóis atípicos, embora a ciência ainda não tenha quantificado este efeito.
Há algumas décadas, os
aerossóis mascaravam o aquecimento climático causado pelos gases de efeito estufa.
Sua significativa diminuição neste período, especialmente de partículas
sulfatadas emitidas por atividades humanas, explica a tendência climática na
Europa, onde o aquecimento tem evoluído duas vezes mais rápido que no planeta
globalmente.
Mais recentemente, simulações
numéricas baseadas em “sistemas de modelização regional” -que reproduzem
condições meteorológicas em grande escala, acoplando dados da atmosfera, mares, rios e superfícies continentais- propiciaram avaliar o impacto de aerossóis
no aquecimento climático.
Pesquisadores da
Universidade de Estocolmo (Suécia) e do Instituto de Ciência Atmosférica e
Climática de Zurique (Suíça) avaliaram a influência de aerossóis sobre o
aquecimento climático na Europa.
O estudo, Unmasking the
Effects of Aerosols on Greenhouse Warming over Europe, foi publicado no
final de 2022 na revista JGR Atmospheres. “As partículas de aerossol
resfriam o planeta, mas este efeito é de curta duração em comparação com o
impacto humano no efeito estufa”, diz o estudo.
Os cientistas descobriram
que o aumento da energia solar que chega na superfície terrestre, causado pela
redução de aerossóis entre 1979 e 2020, levaram a um aquecimento próximo à
superfície de 1 oC, para condições de céu claro e de um pouco mais para todo
tipo de céu, na Europa Central e Oriental.
“Isto significa que outras
regiões da Terra com altas cargas antropogênicas de aerossóis provavelmente
sofrerão aquecimento, se a concentração dessas partículas diminuir”, conclui o
estudo.
Fontes: https://www.atmo-bfc.org/qui-sommes-nous/actualites/l-impact-des-aerosols-sur-le-climat
https://www.umr-cnrm.fr/spip.php?article924&lang=fr
https://www.cnrs.fr/cw/dossiers/dosclim1/biblio/pigb14/02_aerosols.htm
https://books.openedition.org/editionscnrs/11354
https://www.cea.fr/multimedia/Documents/publications/clefs-cea/archives/fr/clefs200857memoC.pdf
https://scitechdaily.com/black-carbon-found-in-the-amazon-river-most-from-recent-forest-burnings/
https://agupubs.onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1029/2021JD035889
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