Reflexões à luz de Até que ponto, de fato, nos comunicamos?, de Ciro Marcondes Filho (São Paulo: Paulus, 2004)
Moacyr Scliar, em palestra na última Feira do Livro de Porto Alegre, afirmou que os três escritores que marcaram a literatura do século XX foram Joyce, Kafka e Proust. Com referência à obra desse último, entre outros, é que Marcondes Filho discorre sobre a relação entre amor e comunicação.
Assim, conforme o autor de Até que ponto, em Proust “o amor evidencia o desespero da incomunicabilidade e, quando a dualidade se transforma em unidade, não há mais comunicação no amor”. Finda a comunicação, o resultado da relação amorosa seria o tédio. Para Marcondes, o diálogo entre duas pessoas também se extingue “quando o abismo entre elas é muito estreito para tornar possível uma mediação lingüística”.

Marcel Proust (1871-1922)

Conclui Marcondes Filho seu ensaio sobre comunicação, paixão e ser humano questionando Proust sobre a impossibilidade da comunicação no amor. Ele afirma que em situações peculiares há, de fato, comunicação entre amantes “por procedimentos indiretos, paralelos, mesmo subterrâneos”. O autor de A produção social da loucura vai buscar em romance de Goethe (1749-1832) contra-exemplos a Proust de comunicação na paixão: na leitura conjunta de um livro quando “nossos corações pulsam como um só”, ou em várias outras circunstâncias quando “exprimimos nossos sentimentos sobre o comportamento de outra pessoa”.
Por mais que a literatura, clássica ou contemporânea, nos dê exemplos de incomunicabilidade no amor, os contra-exemplos são muitos, porque a arte imita a vida. E parece não haver dúvida de que a vida é comunicação. Mas o amor seria fruto da comunicação? Ou seria meio de comunicação, como defendia o sociólogo alemão Luhmann (1927-1998)? De acordo com ele, os sentimentos de amor representariam um código simbólico referenciado num contexto histórico-social bem definido. Ou seria o amor uma construção altamente personalizada da comunicação? Certo é que várias são as formas possíveis de comunicar-se no amor, seja na dualidade ou na unidade; mesmo no silêncio, no diálogo não verbal, pode-se esperar comunicação entre amantes.
Não me atreveria comentar sobre as expectativas masculinas quanto à comunicação no relacionamento amoroso. É bem possível que "a concretização da mulher desejada, por aproximação e posse, dissolva o mistério” e/ou que "no seu enigma enquanto ser é que seja possível haver comunicação". Só sei que algumas mulheres apreciam (desejam) até mesmo a "comunicação silenciosa", possível, por exemplo, na leitura simultânea de livros diferentes, cada um no seu lado da cama (rede ou sofá), a qual poderia ser interrompida, vez ou outra, para a leitura, em voz alta, dos trechos imperdíveis sobre sentimentos ou temas especiais.
ResponderExcluir