quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Amor & Comunicação

Reflexões à luz de Até que ponto, de fato, nos comunicamos?, de Ciro Marcondes Filho (São Paulo: Paulus, 2004)

Moacyr Scliar, em palestra na última Feira do Livro de Porto Alegre, afirmou que os três escritores que marcaram a literatura do século XX foram Joyce, Kafka e Proust. Com referência à obra desse último, entre outros, é que Marcondes Filho discorre sobre a relação entre amor e comunicação.

Assim, conforme o autor de Até que ponto, em Proust “o amor evidencia o desespero da incomunicabilidade e, quando a dualidade se transforma em unidade, não há mais comunicação no amor”. Finda a comunicação, o resultado da relação amorosa seria o tédio. Para Marcondes, o diálogo entre duas pessoas também se extingue “quando o abismo entre elas é muito estreito para tornar possível uma mediação lingüística”.

De acordo com Marcondes, para o autor de Em busca do tempo perdido a reciprocidade, “a comunicação íntima e profunda” entre duas pessoas é mera ilusão; o que há é a incomunicabilidade gerada pela solidão e pelo mistério, ambos catalisadores da paixão. Ora, se mais adiante assegura Marcondes que a concretização da mulher desejada, por aproximação e posse, “dissolvem o mistério e instaurariam o tédio”, talvez não na solidão, mas na coisa oculta, no segredo que guarda a mulher amada, no seu enigma enquanto ser é que seja possível haver comunicação.
Marcel Proust (1871-1922)
Recorre ao filósofo alemão Hegel (1770-1831) e ao pensador francês Bataille (1897-1962) para pontuar a comunicação em Proust. Evoca o sentimento ambivalente entre amantes; ao mesmo tempo em que são invadidos pela sensação de vida única, sentem-se separados e, a cada separação concretizada, são inclinados a reconciliar-se, num processo contínuo de divisão-união em busca da unidade ou continuidade perdida. A tal “nostalgia da continuidade perdida”, cuja superação só é possível na relação sexual. Mas cada ser, de corpo e alma, é único e não se fusiona no outro, diz Marcondes Filho. Para ele, na raiz desse dilema – da busca, apesar da impossibilidade, de incorporação plena ao outro – está o ciúme, essa sensação de insegurança causada pela possibilidade da perda, que confirma tanto a fragilidade do relacionamento quanto a perseverança da paixão.

Conclui Marcondes Filho seu ensaio sobre comunicação, paixão e ser humano questionando Proust sobre a impossibilidade da comunicação no amor. Ele afirma que em situações peculiares há, de fato, comunicação entre amantes “por procedimentos indiretos, paralelos, mesmo subterrâneos”. O autor de A produção social da loucura vai buscar em romance de Goethe (1749-1832) contra-exemplos a Proust de comunicação na paixão: na leitura conjunta de um livro quando “nossos corações pulsam como um só”, ou em várias outras circunstâncias quando “exprimimos nossos sentimentos sobre o comportamento de outra pessoa”.

Por mais que a literatura, clássica ou contemporânea, nos dê exemplos de incomunicabilidade no amor, os contra-exemplos são muitos, porque a arte imita a vida. E parece não haver dúvida de que a vida é comunicação. Mas o amor seria fruto da comunicação? Ou seria meio de comunicação, como defendia o sociólogo alemão Luhmann (1927-1998)? De acordo com ele, os sentimentos de amor representariam um código simbólico referenciado num contexto histórico-social bem definido. Ou seria o amor uma construção altamente personalizada da comunicação? Certo é que várias são as formas possíveis de comunicar-se no amor, seja na dualidade ou na unidade; mesmo no silêncio, no diálogo não verbal, pode-se esperar comunicação entre amantes.

Um comentário:

  1. Não me atreveria comentar sobre as expectativas masculinas quanto à comunicação no relacionamento amoroso. É bem possível que "a concretização da mulher desejada, por aproximação e posse, dissolva o mistério” e/ou que "no seu enigma enquanto ser é que seja possível haver comunicação". Só sei que algumas mulheres apreciam (desejam) até mesmo a "comunicação silenciosa", possível, por exemplo, na leitura simultânea de livros diferentes, cada um no seu lado da cama (rede ou sofá), a qual poderia ser interrompida, vez ou outra, para a leitura, em voz alta, dos trechos imperdíveis sobre sentimentos ou temas especiais.

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