http://www.crea-mg.org.br/Vertice/Paginas/15-Copa-2014.aspx
Gestor
do projeto Mineirão Solar, o engenheiro eletricista Alexandre Heringer Lisboa
(foto) traz à baila mais uma vez o polêmico tema do horário de verão,
questionando sua validade como artifício para reduzir a demanda elétrica
máxima.
“Com
ou sem horário de verão, a curva de carga é aplainada, já que a duração do
período de insolação sempre é maior no verão; o grande responsável pelo pico da
demanda são os chuveiros elétricos e não a iluminação”, afirma Lisboa. Confira
sua argumentação no artigo abaixo.
Horário de Verão: vale a pena?
Por Alexandre
Heringer Lisboa*
No próximo
dia 16/02/14 se encerra mais um ciclo do Horário de Verão (HV). A adoção do HV
sempre provocou polêmicas e esse debate precisa ser mais qualificado, com a
ajuda dos meios de comunicação, que raramente o aprofundam. Nessa presente
reflexão não entraremos na questão do gosto pessoal pela adoção ou não do
Horário de Verão e nem nas discussões acerca de outros impactos da adoção do HV
focando apenas nas razões apontadas pelo setor elétrico, para a introdução do
mesmo.
O principal motivo para a adoção do HV é, segundo o Governo Federal (Ministério
das Minas e Energia), a redução da demanda máxima do Sistema Interligado
Nacional (SIN) no período de ponta, conforme expresso na Nota Técnica ONS
022/2013. Segundo o discurso padrão anualmente ecoado por toda a imprensa,
graças ao HV o pico de energia na hora da ponta será reduzido - sempre na ordem
de 4,5%. Adicionalmente, segundo essa mesma Nota, a adoção do HV propicia
outros benefícios dentre esses uma economia de energia, da ordem de 0,5 % (0,4%
na edição do HV 2012-2013).
Entretanto
algumas questões permanecem obscuras. Primeiramente não é devidamente explicada
a metodologia que avaliou esses números, apenas mostrando um gráfico comparando
as curvas de carga alguns dias que antecedem e precedem o início e o fim do HV.
Em segundo lugar, a necessidade do alívio da demanda máxima no Verão é conceitualmente
questionável pois, na realidade, os maiores registros de demanda máxima no
horário de ponta do Sistema Interligado Nacional costumam acontecer no início
da primavera e do outono e não no verão, conforme atestado no próprio site do
Operador Nacional do Sistema (ONS).
Mas, com ou sem o HV essa curva de carga se torna naturalmente aplainada
durante o verão, já que a duração do período de insolação – iluminação natural
- sempre é maior no verão. À medida que a data do solstício de verão (22/dez)
se aproxima, as horas de claridade solar ficam maiores e começam a diminuir a
partir dessa data. Além disso, o grande responsável pelo pico da demanda na
hora da ponta são os chuveiros elétricos e não a iluminação.
A iluminação pública (IP), que contribui para a demanda nas horas de pico,
depende apenas do efeito fotoelétrico para ativar os relés e não de decretos
governamentais. Portanto, com ou sem HV haverá o acionamento automático das
lâmpadas que compõe a IP. E quando os dias de verão são chuvosos ou muito
encobertos, fatores que ocorrem com maior frequência no nosso verão - exceto na
atual estação, que sofre a maior estiagem e calor das últimas décadas- o fator
iluminação natural também não ajudará nem na redução do pico e nem nessa tal
economia de energia.
Outro dado é que nos dias mais quentes tende-se a ligar os equipamentos de ar
condicionado e os compressores dos refrigeradores (escritórios, escolas,
shoppings e residências) com maior frequência, gastando mais energia com
certeza, mas fora do horário de ponta, já que o calor é mais intenso no período
da tarde. Ou seja, a ponta do sistema no verão se dá no período da tarde e não
coincide com o período de iluminação artificial (lâmpadas). Vejam o recente
apagão que aconteceu dia 04/02/2013, debitado ao uso intensivo de energia na
mesma hora (pico) e os recordes de pico, que são sempre no meio da tarde.
Mais questionável ainda é a afirmativa sobre a existência de economia de
energia elétrica (utilização de uma potência instalada durante um tempo), por
conta do Horário de Verão, estimada em 0,4% na edição do HV 2012-2013. Alguns
estudos feitos ao redor do mundo têm mostrado divergências em relação à
existência de alguma economia de energia com o HV.
No Brasil, existem muitas dúvidas sobre a metodologia que o MME utiliza para
sustentar a existência dessa economia de energia durante o HV. A avaliação do
consumo de energia elétrica nos período do HV, vis a vis ao período sem HV,
parte de premissas extremamente questionáveis, já que embute uma enorme gama de
imprevisibilidades, generalizações e condições diferentes como adaptações do
corpo e dos hábitos diários das pessoas, nível de chuvas, nebulosidade,
temperatura ambiente atípicas, férias escolares ou laborais (que impõe a
mudança do horário de consumo das famílias) etc.
Esses fatores contaminam qualquer amostragem estatística que possa se
sustentar. Ainda que, essa amostragem estatística - com tantas variáveis já
comentadas - fosse confiável, o nível de incerteza associado seria tão alto que
o valor em torno de 0,5% com certeza está dentro da margem de erro. Ou seja,
uma grandeza que deveria ser solenemente ignorada.
Assim, diante dessas diversas razões elencadas, jamais se pode garantir, que
existe uma economia de energia devido à adoção do HV. Nem existe nenhum estudo
conclusivo que prove isso. Assim, o alegado benefício da economia de energia,
além de carecer de comprovação científica seria, caso mesmo exista, altamente
irrisório relativamente falando e dificilmente compensa os efeitos colaterais
perversos que o acompanha.
Outro fator, não levado em consideração, foi que a partir de 1985, quando foi
reintroduzido o HV no Brasil, os equipamentos industriais, eletrodomésticos e
lâmpadas, passaram por grande transformação em aumento de eficiência. Assim, o
consumo de energia (doméstico, comercial e industrial) e a iluminação em hoje
um gasto unitário bem menor que de três décadas atrás, em que foram formuladas
as razões para o HV.
É comum argumentarem, que a maior parte do mundo adota o HV, embora países
altamente industrializados como a China, Japão e Índia não o adotem. Mas, a
maioria desses países que o adotam se situam em latitudes mais elevadas que o
Brasil e assim as variações das durações dos dias e noites bem como a variação
das temperaturas, ao longo do ano, são muito mais pronunciadas. Ainda assim,
nesses países existe grande polêmica em relação ao HV.
O modo como a radiação solar atinge esses países situados acima dos trópicos e
que tem nos extremos climáticos um denominador comum, implica em diferentes
durações de insolação e temperaturas ambientes, diferenciam o modo como serão
utilizados a iluminação, os sistemas de aquecimento e refrigeração.
Esses países, mesmo antes do inverno, necessitam de um grande sistema de
aquecimento, que é altamente intensivo em consumo de energia, que se acentua à
medida que as temperaturas diminuem. A radiação solar em altas latitudes é bem
menos intensa que na região intertropical, devido ao maior ângulo de incidência
dos raios solares, acentuando o problema do frio e a necessidade de calefação,
problema que é bem desprezível no Brasil.
Quanto ao argumento de que haverá a economia do uso de combustíveis fósseis
devido ao não acionamento de termelétricas no horário de ponta, é uma afirmação
que mais confunde que justifica. Isso porque o despacho da energia elétrica não
é feito necessariamente pelas termelétricas e sim de acordo com a ordem de
mérito, que é determinado pelo menor custo de operação. Apenas no caso de não
haver acumulação hídrica na época do despacho é que as térmicas serão despachadas,
como ocorre atualmente.
As alternativas para a atenuação do problema do pico de consumo nas horas de
ponta, poderiam ser:
a) Dotar o país de um amplo programa de disseminação de aquecimento solar com
coletores solares planos em substituição aos chuveiros elétricos. Com a
instituição desse programa pelos Municípios, Estados e União, em parceria com a
iniciativa privada, poderia reduzir a demanda de pico, na proporção da penetração
desses sistemas solares.
b) Aumentar a confiabilidade do sistema de transmissão e sua capacidade de
carregamento de carga, com a disponibilização de mais investimentos em novas
linhas e no reforço das existentes.
c) Introdução de um sistema de tarifação inteligente - medidores inteligentes -
dos quais as concessionárias de distribuição já tem grande experiência, dando
incentivos aos consumidores que concentrarem suas cargas em períodos fora de
ponta.
d) Onde for possível, instalar meios alternativos de aquecimento de água, como
sistemas de aquecimento a gás. O uso de chuveiros elétricos, apesar de sua
versatilidade e baixo custo, utiliza uma energia extremamente nobre - a
eletricidade -, para uma utilidade de alto grau de entropia que é a produção de
calor. Assim, dos pontos de vista termodinâmico e ambiental, a conversão combustíveis
fósseis > eletricidade > calor, tem um altíssimo nível de ineficiência
energética.
e)
Finalmente a melhor de todas as soluções para reduzir o consumo de energia: a
implementação de um massivo programa de eficientização e racionalização
energética, que é a forma ambientalmente mais correta e econômica de utilizar a
energia. O potencial de redução e otimização energética com a eficientização é
gigantesco e traria maiores efeitos práticos para o setor elétrico e menores
impactos para a população do que a adoção do HV.
Fora do setor elétrico é também enorme a polêmica sobre o impacto do HV na vida
cotidiana, como as alterações circadianas, sacrifício para quem acorda muito
cedo (que também obriga a gastar energia com iluminação) para trabalhar, aumento
de acidentes de transito e de trabalho, insônia e stress. O verão por si só,
com ou sem HV permitirá dias mais longos sem prejudicar ninguém e nem nada, a
não ser a diminuição do chamado Horário Nobre das TVs.
A atitude mais transparente para quem implanta o HV seria explicitar as razões
reais que o justificam, com ampla abertura a todos os setores da sociedade
brasileira e não responsabilizar o setor elétrico por esse mal desnecessário.
Não é socialmente justo expor a população a esse sacrifício, sem uma razão mais
forte e bem fundamentada que justifique sua adoção.
* e-mail:
ahlisboa00@uol.com.br
Obrigado pela postagem Pralon. Abraços.
ResponderExcluirMuito bom. Acordo muito cedo e não gosto do horário de verão. Acho que deveria ser feita uma discussão com participação da sociedade, principalmente de técnicos especializados no assunto. Infelizmente é muito comum os ocupantes de cargos de confiança de governos (ministério das Minas e Energia, neste caso) simplesmente repetirem os procedimentos anteriores afinal pensar dá trabalho e eles não estão lá para isso.
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