domingo, 19 de janeiro de 2020

Clima: abismo entre o que pedem cientistas e o que prometem chefes de Estado não esmorece mídia europeia

Observatório da imprensa Euro Topics destaca comentários de jornais de nove países sobre futuro do clima pós COP 25

Potenciais efeitos da mudança climática global incluem: incêndios florestais com maior frequência, regiões com períodos de seca mais longos e aumento do número, da duração e da intensidade de tempestades tropicais. IMAGEM: Mellimage/Shutterstock.com (esquerda), Montree Hanlue/Shutterstock.com (centro), NASA (direita)

Apesar do fosso entre os compromissos assumidos pelas partes na última conferência sobre o clima (COP 25) e o que reivindica a ciência para salvar o planeta, inúmeros veículos de mídia de diferentes países europeus não renunciam à pauta ambiental e apontam avanços e desafios para a continuidade do combate.

Os comentários que seguem foram extraídos de portais jornalísticos da Suécia, Finlândia, Dinamarca, Itália, Alemanha, Espanha, Irlanda, Suíça e Bélgica.

1. Aftonbladet (Suécia)

Uma vontade de mudança sem precedentes

Apesar de ter sido uma conferência decepcionante, o jornal sueco enumera algumas razões para se manter a esperança:

“A igualdade entre os sexos nas medidas de proteção ao clima foi consolidada. Cada país foi evocado a rever suas metas em prol do clima à luz dos mais recentes conhecimentos científicos. Para além da COP 25, obtiveram-se alguns progressos; a título de exemplo, muitas empresas que operam em nível internacional têm assumido maior responsabilidade quanto à proteção do clima. Nos Estados Unidos, vários Estados federados e muitas cidades decidiram respeitar o Acordo de Paris (2015), apesar da falta de apoio de Donald Trump. O Banco Mundial, o FMI e a União Europeia tomam importantes medidas para limitar o uso de combustível fóssil. Em todo o mundo, há uma efervescência visível e a vontade de mudar está presente.”

2. Keskisuomalainen (Finândia)

O papel dos Estados está superestimado

O Keskisuomalainen também estima que a deserção de vários Estados não comprometerá a luta contra o aquecimento global:

“Nem todas as medidas de redução de emissões dependem dos Estados e de suas decisões políticas. A emissão de gases nocivos ao clima também é da responsabilidade de empresas, municípios e cidadãos, mas igualmente depende de inovações tecnológicas e dos mercados. Os Estados e os compromissos multilaterais têm grande ascensão sobre esses protagonistas, mas especialmente nos países democráticos é possível obter avanços mesmo sem o apoio do Estado.”

3. Politiken (Dinamarca)

A emulação como exemplo

O dinamarquês Politiken conclama os países dispostos a agir a não baixar os braços:

“É claro que devemos endossar campanhas pela adoção de soluções e acordos globais. Ao mesmo tempo, seja em nível nacional ou europeu, devemos apoiar causas comuns a outros países que compartilham das mesmas convicções e que se deram conta da gravidade da situação. Os chamados ‘princípios de São José’, pelos quais se define um sistema de cotas [no comércio de créditos de carbono], tornaram-se um marco no movimento em prol do clima. A Dinamarca e outros 30 países aderiram a este sistema, quando a conferência de Madri já era considerada um fracasso. Não podemos resolver a crise climática sozinhos, mas, a exemplo da rigorosa lei que aprovamos em nosso país, podemos exercer pressão sobre os países recalcitrantes.”

4. Corriere dela Sera (Itália)

O clima só tem solução com apoio dos EUA e da China

No jornal italiano, o economista Stefano Agnoli aposta todas suas fichas na derrota de Trump nas próximas eleições:

“As eleições deste ano nos Estados Unidos se tornam ainda mais cruciais. Isto por causa das posições caprichosas do governo norte-americano em relação à China, como vimos na questão dos direitos alfandegários; uma reeleição de Trump seria um desastre para os acordos sobre mudanças climáticas. Ora, a política ambiental só pode dar certo com a participação dos Estados Unidos e da China, já que somente esses dois países têm o poder de negociar regras de funcionamento do mercado de carbono.”

5. Die Welt (Alemanha)

As Nações Unidas não são o melhor formato

Pela leitura do jornal alemão sobre a Conferência de Madri:

“Encontrar um denominador comum entre quase 200 países é muito complicado. Que os Estados que levam a sério a proteção do clima deem o exemplo, com toda a honestidade para si e para os outros. Não é preciso dizer que reduzir emissões de carbono é a princípio uma tarefa tão difícil quanto onerosa. Mas se, mesmo com seus engenheiros qualificados, seus sistemas de seguridade social e suas riquezas, os países ocidentais são incapazes de preservar as decisões do Acordo de Paris (2015), qual país será capaz de cumpri-lo? O lema da conferência climática de Madri nos lembrou que era hora de agir. Não foi em vão.”

6. El Mundo (Espanha)

Sem os grandes Estados não há credibilidade

O periódico espanhol, por sua vez, faz pouco caso de uma proteção climática “de vanguarda”:

“Existe uma hipocrisia insuportável, que é a de pedir ao cidadão comum que se esforce para reduzir o consumo do diesel e para reciclar. Isto sem que a comunidade internacional se dê os meios, realistas e pragmáticos, para conter a crise climática de nossos ecossistemas. E assumir os custos da transição ecológica e da reconversão da economia e da indústria impactados por esta crise. Agora que temos a prova científica de que a mudança climática é causada pelo homem, a neutralidade em carbono até 2050 torna-se uma meta viável. Isto impõe um engajamento assíduo dos 200 Estados; em particular dos Estados Unidos, China, Índia e Rússia, que são os principais emissores de dióxido de carbono, metano e óxido nitroso.”

7. The Irish Times (Irlanda)

Dirigentes surdos aos apelos dos cidadãos

Os egoísmos nacionais prevaleceram uma vez mais, avalia o The Irish Times:

“O resultado [da COP 25] evidencia o crescente abismo entre políticos e cidadãos do mundo todo, que clamam por uma resposta urgente ao agravamento da crise climática. Consenso e solidariedade estavam na ordem do dia... Muitos dirigentes políticos terão que pagar o preço por suas respostas totalmente inadequadas, especialmente líderes de países que são grandes emissores de CO2, como Brasil, Estados Unidos e Austrália. Por sua obstinação no ceticismo climático e pela intensificação de suas emissões de carbono, via combustíveis fósseis (e queimadas de biomas), tais países merecem permanecer no ostracismo.”

8. Tages-Anzeiger (Suíça)

Uma última sacudida nos estados refratários

Estados que persistem na dependência de fontes de energia fóssil encontram-se fragilizados, avalia o Tages-Anzeiger:

“Aparentemente, os Estados ‘fósseis’ jogam suas últimas cartas para se rebelar contra a mudança de era. Já não exercem grande influência há um bom tempo. O número de países que persistem em macular a ciência e que se recusam a reduzir suas emissões de carbono é cada vez menor. É verdade que foi essa minoria que bloqueou o avanço das negociações na Conferência de Madri. Mas não se pode dizer que tiveram sucesso, o que significaria terem assumido um compromisso às avessas [perante a urgência climática]. A comunidade mundial mostrou força para impedir a descaracterização dos ganhos previstos no Acordo de Paris (2015), por decisões contraproducentes. Deste ponto de vista, o fracasso [da reunião] de Madri pode ter sido positivo.”

9. La Libre Belgique (Bélgica)

Pouco produtiva, mas necessária

Para La Libre Belgique, conferências climáticas como a de Madri serão sempre necessárias, apesar de seus balanços decepcionantes:

“Por mais que seja desestimulante uma conferência dessas, não há surpresa. Ela apenas reflete o estado atual da geopolítica mundial, em que grandes países optaram deliberadamente por uma relação de poder voltada muito mais ao nacionalismo em detrimento da cooperação internacional e o multilateralismo. São equilíbrios geopolíticos em movimento, que continuarão a evoluir para o bem ou para o mal. Como o desafio climático é por definição um problema global, essas conferências permanecem imprescindíveis, pelo menos como forma de evitar uma espiral de conflitos em que cada um aja por si.”

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