93% da
geração distribuída no Brasil provém da fonte solar e já supera os 2 GWp
Para
garantir a sustentabilidade do sistema de geração distribuída, o engenheiro
eletricista e especialista em energia solar Alexandre Heringer Lisboa propõe
uma “tarifa binômia”, que considera separadamente os custos da energia e aqueles
da distribuidora.
Um olhar sobre a questão da Geração Distribuída no Brasil e a revisão
da RN 482/2012
Por Alexandre
Heringer Lisboa
Muito ainda se discute sobre a revisão dos incentivos para a geração
distribuída (GD) no Brasil. Essa polêmica, no entanto, não permite intervenções
que não sejam calcadas na razão econômica e no olhar técnico e regulatório da
questão. Há um alto conteúdo de paixão envolvido.
Inicialmente,
é importante enfatizar que a ANEEL é um órgão de ESTADO e não de GOVERNO. Não
pode ficar, assim, sujeita a humores repentinos e casuísticos de empresários,
políticos, concessionárias e nem mesmo de presidentes da República. Tem que
fazer seu trabalho regulatório e previsto na Constituição, visando o mais justo
equilíbrio entre interesses no setor de energia elétrica da sociedade, empresas
e governo, no longo prazo.
A recente
“intervenção” do presidente Bolsonaro tentando enquadrar politicamente a ANEEL,
será um grande golpe na autonomia da Agência e trará consigo forte
instabilidade regulatória. Poderá trazer insegurança jurídica, já que os
consumidores não-GD poderão acionar a justiça quando os custos da sua conta de
energia vier maior que o normal. Esse enfraquecimento da ANEEL também trará, no
médio e longo prazo, consequências muito danosas para todos consumidores e para
os próprios agentes que hoje querem que a Agência atue para atender seus
interesses de curto prazo. Ficarão sempre à mercê de intervenções políticas em
suas decisões.
As
concessionárias, adicionalmente, deverão arcar com imprevisibilidade e queda de
receitas. Não terão vida fácil já que terão que prever impactos outros que não
esse da GD, como a possível instituição da portabilidade, fazendo com que o
cliente de energia, mesmo residencial, possa optar por Concessionária de outro
estado, bastando que pague adequadamente os custos da Distribuidora (transporte
de energia mais custos operacionais de O&M) na qual ele está conectado.
A Geração Distribuída no Brasil é um sucesso inquestionável. Temos
hoje (jan/2020) mais de 2.000 MWp de potência elétrica proveniente de
empreendimentos de GD, sendo 93% desses apenas de fonte solar fotovoltaica -
algo questionável em si. Em junho de 2019 chegamos ao primeiro GWp ou seja, em
apenas 6 meses dobramos a potência em GD. No final de 2012, ano em que foi
editada a Resolução Normativa 482 - cerca de 7 anos atrás -, tínhamos apenas
0,4 MW.
Os dois mais importantes instrumentos que permitiram essa quebra de padrão
positiva, foram o marco legal regulatório (Resoluções Normativas
nº 482/2012 e
nº 687/15 da Agencia Nacional de Energia Elétrica – Aneel), criando o sistema
de compensação de energia elétrica (net-metering), e o CONFAZ -
Conselho Nacional de Política Fazendária, ao conceder grande incentivo
tributário com a isenção de ICMS das tarifas de eletricidade e serviços para quem
optasse por geração por fontes renováveis e GD (Convênios ICMS 101/1997,
16/2015 e 114/2017).
Alguns Estados, como
Minas Gerais, criaram incentivos fiscais ainda maiores, por Lei Estadual. Esses
incentivos, aliados ao alto preço ao consumidor da energia e excelente nível de
radiação no estado, provocaram um crescimento estratosférico da GD. Minas
Gerais tem hoje 23% de toda potência instalada de GD do Brasil.
Entretanto, já na
edição da RN 687 em 2015, quando a Aneel redefiniu e aumentou os limites para
Geração Distribuída – que passou ao limite máximo de 5 MW e permitiu a geração
compartilhada, o autoconsumo remoto em condomínios, já estava previsto uma revisão
das regras para o sistema de compensação de energia elétrica (RN 482/12), para
permitir ajustes e compatibilização com a realidade do setor elétrico.
E é essa polêmica que
vivemos hoje. A Aneel decidirá, em semanas, a nova Resolução que
tratará das novas regras para a GD, visando corrigir eventuais distorções e disciplinar a relação entre
consumidores, agentes de Geração Distribuída e Concessionárias.
Nessa questão
apaixonada, dois pontos de vista principais se digladiam (concessionárias de
energia e associações de empresas da cadeia fotovoltaica). No
meio desse debate está o consumidor e como juiz o poder regulador, a ANEEL.
Essa Agência ao captar e ser pressionada por esses movimentos da sociedade, lançou
uma audiência pública onde colheu subsídios e informações adicionais para a
Análise de Impacto Regulatório (AIR) da revisão da RN.
Assim, diante
dessas demandas e interesses nem sempre convergentes, a Agência propôs uma
diretriz para a revisão da RN 482 (Audiência Pública 001/2019), que se baseia
em manter a atual regulação até que seja atingido um limite de 1,25 GWp para
sistemas remotos e a 3,365 GWp para sistemas de compensação local, ou então a
partir de 2030, se tais níveis não forem atingidos.
Depois disso,
aplicaria nas tarifas de GD, de acordo com a penetração relativa da mesma, os
custos relativos ao transporte de energia (TUSDs Fio A e Fio B), seguida de
encargos e finalmente a incidência toda da TUSD e os encargos e demais
componentes da TE (tarifa de energia).
O ponto
central dessa polêmica é a questão dos subsídios cruzados. Quem possui um
sistema de GD hoje não paga ICMS e nenhuma tarifa ou encargo para a
concessionária que investiu (cabos, transformadores, subestações, reles,
sistemas de supervisão e controle), opera, mantem o sistema de distribuição,
além de pagamento de pessoal, material, serviços e outros (PMSO). Esses custos
são então repassados para os demais consumidores que não tem GD, provocando
aumento de tarifas.
Ao aumentar
tarifas, mais consumidores irão procurar a GD e assim cria-se o que chamam de
“espiral da morte”. Por outro lado, os agentes da cadeia de GD, alegam que a
energia distribuída gera benefícios adicionais ao sistema elétrico como
sustentabilidade ambiental, adiamento do investimento em geração de energia por
combustíveis fosseis, menor investimento em linhas de transmissão e redes de
distribuição, geração de empregos.
Entretanto,
a discussão se enviesou por um lado de paixão e desconhecimento. Em nome uma
causa nobre, no caso "energia solar fotovoltaica", em que acreditam
lutar, muita coisa errada e desajustes tem se cometido no mercado de GD.
Principalmente por pessoas pouco experientes na área. A ANEEL está correta
nessa revisão. Aliás, isto é que vai permitir que a GD se torne sustentável a
longo prazo e continuar seu caminho iluminado e inexorável, mesmo que termine esse
subsídio.
Portanto, acho
desonestidade ou má fé de movimentos como o tal #taxarosolnão por usar de
marketing enganoso. Uma tremenda fake news. Não existe taxação nenhuma e nem
deveria ser só solar fotovoltaica, que tem 93% de participação. O que a Aneel
propõe é que quem consome geração distribuída passe a pagar, também, como os
demais consumidores, após um tempo, as tarifas para o pedágio (uso do sistema
elétrico) e os encargos, que todos os demais consumidores pagam.
Pode haver
em alguns casos um aumento no tempo de retorno do investimento, bem como uma
redução da Taxa Interna de Retorno (TIR). Entretanto, ainda terão grande
atratividade, considerando que os custos dos sistemas fotovoltaicos permanecem
em queda.
Porque
também não dizem ao público que a GD é isenta de ICMS, custo que representa 42%
da conta de energia (no caso de MG) e que nós todos, consumidores não-GD,
pagamos. Para manter os custos acima comentados de O&M e amortização do
investimento do sistema elétrico, alguém tem que pagar. Ou será que empreendimentos
de GD não precisarão de se conectar à rede?
Outros problemas
ainda emergem pela adoção acelerada da GD. O sistema elétrico pode ter
problemas de sobre tensão, esgotamento da capacidade de conexão (fato já existente
em sistemas como o da Cemig), controle dos efeitos da intermitência solar.
Tem o
problema da logística reversa para o reaproveitamento dos milhões de módulos
fotovoltaicos, que serão substituídos ao fim de sua vida útil; a questão da não
equiparação de custos de geração quando se trata de fonte não intermitente ou
que gera mais longe ou mais perto do consumidor e por aí vai.
Uma solução
para permitir a ampla competição entre geradores de energia seria a adoção da
chamada tarifa binômia, que separa os custos reais da distribuidora e os custos
da energia, que variam em cada concessionária e em cada período do dia e do
ano.
Assim,
teríamos uma competição pelo fornecimento da energia mais barata, e as
distribuidoras seriam rentabilizadas corretamente, cobrando pelo transporte da
energia. Todos ganhariam.
A reação contra e a favor dos subsidios à GD ainda continuam. O Congresso deve propor uma nova Lei para disciplinar o assunto. Prevê-se que até a edição dessa Lei os benefícios tributários continuem e a partir disso que os empreendimentos de GD que não for geração local (geração remota) passem a pagar.
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