Principais
instâncias científicas mundiais sobre biodiversidade e mudança climática
advertem sobre perigo de ações centradas no clima impactar ecossistemas
e vice-versa
Pela primeira vez, a
Plataforma Intergovernamental de Políticas Científicas sobre Biodiversidade e
Ecossistemas (IPBES) da ONU e seu homólogo para o clima (IPCC) realizaram um
trabalho conjunto, que durou cinco anos.
No relatório Biodiversity and Climate Change, publicado no último dia 10, cientistas da IPBES e do IPCC acenderam a luz amarela do “semáforo da encruzilhada ambiental”, alertando para o risco de um iminente ponto de inflexão global.
Enquanto as políticas
nacionais e internacionais tendem a compartimentar a luta contra a mudança
climática e a preservação da biodiversidade, “nenhum desses desafios será
resolvido com sucesso se não forem abordados conjuntamente”, diz o texto
síntese do estudo que reuniu cinquenta especialistas.
O conteúdo do documento servirá
de suporte para estudos do IPBES sobre as interconexões entre biodiversidade,
água, alimentos e saúde no contexto da mudança climática, e fornecer subsídios
para uma nova avaliação do IPCC, que constará de seus próximos relatórios.
A visão geral da relação
entre biodiversidade e clima inclui: (a) impactos e riscos de plausíveis mudanças
climáticas, conforme o cenário (+ 1,5 oC, 2 oC, 3 oC
e 4 oC em 2100) sobre a biodiversidade terrestre, de águas doces e
marinhas, e a contribuição da natureza para a qualidade de vida; (b) feedback
de possíveis alterações da biodiversidade sobre o clima; (c) uso do conhecimento
científico e autóctono; (d) oportunidades, desafios e riscos do clima alterar
as opções de mitigação e adaptação da biodiversidade; (e) impacto da
conservação da biodiversidade e de práticas sustentáveis nas emissões deletérias;
(f) avaliação de sinergias e políticas compensatórias voltadas simultaneamente
para mitigar mudanças climáticas e perdas de biodiversidade, inclusive em áreas
urbanas; e (e) principais incertezas científicas.
Durante muito tempo, clima e biodiversidade eram vistos como duas coisas apartadas, diz a especialista em ecologia humana Pamela McElwee, professora da Universidade de Rutgers (EUA), uma das autoras do estudo. “As políticas também seguiram esta visão; progressivamente, o clima ganhou mais importância porque seus efeitos são evidentes. Por exemplo, o fogo na Austrália parece mais distante, mas está estreitamente ligado à questão climática”, explica McElwee.
Trata-se na verdade de um
ciclo vicioso. A seca favorece a queima de florestas, que liberam CO2 na
atmosfera, amplificando por sua vez o aquecimento global. “Políticas ambiciosas
de redução de emissões permitem proteger a biodiversidade, e a regeneração da
natureza atenua a mudança climática”, resume o professor Hans-Otto
Pörtner, vice-presidente do comitê científico.
Esses dois desafios devem
ser encarados em sinergia, uma vez que ações visando combater mudanças
climáticas podem prejudicar a natureza e vice-versa. Por exemplo, a compensação
de carbono, uma estratégia amplamente adotada por empresas, que consiste a
plantar árvores para criar sumidouros de carbono, pode favorecer a substituição
de florestas de múltiplas espécies por uma monocultura mais frágil.
“As florestas de plantação
podem ser um desastre, já que são extremamente vulneráveis à seca e aos parasitas”,
adverte a bióloga Camille Parmesan, professora da Universidade de Plymouth
(Reino Unido) e coautora do estudo conjunto IPBES-IPCC. Um outro exemplo são
certas tecnologias de energia renovável baseadas em metais raros, cuja
exploração pode ser catastrófica para o meio ambiente, lembra Parmesan.
Outro coautor do trabalho,
o biólogo Peter Smith, expressa otimismo ao afirmar que são muitas as soluções
existentes. “A primeira coisa a ser feita é preservar os ecossistemas,
principalmente aqueles ricos em carbono e biodiversidade, como florestas e
manguezais”, diz Smith.
O relatório do IPBES-IPCC
destaca que a diminuição do desmatamento e da destruição de florestas pode contribuir para reduzir as emissões antrópicas de gases de efeito estufa em até
5,8 gigatoneladas de CO2 equivalente por ano. Uma contribuição significativa,
já que em 2019 as emissões mundiais somaram 43,1 gigatoneladas de CO2 equivalente.
Outra ação centrada na
natureza, considerada pelos pesquisadores como a mais eficaz e econômica para
mitigar a mudança climática, é a restauração de ecossistemas degradados. Mas
deve ser urgente, haja vista a velocidade da devastação: desde o início da civilização,
o mundo já perdeu metade de suas florestas e de seus recifes de corais.
“Uma sociedade sustentável
precisa de um clima estabilizado e de ecossistemas saudáveis. No entanto, 77%
da terra (excluindo a Antártica) e 87% da superfície dos oceanos foram
modificados por ação direta do homem. Essas alterações estão associadas à perda de 83% da biomassa de mamíferos e de 50% das plantas.
Pecuária e humanos ocupam 96% da biomassa de mamíferos da Terra. A quantidade
de espécies ameaçadas de extinção nunca foi tão alta em toda a história da
humanidade”, diz o texto dos especialistas da IPBES e do IPCC.
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