sexta-feira, 20 de agosto de 2021

Mudança Climática: planeta entra na era dos ‘megaincêndios’

Em poucas semanas, milhões de hectares de florestas foram destruídos por fogo em diferentes continentes; aquecimento global deve tornar esses eventos ainda mais frequentes

Áreas de florestas com mais de 25 hectares devastadas por incêndio, de 1º de julho a 17 de agosto de 2021. Fonte: Copernicus. Infografia: Le Monde

Incêndios de dimensões nunca vistas na história recente tem devastado ecossistemas inteiros mundo afora. Em países ricos e pobres, em diferentes latitudes e climas: de ambos os lados do Atlântico, de parte a parte do Mediterrâneo, da Escandinávia aos Balcãs, da Sibéria ao Saara setentrional.

Artigo publicado hoje no Le Monde online traz um panorama dos últimos fenômenos extremos, na forma de “megaincêndios”, em diversas partes do mundo. O texto tem a colaboração de correspondentes nos Estados Unidos, Rússia, Turquia, Suécia, Argélia e Grécia.

“Sabemos há um bom tempo que o aquecimento climático vai aumentar a frequência e a amplitude dos incêndios”, diz Jean-Luc Dupuy, diretor de equipe do Instituto Nacional de Pesquisa em Agricultura da França.

O caso emblemático é o da Califórnia (EUA), que dispõe de dados estatísticos consistentes. Os 10 maiores incêndios desde 1932 foram todos registrados após 2000. E os 6 maiores ocorreram a partir de agosto de 2020; o mais devastador consumiu, em quase três meses de fogo, 415 mil hectares (uma área de mais de 20 km por 20 km).

Em outras partes do globo houve também incêndios recentes devastadores. “Particularmente, os grandes incêndios na Austrália no verão austral de 2019-2020 [cerca de 17 milhões de hectares queimados], que foram objeto de pesquisas, sugerem relação com o aquecimento climático, apesar das incertezas inerentes aos modelos”, relata Dupuy.

Longe de aglomerações urbanas, os incêndios que assolam a Sibéria desde o início do verão atual não estão muito na mídia, mas são comparáveis aos maiores já registrados nos últimos anos nos Estados Unidos. A Agência de Monitoramento Florestal da Rússia, Rosleskhov, estimou em 16 milhões de hectares a área destruída pelo fogo. Um território maior que a Grécia.

De acordo com os registros feitos pelo sistema de vigilância europeu Copernicus, a estimativa é que os incêndios na Sibéria tenham liberado na atmosfera uma quantidade gigantesca de CO2: 505 milhões de toneladas, apenas na região da Yakutia, a mais afetada. As temperaturas registradas neste verão na Rússia são recorde (> 50 oC) e a situação ainda está longe de ser controlada, com oito regiões em estado de emergência.

Segundo um estudo internacional publicado em maio de 2021 na revista Climate Change, a onda de calor que alcançou a Sibéria no início do verão de 2020, com temperaturas acima de 38 oC registradas no Norte do círculo polar, teria sido “fisicamente impossível sob condições climáticas do início do século XX”.

Outros estudos mostraram que, em latitudes mais altas da Europa Ocidental, os efeitos da mudança climática são também significativos: os cientistas concluíram que sem o aquecimento global, os gigantescos incêndios florestais (uma área consumida de cerca de 25 mil hectares) que atingiram a Suécia no verão de 2018 teriam sido extremamente improváveis.

Se as ocorrências de fogo em vastas áreas florestais da América do Norte, Eurásia e Austrália permitem detectar os sinais da amplificação dos efeitos do aquecimento global, em outras partes do planeta a relação não é tão clara. “O aquecimento já está impactando todas as regiões, mas sua evidência não é percebida em todos os lugares porque em alguns casos há outros fatores influenciam”, afirma Dupuy.

Apesar dos intensos incêndios registrados nas últimas semanas no Sul da Europa e em torno do Mediterrâneo – Grécia, Turquia, Portugal, Argélia e França, em particular – as tendências de maior amplitude estão em baixa, se comparadas às décadas de 1970 e 1980.

“À exceção de alguns países como Portugal e Grécia, as políticas implementadas na Europa permitiram reduzir, algumas vezes drasticamente, as áreas devastadas nos últimos 40 anos, especialmente por ações de vigilância e detecção precoce dos incêndios”, explica Dupuy.

A manutenção de florestas é um outro aspecto importante para prevenir fogos, lembra Dupuy. A Finlândia, por exemplo, que tem uma cobertura florestal de 75% do seu território, com medidas de conservação reduziu em dez vezes a área queimada desde o pós-guerra, mesmo com a incidência cada vez mais frequente de ondas de calor e secas.

Paradoxalmente, em algumas regiões da Europa o abandono de atividades agrícolas, especialmente em zonas montanhosas, pode ter favorecido a ocorrência de megaincêndios, já que a recolonização dessas áreas por florestas gera um acúmulo de biomassa potencialmente incendiária.

No entanto, as metas de prevenção do risco de incêndio não podem se acomodar ao precário esforço mundial para mitigar a mudança climática, principalmente dos países mais poluentes. Em uma recente síntese da literatura científica, publicada na revista Annals of Forest Science, os autores afirmam que sem uma redução das emissões de gases de efeito estufa, as áreas incendiadas da Europa Meridional podem crescer de 5% a 50% por década.

Na Turquia e na Argélia, por exemplo, os meios de combate a incêndios são amplamente insuficientes. No primeiro, o fogo destruiu uma área de florestas de 180 mil hectares este ano; uma devastação oito vezes maior que a média anual registrada na última década. A incapacidade de resposta do governo turco tem gerado críticas crescentes, uma vez que incêndios de grandes proporções como os recentes impactam negativamente o turismo e boa parte da economia do país.

O mesmo descontentamento da população se verifica na Argélia, onde os fogos deste verão ceifaram a vida de mais de 90 pessoas. Sem meios técnicos de combate aos incêndios, o governo tenta importar da Rússia quatro aviões bombardeiros de água “capazes de enfrentar incêndios florestais em condições climáticas extremas e complexas”, declarou uma autoridade do Ministério da Defesa da Argélia.

Já no continente asiático, o presidente da Rússia expressa preocupação com a gravidade da situação dos incêndios e inundações (ao Sul do país); desastres naturais “absolutamente sem precedentes”. Pelo menos retoricamente, o mandatário russo reconhece a importância dos esforços contra a mudança climática: “Essas catástrofes ambientais mostram mais uma vez a importância de se engajar de forma profunda e sistemática na agenda climática”, declara Vladmir Putin.

Fonte: https://www.lemonde.fr/planete/article/2021/08/20/la-planete-est-entree-dans-l-ere-des-megafeux_6091864_3244.html?fbclid=IwAR2AGlTjfbtxPU69bTZ2ODgRHWeYtp-GGjvssOop2YSAlV57D5gf36w-wWk

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