Em poucas
semanas, milhões de hectares de florestas foram destruídos por fogo em
diferentes continentes; aquecimento global deve tornar esses eventos ainda mais
frequentes
Incêndios de dimensões
nunca vistas na história recente tem devastado ecossistemas inteiros mundo
afora. Em países ricos e pobres, em diferentes latitudes e climas: de ambos os
lados do Atlântico, de parte a parte do Mediterrâneo, da Escandinávia aos Balcãs,
da Sibéria ao Saara setentrional.
Artigo publicado hoje no Le Monde online traz um panorama dos últimos fenômenos extremos, na forma de “megaincêndios”, em diversas partes do mundo. O texto tem a colaboração de correspondentes nos Estados Unidos, Rússia, Turquia, Suécia, Argélia e Grécia.
“Sabemos há um bom tempo
que o aquecimento climático vai aumentar a frequência e a amplitude dos incêndios”, diz Jean-Luc Dupuy, diretor de equipe do Instituto Nacional de Pesquisa em
Agricultura da França.
O caso emblemático é o da
Califórnia (EUA), que dispõe de dados estatísticos consistentes. Os 10 maiores
incêndios desde 1932 foram todos registrados após 2000. E os 6 maiores ocorreram
a partir de agosto de 2020; o mais devastador consumiu, em quase três meses de
fogo, 415 mil hectares (uma área de mais de 20 km por 20 km).
Em outras partes do globo houve também incêndios recentes devastadores. “Particularmente, os grandes
incêndios na Austrália no verão austral de 2019-2020 [cerca de 17 milhões de
hectares queimados], que foram objeto de pesquisas, sugerem relação com o
aquecimento climático, apesar das incertezas inerentes aos modelos”, relata
Dupuy.
Longe de aglomerações
urbanas, os incêndios que assolam a Sibéria desde o início do verão atual não
estão muito na mídia, mas são comparáveis aos maiores já registrados nos
últimos anos nos Estados Unidos. A Agência de Monitoramento Florestal da Rússia, Rosleskhov, estimou
em 16 milhões de hectares a área destruída pelo fogo. Um território maior que a
Grécia.
De acordo com os registros
feitos pelo sistema de vigilância europeu Copernicus, a estimativa é que os incêndios na
Sibéria tenham liberado na atmosfera uma quantidade gigantesca de CO2: 505
milhões de toneladas, apenas na região da Yakutia, a mais afetada. As
temperaturas registradas neste verão na Rússia são recorde (> 50 oC)
e a situação ainda está longe de ser controlada, com oito regiões em estado de
emergência.
Segundo um estudo
internacional publicado em maio de 2021 na revista Climate Change, a
onda de calor que alcançou a Sibéria no início do verão de 2020, com
temperaturas acima de 38 oC registradas no Norte do círculo polar, teria
sido “fisicamente impossível sob condições climáticas do início do século XX”.
Outros estudos mostraram
que, em latitudes mais altas da Europa Ocidental, os efeitos da mudança climática
são também significativos: os cientistas concluíram que sem o aquecimento global,
os gigantescos incêndios florestais (uma área consumida de cerca de 25 mil
hectares) que atingiram a Suécia no verão de 2018 teriam sido extremamente
improváveis.
Se as ocorrências de fogo
em vastas áreas florestais da América do Norte, Eurásia e Austrália permitem
detectar os sinais da amplificação dos efeitos do aquecimento global, em outras
partes do planeta a relação não é tão clara. “O aquecimento já está impactando
todas as regiões, mas sua evidência não é percebida em todos os lugares porque
em alguns casos há outros fatores influenciam”, afirma Dupuy.
Apesar dos intensos
incêndios registrados nas últimas semanas no Sul da Europa e em torno do
Mediterrâneo – Grécia, Turquia, Portugal, Argélia e França, em particular – as
tendências de maior amplitude estão em baixa, se comparadas às décadas de 1970
e 1980.
“À exceção de alguns
países como Portugal e Grécia, as políticas implementadas na Europa permitiram
reduzir, algumas vezes drasticamente, as áreas devastadas nos últimos 40 anos,
especialmente por ações de vigilância e detecção precoce dos incêndios”, explica
Dupuy.
A manutenção de florestas
é um outro aspecto importante para prevenir fogos, lembra Dupuy. A Finlândia,
por exemplo, que tem uma cobertura florestal de 75% do seu território, com medidas de conservação reduziu
em dez vezes a área queimada desde o pós-guerra, mesmo com a incidência cada
vez mais frequente de ondas de calor e secas.
Paradoxalmente, em algumas
regiões da Europa o abandono de atividades agrícolas, especialmente em zonas
montanhosas, pode ter favorecido a ocorrência de megaincêndios, já que a
recolonização dessas áreas por florestas gera um acúmulo de biomassa
potencialmente incendiária.
No entanto, as metas de prevenção do risco de incêndio não podem se acomodar ao precário esforço mundial para mitigar a mudança climática, principalmente dos países mais poluentes. Em uma recente síntese da literatura científica, publicada na revista Annals of Forest Science, os autores afirmam que sem uma redução das emissões de gases de efeito estufa, as áreas incendiadas da Europa Meridional podem crescer de 5% a 50% por década.
Na Turquia e na Argélia, por
exemplo, os meios de combate a incêndios são amplamente insuficientes. No primeiro, o fogo
destruiu uma área de florestas de 180 mil hectares este ano; uma devastação oito
vezes maior que a média anual registrada na última década. A incapacidade de
resposta do governo turco tem gerado críticas crescentes, uma vez que incêndios de
grandes proporções como os recentes impactam negativamente o turismo e boa
parte da economia do país.
O mesmo descontentamento
da população se verifica na Argélia, onde os fogos deste verão ceifaram a vida
de mais de 90 pessoas. Sem meios técnicos de combate aos incêndios, o governo
tenta importar da Rússia quatro aviões bombardeiros de água “capazes de enfrentar
incêndios florestais em condições climáticas extremas e complexas”, declarou
uma autoridade do Ministério da Defesa da Argélia.
Já no continente asiático,
o presidente da Rússia expressa preocupação com a gravidade da situação dos incêndios
e inundações (ao Sul do país); desastres naturais “absolutamente
sem precedentes”. Pelo menos retoricamente, o mandatário russo reconhece a
importância dos esforços contra a mudança climática: “Essas catástrofes
ambientais mostram mais uma vez a importância de se engajar de forma profunda e
sistemática na agenda climática”, declara Vladmir Putin.
Nenhum comentário:
Postar um comentário