sexta-feira, 28 de outubro de 2022

Mudança climática: aquecimento na França deve superar 50% do previsto para este século

Aumento de temperatura no país foi estimado por especialistas franceses, com base em uma nova metodologia de cálculo

Lago de Montbel, em Ariège (França), em agosto de 2022, com suas atividades náuticas interrompidas por conta da intensa seca. IMAGENS: Météo Pyrénées (foto maior), Tripadvisor (foto sobreposta)

Mantido o atual ritmo de emissões de carbono, a temperatura ambiental média do “Hexágono” (alusão à forma geométrica do território francês) deve superar em 3,8 oC o valor registrado no início do século XX.

Para chegar a este valor, uma equipe de pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS, na sigla em francês), da Météo France e do Centro Europeu de Pesquisa e Formação Avançada em Cálculo Científico usou um modelo inovador, validado por dados climáticos observados a longo termo.

A partir de um repertório de simulações climáticas realizadas por meio de modelos adotados pelo IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), os cientistas identificaram aqueles cujos resultados foram concordantes com as temperaturas registradas durante mais de 100 anos.

O novo método desenvolvido pelos especialistas franceses permite obter projeções mais robustas para o clima futuro e reduzir as incertezas. Outra originalidade do trabalho foi a validação do modelo à escala da França, abrindo caminho para predições em nível regional.

“O IPCC propõe cenários de aquecimento em escala planetária e de grandes regiões, como a Europa ou a bacia do Mediterrâneo, mas não em nível de regiões menores. No entanto, há um interesse científico em projeções a escalas mais reduzidas”, diz Aurélien Ribes, um dos autores do estudo, publicado no último dia 4 na revista Earth Systems Dynamics.

De fato, as grandes decisões e engajamentos políticos se fazem no âmbito nacional, daí a importância de se adotar a nova metodologia, para produzir cenários de aquecimento climático à escala da França, afirma Ribes.

Os pesquisadores utilizaram dados coletados em mais de trinta estações distribuídas por todo o território francês, as quais dispõem de registros efetuados durante longos períodos. Eles trabalharam com dados de temperatura confiáveis, que remontam a 1899.

Assim, o novo procedimento de cálculo indicou que a temperatura média atual da França é 1,7 oC maior do que aquela verificada entre 1900 e 1930; um valor muito acima daquele obtido pelo IPCC para a temperatura planetária, que é de 1,2 oC.

Mas esta constatação não surpreende os cientistas. “O aquecimento global é influenciado pela temperatura dos oceanos, que se aquecem menos rapidamente que os continentes”, explica Ribes. O aumento médio das temperaturas continentais é de 1,6 oC; portanto, a França não é uma exceção.

Sem surpresa, os modelos climáticos mostram que o ritmo do aumento da temperatura é diretamente proporcional à quantidade de gases de efeito estufa liberados na atmosfera. Embora haja praticamente um consenso entre climatologistas mundo afora sobre a influência humana na mudança climática, o impacto de aerossóis no clima da França surpreendeu os autores do estudo.

“Até a década de 1980, o efeito dos aerossóis mascarava o aquecimento global, a ponto de quase não ser detectado pelos instrumentos”, diz Julian Boé, da unidade Clima, Meio Ambiente, Acoplamentos e Incertezas.

Aerossóis são partículas em suspensão na atmosfera, oriundas de fenômenos naturais (atividades vulcânicas, por exemplo) e de poluição decorrente de atividades humanas, especialmente a queima de combustíveis fósseis. Estas partículas exercem um potente efeito resfriador da atmosfera, porque refletem os raios solares, impedindo que eles atinjam a superfície terrestre.

Essas emissões, porém, até o final de 1980 eram equilibradas pelas emissões de gases de efeito estufa, fazendo com que suas respectivas influências sobre o clima se anulassem mutuamente. Já no final do século XX, novas regulamentações e tecnologias mais limpas reduziram drasticamente a poluição atmosférica, intensificando sensivelmente a evolução do aumento de temperatura causado por emissões de carbono.

O estudo do grupo francês sobre o clima do país também considerou um cenário de emissões intermediário, entre o mais otimista e o mais pessimista projetados pelo IPCC, para avaliar o aumento de temperatura do país ao horizonte de 2100.

Os cenários extremos construídos pelo IPCC são: A) um mundo em que um esforço colossal das nações mais emissoras permita alcançar a neutralidade de carbono em 2050 e mantê-la; B) um mundo dividido por fortes desigualdades, com queima em larga escala de combustíveis fósseis.

Entre os improváveis cenários A e B, parece razoável um cenário intermediário em que as emissões de carbono nem aumentem, nem diminuam, drasticamente. Pelo menos é o que mostram as atuais tendências e os engajamentos climáticos assumidos pelos países mais emissores para as próximas décadas. Com base neste último cenário, o aumento de temperatura da França em 2100 foi avaliado em 3,8 oC, em relação ao início do século XX.

Uma elevação impactante! Particularmente no último verão deste século, quando a temperatura poderá aumentar 5 oC, comparada àquelas registradas entre 1900 e 1930, gerando picos de calor mais frequentes, secas mais intensas e prolongadas e comprometimento dos recursos hídricos.

O resultado do estudo, publicado na Earth Systems Dynamics com o título (em tradução livre) “Avaliação atualizada do aquecimento passado e futuro da França, baseado em uma restrição observacional regional”, corrobora em nível local as previsões mais alarmantes do IPCC em escala planetária.

O aumento espetacular de temperatura no terceiro maior país da Europa previsto pelo estudo deve afetar severamente seus ecossistemas e sua agricultura, impondo à França enormes desafios de mitigação e adaptação.

Os autores do trabalho pretendem adaptar o método de cálculo a escalas regionais ainda mais reduzidas, visando simular o futuro do clima das diversas regiões francesas. Esperam, ainda, que outras equipes ao redor do mundo adotem sua metodologia. “O código desenvolvido está disponível a todos, para que outros grupos de especialistas e serviços meteorológicos possam facilmente aplicá-lo ao seu país ou região”, declara Aurélien Ribes.

Fonte: Le réchauffement climatique en France s’annonce pire que prévu | CNRS Le journal

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