Aumento de
temperatura no país foi estimado por especialistas franceses, com base em uma
nova metodologia de cálculo
Lago de
Montbel, em Ariège (França), em agosto de 2022, com suas atividades náuticas
interrompidas por conta da intensa seca. IMAGENS: Météo Pyrénées (foto maior),
Tripadvisor (foto sobreposta)
Mantido o atual ritmo de
emissões de carbono, a temperatura ambiental média do “Hexágono” (alusão à forma
geométrica do território francês) deve superar em 3,8 oC o valor
registrado no início do século XX.
Para chegar a este valor, uma equipe de pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS, na sigla em francês), da Météo France e do Centro Europeu de Pesquisa e Formação Avançada em Cálculo Científico usou um modelo inovador, validado por dados climáticos observados a longo termo.
A partir de um repertório
de simulações climáticas realizadas por meio de modelos adotados pelo IPCC (Painel
Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), os cientistas identificaram aqueles cujos resultados foram concordantes com as temperaturas registradas durante
mais de 100 anos.
O novo método desenvolvido
pelos especialistas franceses permite obter projeções mais robustas para o
clima futuro e reduzir as incertezas. Outra originalidade do trabalho foi a
validação do modelo à escala da França, abrindo caminho para predições em nível
regional.
“O IPCC propõe cenários de
aquecimento em escala planetária e de grandes regiões, como a Europa ou a bacia
do Mediterrâneo, mas não em nível de regiões menores. No entanto, há um interesse
científico em projeções a escalas mais reduzidas”, diz Aurélien Ribes, um dos
autores do estudo, publicado no último dia 4 na revista Earth Systems Dynamics.
De fato, as grandes decisões
e engajamentos políticos se fazem no âmbito nacional, daí a importância de se
adotar a nova metodologia, para produzir cenários de aquecimento climático à
escala da França, afirma Ribes.
Os pesquisadores
utilizaram dados coletados em mais de trinta estações distribuídas por todo o
território francês, as quais dispõem de registros efetuados durante longos períodos.
Eles trabalharam com dados de temperatura confiáveis, que remontam a 1899.
Assim, o novo procedimento
de cálculo indicou que a temperatura média atual da França é 1,7 oC maior
do que aquela verificada entre 1900 e 1930; um valor muito acima daquele obtido
pelo IPCC para a temperatura planetária, que é de 1,2 oC.
Mas esta constatação não
surpreende os cientistas. “O aquecimento global é influenciado pela temperatura
dos oceanos, que se aquecem menos rapidamente que os continentes”, explica
Ribes. O aumento médio das temperaturas continentais é de 1,6 oC;
portanto, a França não é uma exceção.
Sem surpresa, os modelos
climáticos mostram que o ritmo do aumento da temperatura é diretamente
proporcional à quantidade de gases de efeito estufa liberados na atmosfera. Embora
haja praticamente um consenso entre climatologistas mundo afora sobre a influência
humana na mudança climática, o impacto de aerossóis no clima da França
surpreendeu os autores do estudo.
“Até a década de 1980, o
efeito dos aerossóis mascarava o aquecimento global, a ponto de quase não ser
detectado pelos instrumentos”, diz Julian Boé, da unidade Clima, Meio Ambiente,
Acoplamentos e Incertezas.
Aerossóis são partículas
em suspensão na atmosfera, oriundas de fenômenos naturais (atividades vulcânicas,
por exemplo) e de poluição decorrente de atividades humanas, especialmente a
queima de combustíveis fósseis. Estas partículas exercem um potente efeito
resfriador da atmosfera, porque refletem os raios solares, impedindo que eles
atinjam a superfície terrestre.
Essas emissões, porém, até
o final de 1980 eram equilibradas pelas emissões de gases de efeito estufa,
fazendo com que suas respectivas influências sobre o clima se anulassem
mutuamente. Já no final do século XX, novas regulamentações e tecnologias mais
limpas reduziram drasticamente a poluição atmosférica, intensificando sensivelmente
a evolução do aumento de temperatura causado por emissões de carbono.
O estudo do grupo francês
sobre o clima do país também considerou um cenário de emissões intermediário,
entre o mais otimista e o mais pessimista projetados pelo IPCC, para avaliar o
aumento de temperatura do país ao horizonte de 2100.
Os cenários extremos
construídos pelo IPCC são: A) um mundo em que um esforço colossal das nações
mais emissoras permita alcançar a neutralidade de carbono em 2050 e mantê-la; B)
um mundo dividido por fortes desigualdades, com queima em larga escala de combustíveis
fósseis.
Entre os improváveis cenários
A e B, parece razoável um cenário intermediário em que as emissões de carbono
nem aumentem, nem diminuam, drasticamente. Pelo menos é o que mostram as atuais
tendências e os engajamentos climáticos assumidos pelos países mais emissores para
as próximas décadas. Com base neste último cenário, o aumento de temperatura da
França em 2100 foi avaliado em 3,8 oC, em relação ao início do
século XX.
Uma elevação impactante!
Particularmente no último verão deste século, quando a temperatura poderá aumentar 5 oC, comparada àquelas registradas entre 1900 e 1930, gerando picos
de calor mais frequentes, secas mais intensas e prolongadas e comprometimento dos
recursos hídricos.
O resultado do estudo,
publicado na Earth Systems Dynamics com o título (em tradução livre) “Avaliação
atualizada do aquecimento passado e futuro da França, baseado em uma restrição
observacional regional”, corrobora em nível local as previsões mais alarmantes
do IPCC em escala planetária.
O aumento espetacular de
temperatura no terceiro maior país da Europa previsto pelo estudo deve afetar
severamente seus ecossistemas e sua agricultura, impondo à França enormes
desafios de mitigação e adaptação.
Os autores do trabalho pretendem
adaptar o método de cálculo a escalas regionais ainda mais reduzidas, visando
simular o futuro do clima das diversas regiões francesas. Esperam, ainda, que
outras equipes ao redor do mundo adotem sua metodologia. “O código desenvolvido
está disponível a todos, para que outros grupos de especialistas e serviços
meteorológicos possam facilmente aplicá-lo ao seu país ou região”, declara
Aurélien Ribes.
Fonte: Le réchauffement climatique en France s’annonce pire que prévu | CNRS Le journal
Nenhum comentário:
Postar um comentário