quarta-feira, 11 de maio de 2022

Guerra na Ucrânia pode acelerar transição energética na Europa?

As consequências do conflito militar em solo europeu sobre a trajetória de emissões globais de carbono são ainda incertas

FOTO: Czarek Sokotowski/AP (https://cutt.ly/3Hyjnp4)

Incertezas sobre o suprimento energético para os países do velho continente vão acelerar os investimentos em energias renováveis ou pôr em xeque acordos climáticos já firmados, permitindo a revisão de metas de redução de emissões de carbono?

Após quase três meses de guerra na Ucrânia, o custo ambiental local é inegável, mas suas consequências sobre o clima global são uma incógnita, diante do embargo imposto pela União Europeia à importação de gás e petróleo da Rússia.

Entre os países com território na Europa, a Ucrânia é menor apenas do que a Rússia e a Turquia, e maior do que a França e a Espanha. É o maior produtor de trigo do continente; 40% de sua produção de trigo e milho é exportada, principalmente para o Egito, Indonésia, Filipinas e Turquia, abastecendo centenas de milhões de pessoas.

Segundo o Programa de Identificação de Sites Tóxicos (TSIP, na sigla em inglês) -que monitora 5.000 localidades tóxicas mundo afora-, a Ucrânia dispõe de 75 sites potencialmente poluidores, muitos deles já impactados pelos bombardeios desde o início da guerra, em 24 de fevereiro.

Acrescentem-se os componentes tóxicos das munições usadas nas armas de combate, que liberam no solo e nas águas de rios, lagos e lençóis freáticos chumbo e outros metais pesados, como o mercúrio, cobre e zinco, que podem desestabilizar a biodiversidade por décadas e comprometer a produção agrícola do país. Sem falar no risco de poluição generalizada por radiatividade.

A Ucrânia tem o 8º parque nuclear do mundo, com uma potência instalada de 13.100 MW (Mega Watts), gerada por 15 reatores em 4 centrais. Em 4 de março, a termelétrica de Zaporozhye (a maior da Europa, com 5.700 MW) foi alvo de combates, mas os reatores não foram atingidos. Se danificados, teríamos uma catástrofe que nos faria lembrar Chernobil.

Sendo a economia russa fortemente calcada na exportação de petróleo e gás e a União Europeia seu principal mercado, as primeiras sanções econômicas contra o país invasor visaram o embargo das importações dessas commodities, com o apoio decisivo dos Estados Unidos, principal patrocinador do sistema de defesa militar da Europa (OTAN).

Às vésperas da eclosão do conflito ucraniano, a Alemanha cancelou a certificação do projeto Nord Stream 2, um gasoduto de 1.234 km, que vai da cidade russa de Vyborg à alemã Greifswald, tendo a maior parte de sua extensão sob o Mar Báltico. O Nord Stream 2 permitiria dobrar a capacidade de suprimento de gás natural aos países europeus.

De acordo com um relatório publicado em 27 de abril pelo Centro de Pesquisa em Energia e Ar Limpo (CREA, na sigla em inglês), um organismo internacional independente, desde o início da guerra, a União Europeia reduziu suas importações de petróleo e carvão da Rússia em 20% e 40% respectivamente, mas aumentou em 10% a de gás.

A Comissão Europeia e os Estados Unidos propuseram uma alternativa ao gás russo, baseada na importação do país norte americano. Só que, para atender à crescente demanda dos países europeus -em um contexto de retomada econômica pós-pandemia-, o gás proveniente dos EUA representaria menos de 10% do volume fornecido habitualmente pela Rússia a um preço muitas vezes menor.

Além disso, a importação de gás natural liquefeito de um outro continente requer a construção de uma infraestrutura de transporte e distribuição altamente custosa e que vai demorar anos para se tornar operacional. Um projeto contestado por muitos ambientalistas, que clamam por maiores investimentos em energias renováveis.

Recentemente, no bojo de um novo pacote de sansões, Bruxelas aprovou o embargo total à importação de petróleo russo em até seis meses, um prazo aparentemente limitado para que a demanda europeia de combustíveis seja suprida por outros produtores ou para um redesenho de matrizes energéticas com participação consideravelmente maior de fontes renováveis.

Na melhor hipótese, estima-se que a alternativa de importação de outros países da OPEP teria um custo bem maior, impactando o processo inflacionário em curso, que tem corroído o poder aquisitivo da população em muitos países europeus. Para alguns analistas, isto poderia levar a um cenário de crise global semelhante ao de 1973, quando os preços do petróleo explodiram.

Há cerca de dois meses, o secretário-geral das Nações Unidas, Antonio Guterres, alertava sobre o risco de um retardamento ainda maior da transição energética na Europa, devido ao conflito militar na Ucrânia. “Impactados pelo déficit imediato em seus suprimentos energéticos, os países podem rever ou negligenciar as políticas que visam reduzir o consumo de combustíveis fósseis”, declara Guterres.

Com forte dependência do gás russo, a Alemanha sinaliza que “poderá” suspender o fechamento, anteriormente previsto, de algumas termelétricas a carvão, assim como a Bulgária. A Bélgica decidiu adiar o abandono da energia nuclear. Por sua vez, a Itália, outro país muito dependente do gás da Rússia, vai acelerar seus projetos de energia eólica offshore no Mediterrâneo. A Alemanha também deve aumentar a produção de energias renováveis.

Se por um lado a guerra na Ucrânia pode favorecer ações para o desenvolvimento de fontes renováveis de energia na Europa, por outro lado, ela pode prejudicar os acordos climáticos já firmados e futuros compromissos internacionais dos países mais emissores de carbono.

Os dois maiores poluidores do planeta, China e Estados Unidos, respondem juntos por cerca de 40% das emissões totais de gases de efeito estufa (GES). Desde o Acordo de Paris (2015), esses países estabeleceram negociações bilaterais para a redução de suas emissões poluentes.

No entanto, em tempos de guerra, e não de uma “guerra qualquer”, mas de um conflito militar que pode levar a uma mudança significativa da geopolítica global, torna-se mais difícil o entendimento entre as duas maiores economias do mundo.

“As relações entre os Estados Unidos e a China podem ser abaladas pelo posicionamento do país asiático sobre a Rússia [por sua intervenção bélica na Ucrânia]; o contexto atual é menos propício à cooperação internacional”, explica Erick Lachapelle, professor de Ciência Política da Universidade de Montreal.

Sejam quais forem os desdobramentos geopolíticos da guerra na Ucrânia, a ciência climática é inequívoca e seus sucessivos alertas são enfáticos, conforme constam nos dois relatórios do IPCC publicados em 2022.

Se cumpridos os acordos firmados na Conferência das Partes (COP 26), ocorrida em Glasgow em novembro de 2021, as emissões globais de carbono aumentariam 14% até 2030, quando precisaroiam diminuir 45% para limitar a elevação de temperatura a 1,5 oC até o final do século.

É cedo para saber quais alternativas serão realmente adotadas pelos países europeus que ainda dependem do suprimento russo de petróleo (48%) e gás (70%). Um estudo publicado no mês passado pela Universidade de Manchester (Reino Unido) conclui que, se os países desenvolvidos encerrassem totalmente a produção de petróleo e gás natural até 2034, o planeta teria 50% de chance de limitar o aquecimento global a 1,5 oC até 2100.

Os economistas da Purdue University (EUA), Maskym Chepeliev, Thomas Hertel e Dominique van der Mensbrugghe, publicaram em 9 de março o estudo Cutting Russia’s fossil fuel exports: Short-term pain for long-term gain (“Cortar a exportação de combustíveis fósseis da Rússia: um sacrifício a curto prazo para um ganho a longo prazo”, em tradução livre).

Os autores defendem a ideia de que o embargo ao petróleo e ao gás russos teriam um custo “modesto” para a União Europeia, com consequências benéficas para o clima, já que “traria importantes vantagens ambientais conexas, graças à redução das emissões de CO2 e de poluentes atmosféricos”.

Ainda não é possível afirmar que os efeitos da guerra na Ucrânia sobre os preços dos combustíveis fósseis vão acelerar a transição energética na Europa. Enquanto isso, a Agência Internacional de Energia anuncia que no setor mundial de energia as emissões de GES cresceram 6% em 2021, em relação ao ano anterior.

Fontes: https://www.wedemain.fr/dechiffrer/guerre-en-ukraine-lenvironnement-victime-collaterale-du-conflit/?fbclid=IwAR1ZS-Pg66j6_TsmufaoioSIuEj54EyPzGq8KVMoBbH128MOHpUDIPW3MM8

https://www.connaissancedesenergies.org/questions-et-reponses-energies/combien-y-t-il-de-reacteurs-nucleaires-en-ukraine#:~:text=Rovno%20(4%20r%C3%A9acteurs)%2C%20dans,cumul%C3%A9e%20de%201%20900%20MW

https://www.ledevoir.com/environnement/691518/la-guerre-en-ukraine-ennemie-du-climat

http://www.slate.fr/story/225948/transition-energetique-guerre-ukraine-climat-rapport-giec-gaz-russe-gnl-americain?fbclid=IwAR2N3kl82AIzB5jFu9GodiEa5VyAPsTtc-_5whtH692sIU_LNiut3QJIgiU

https://www.theguardian.com/environment/2022/mar/22/rich-countries-must-stop-producing-oil-and-gas-by-2034-says-study

https://www.lapresse.ca/international/europe/2022-03-14/guerre-en-ukraine/quelles-consequences-sur-l-action-climatique.php?fbclid=IwAR2srnnCmVGbyylhWk8NY8NXuxN_waiTH2795nXayJ81JpqxVzksbtqtnqE

https://voxeu.org/article/cutting-russia-s-fossil-fuel-exports-short-term-pain-long-term-gain#:~:text=of%20the%20War-,Cutting%20Russia's%20fossil%20fuel%20exports%3A%20Short%2Dterm,pain%20for%20long%2Dterm%20gain&text=In%20response%20to%20the%20invasion,exchange%20%E2%80%93%20exports%20of%20fossil%20fuels

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