sexta-feira, 19 de março de 2010

Cinema & Literatura

João Batista de Brito é doutor em letras e foi professor de literatura inglesa na Universidade Federal da Paraíba durante 25 anos. Crítico de cinema, é autor de vários livros, entre eles, “Hollywood em outras línguas: a tradução de títulos de filmes e seus problemas” (João Pessoa: Editora UFPB, 2009), “Literatura no cinema” (São Paulo: Unimarco, 2006) e “Um beijo é só um beijo – minicontos para cinéfilos” (João Pessoa: Manufatura, 2001); em todos eles o autor aborda a relação simbiótica entre cinema e literatura.

Em seu último livro, "Hollywood em outras línguas...", João Batista de Brito analisa as traduções de 20 títulos de filmes norteamericanos no Brasil e em outros quatro países: Espanha, França, Itália e Alemanha. Por exemplo, um dos estudos de caso é o clássico de Hitchcock “Vertigo” (em português, Vertigem), intitulado no Brasil como “Um corpo que cai”, na Espanha “No meio de mortos”, na França “Suores frios”, na Itália “A mulher que viveu duas vezes” e na Alemanha “No reino dos mortos”.

Para João Batista, as reintitulações – que refletem obviamente intenções mercadológicas – guardam relações estreitas com o perfil antropológico de cada país. O autor mostra que títulos com tradução livre, que chegam a ser estapafúrdios, não são exclusividade do Brasil. Há casos, inclusive, de países homófonos - como Argentina e México - com reintitulações distintas de um mesmo filme hollywoodiano.

Confira abaixo a entrevista de João Batista de Brito ao jornal discente da UFPB Extremo Oriental*, em 2007.

E.O. – Enquanto o cinema acaba de completar um século de vida, são 25 séculos de literatura, desde as tragédias gregas de Ésquilo, Sófocles e Eurípedes. É possível fazer uma avaliação geral sobre as adaptações de obras literárias à sétima arte? A literatura – clássica ou moderna – revigorou-se com o advento do cinema, ou apenas serviu para consagrar essa nova arte?

J.B.B. – Esta é uma questão genérica demais para se dar uma opinião definitiva. Acho que, com a prática da adaptação ao longo do século XX, houve uma troca entre as duas linguagens, com lucros eventuais para ambas: pelo menos no terreno da recepção, a literatura ficou mais popular, e o cinema, mais maduro. Do ponto de vista semiótico, o interessante é observar um ligeiro paradoxo: é que a prática generalizada da adaptação no mundo todo, ao mesmo tempo, aproximou e afastou estas duas modalidades de arte, na medida em que enfatizou o que tinham em comum – a narratividade, por exemplo – e o que tinham de diferente: na literatura, a disposição à análise, e no cinema, a disposição à síntese.

E.O. – Como você avalia as adaptações da obra de Shakespeare para o cinema?

J.B.B. – Considerada diacronicamente, ou seja, enquanto fato histórico, a adaptação de Shakespeare ao cinema passou (como, aliás, a de outros autores) por um processo que vai da fidelidade cega à liberdade transcriadora. Fazendo o retrospecto, é possível notar que as adaptações mais antigas tenderam a ser mais servis ao texto original, ao passo que as mais modernas (dos anos sessenta ao presente) tendem a ser mais ousadas. Exemplos de ousadia transcriadora, lembrados ao acaso, podem ser: o musical de Robert Wise “Amor sublime amor” que muda o cenário, o tempo e os antagonistas da peça “Romeu e Julieta”; o experimento de Peter Greenaway “A última tempestade”, que conta a estória de “The tempest” como se fosse poesia plástica; e o filme de Al Pacino “Ricardo III”, que, ao invés de adaptar a peça original, metalinguisticamente, formula a pergunta sobre a possibilidade de empreender a adaptação, convidando o espectador a contribuir na resposta à pergunta formulada.

E.O. – Em sua opinião, quais os diretores mais bem sucedidos com a adaptação de textos de Shakespeare?

J.B.B. – Não preciso citar nomes, mas, acho que é um consenso que os mais bem sucedidos adaptadores de Shakespeare têm sido os que relegaram a forma (teatro) e se concentraram no espírito da obra. Quem faz o milagre de casar as duas coisas é o Kenneth Brannah de “Hamlet”, ao mesmo tempo teatral e cinematográfico, fiel e ousado, um caso à parte, a ser estudado pelos especialistas. Um detalhe a lembrar, a esse propósito, é que o próprio Shakespeare nunca foi original, no sentido em que todas as suas peças eram recriações de textos ou histórias já existentes, que ele, espertamente, modificava em razão de seus objetivos imediatos. De modo que, os cineastas livre-adaptadores que vão em busca do espírito e agridem a forma estão apenas sendo “shakespearianos”.

E.O. – O livro de contos que você escreveu (“Um beijo é só um beijo”), dirigido especialmente ao público cinéfilo, é uma coletânea de textos baseados em grandes clássicos do cinema. Em sua opinião, quais os três melhores filmes de todos os tempos?

J.B.B. – Não é sensato citar os três melhores filmes de todos os tempos sem um preâmbulo explicativo sobre os critérios da escolha. Estes filmes podem ser escolhidos, impessoalmente, pela relevância histórica, semiótica, estética, etc, ou, pessoalmente, pelo gosto de quem escolhe. No primeiro caso, com certeza, os filmes seriam obras primas consagradas pela crítica internacional, como “Cidadão Kane”, “A regra do jogo” e “O encouraçado Potemkin”. Já no segundo caso, a coisa é toda diferente; se tivesse de escolher a partir de critérios estritamente pessoais, eu teria que mudar a expressão “os três melhores” para “os três que mais amo” e aí, eles seriam “A felicidade não se compra” (“It’s a wonderful life”, Frank Capra, 1946), “Desencanto” (“Brief encounter”, David Lean, 1945) e “O homem que matou o facínora” (“The man who shot Liberty Valence”, John Ford, 1962).

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Edição de 23 de agosto de 2007. Expediente: Angelina Oliveira, Antonio Pralon, Genivalda Oliveira, Luziânia Porto e Vanessa Brás.

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