Endossando
as manifestações antirracismo que eclodiram nos Estados Unidos e no mundo,
cientistas americanos afrodescendentes devem fazer greve hoje, 10 de junho.
Os
organizadores do movimento lançaram a hashtag #BlackintheIvory para denunciar ao mundo o
preconceito que sofrem nos meios universitários dos EUA, em razão de sua
identidade.
Enquanto
nos Estados Unidos e em diversas partes do mundo os protestos contra o racismo
e a violência policial ganharam as ruas na semana passada, cientistas negros
manifestaram-se abertamente nas redes sociais, reivindicando ações efetivas por justiça racial, na sociedade e na ciência.
Alguns
apontam caminhos para que, de forma institucional e individual, cientistas
negros possam ser apoiados, pressionando universidades e sociedades científicas
a emitir declarações contra o racismo. Muitos usaram o twitter para dizer que
os recentes eventos tornam ainda mais difícil seu trabalho, numa profissão que
já discrimina mulheres e pessoas de outras etnias.
É
neste contexto que surge a ideia entre cientistas negros de promover uma greve
como forma de protesto antirracismo e ao mesmo tempo de apoio ao movimento
maior que abarca cada vez mais diferentes extratos da sociedade
americana.
O
objetivo da greve “é criar uma pausa no ambiente de trabalho dos pesquisadores
negros, para dar oportunidade a uma reflexão sobre até que ponto nós mesmos somos
cúmplices do racismo no meio universitário local e global”, diz o comunicado de
um dos grupos que organiza o evento.
Para
a bióloga Cassandra Extavour, da Universidade de Harvard, em Cambridge,
Massachussetts, os relatos de violência policial e assassinatos, ao lado de um
racismo sistêmico no seu campo de atividade, põem à prova sua própria permanência na
ciência.
“Toda
vez que um de nós é rejeitado, espancado, demitido, ridicularizado ou
assassinado, eu me questiono por que ainda estou no meio acadêmico”, escreve Extavour, em uma série de tweets.
Ela
responde com outra pergunta: “se hoje será o dia em que mais um cientista negro
abandona seu campo, empurrado pelo ambiente tóxico que somos obrigados a
enfrentar todos os dias para sermos ‘produtivos’ e ‘pensarmos apenas na ciência’. Eu digo, hoje não!”
Eric
Wade, cientista social da Universidade Estadual do Oregon, em Corvallis,
escreveu: “Alunos, professores e funcionários do BIPOC [negros, indígenas e
mestiços] fazem malabarismo, e muitos de nós lutamos para nos fazer pertencer a
este espaço; o clima social atual torna isto ainda mais difícil.”
Semana
passada, dezenas de universidades e sociedades científicas se posicionaram ao
lado de diversas organizações sociais para criticar a repressão aos distúrbios civis que
tomaram conta do país. Algumas dessas entidades sofreram duras críticas por
errar o alvo de seus manifestos. Por exemplo, a American Chemical Society,
com sede em Washington, em sua nota divulgada em 1º de junho, omitiu palavras
como “negro”, “violência policial” e “racismo”.
Ao
agir assim, sua crítica à forma como a qual as próprias manifestações
antirracistas foram reprimidas perdem força, já que ignoram o sentimento de
luto de seus próprios membros afrodescendentes.
Vários
cientistas desafiaram suas instituições a reforçar suas declarações com ações
afirmativas em relação aos negros de seus quadros técnicos, incluindo o
compartilhamento de informações sobre diversidade e garantias de contratação de
pessoas de diferentes origens étnicas e outras formas de combate ao racismo
estrutural.
“Embora seja positivo que universidades tenham se manifestado publicamente contra o
racismo, é importante que essas declarações incluam ações e projetos de apoio a
alunos, docentes e funcionários negros, fomentando programas de estudos afro-americanos
e educação antirracismo”, defende Jioni Lewis, psicóloga e pesquisadora de
saúde mental e discriminação da Universidade de Tennessee, em Knoxville.
Jasmine
Abrams, cientista comportamental da Universidade de Boston e da Escola de Saúde
Pública de Yale, diz que as universidades deveriam investigar como seus professores,
alunos e funcionários vivenciam o racismo, e elaborar planos de ação ouvindo as
pessoas que sofrem discriminação. “As
instituições precisam investir tempo, dinheiro e energia necessários para
desmantelar e penalizar de maneira efetiva as estruturas e práticas racistas”, explica
Abrams.
Lesley
Weaver, uma bióloga celular às vésperas de assumir um cargo na Universidade de
Indiana, em Bloomington, sugere que as revistas e sociedades científicas incluam
em seus grupos de editores e revisores pessoas de grupos étnicos minoritários;
que ofereçam regularmente aos corpos discente, técnico e docente treinamento em
diversidade e inclusão.
“Se
a academia quiser apoiar os cientistas negros, devem prepará-los e não os usar
apenas para alcançar uma cota numérica.”, diz Weaver. “Não é preciso mais nenhuma
morte estúpida nem insurreições para que o mundo científico entenda que vidas
negras importam”, conclui.
Na
mais antiga e importante universidade brasileira, a USP, apenas 2,2% dos seus
1.328 docentes (dados de 2018) se declaram negros. Muito provavelmente o
percentual médio nacional de pesquisadores negros seja próximo deste valor.
Uma estatística que revela a herança escravocrata que explica nossa formação
social, como diria o sociólogo Jessé Souza.
Cabe
destacar que entre os quatro cientistas negros de maior importância
no Brasil, segundo a revista Galileu, três são mulheres: a socióloga gaúcha Luiza
Barros (1953-2016), a física e professora do ITA Sônia Guimarães e a bióloga
Simone Maia Evaristo. O de maior destaque é o geógrafo baiano Milton Santos
(1926-2001).
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