quarta-feira, 10 de junho de 2020

Racismo e violência policial nos EUA: cientistas negros planejam greve como forma de protesto

Movimento visa contribuir ao debate aberto na sociedade americana, a partir do assassinato de George Floyd


Endossando as manifestações antirracismo que eclodiram nos Estados Unidos e no mundo, cientistas americanos afrodescendentes devem fazer greve hoje, 10 de junho.

Os organizadores do movimento lançaram a hashtag #BlackintheIvory para denunciar ao mundo o preconceito que sofrem nos meios universitários dos EUA, em razão de sua identidade.

Enquanto nos Estados Unidos e em diversas partes do mundo os protestos contra o racismo e a violência policial ganharam as ruas na semana passada, cientistas negros manifestaram-se abertamente nas redes sociais, reivindicando ações efetivas por justiça racial, na sociedade e na ciência.

Alguns apontam caminhos para que, de forma institucional e individual, cientistas negros possam ser apoiados, pressionando universidades e sociedades científicas a emitir declarações contra o racismo. Muitos usaram o twitter para dizer que os recentes eventos tornam ainda mais difícil seu trabalho, numa profissão que já discrimina mulheres e pessoas de outras etnias.

É neste contexto que surge a ideia entre cientistas negros de promover uma greve como forma de protesto antirracismo e ao mesmo tempo de apoio ao movimento maior que abarca cada vez mais diferentes extratos da sociedade americana.

O objetivo da greve “é criar uma pausa no ambiente de trabalho dos pesquisadores negros, para dar oportunidade a uma reflexão sobre até que ponto nós mesmos somos cúmplices do racismo no meio universitário local e global”, diz o comunicado de um dos grupos que organiza o evento.

Para a bióloga Cassandra Extavour, da Universidade de Harvard, em Cambridge, Massachussetts, os relatos de violência policial e assassinatos, ao lado de um racismo sistêmico no seu campo de atividade, põem à prova sua própria permanência na ciência.

“Toda vez que um de nós é rejeitado, espancado, demitido, ridicularizado ou assassinado, eu me questiono por que ainda estou no meio acadêmico”, escreve Extavour, em uma série de tweets.

Ela responde com outra pergunta: “se hoje será o dia em que mais um cientista negro abandona seu campo, empurrado pelo ambiente tóxico que somos obrigados a enfrentar todos os dias para sermos ‘produtivos’ e ‘pensarmos apenas na ciência’. Eu digo, hoje não!”

Eric Wade, cientista social da Universidade Estadual do Oregon, em Corvallis, escreveu: “Alunos, professores e funcionários do BIPOC [negros, indígenas e mestiços] fazem malabarismo, e muitos de nós lutamos para nos fazer pertencer a este espaço; o clima social atual torna isto ainda mais difícil.”

Semana passada, dezenas de universidades e sociedades científicas se posicionaram ao lado de diversas organizações sociais para criticar a repressão aos distúrbios civis que tomaram conta do país. Algumas dessas entidades sofreram duras críticas por errar o alvo de seus manifestos. Por exemplo, a American Chemical Society, com sede em Washington, em sua nota divulgada em 1º de junho, omitiu palavras como “negro”, “violência policial” e “racismo”.

Ao agir assim, sua crítica à forma como a qual as próprias manifestações antirracistas foram reprimidas perdem força, já que ignoram o sentimento de luto de seus próprios membros afrodescendentes.

Vários cientistas desafiaram suas instituições a reforçar suas declarações com ações afirmativas em relação aos negros de seus quadros técnicos, incluindo o compartilhamento de informações sobre diversidade e garantias de contratação de pessoas de diferentes origens étnicas e outras formas de combate ao racismo estrutural.

“Embora seja positivo que universidades tenham se manifestado publicamente contra o racismo, é importante que essas declarações incluam ações e projetos de apoio a alunos, docentes e funcionários negros, fomentando programas de estudos afro-americanos e educação antirracismo”, defende Jioni Lewis, psicóloga e pesquisadora de saúde mental e discriminação da Universidade de Tennessee, em Knoxville.

Jasmine Abrams, cientista comportamental da Universidade de Boston e da Escola de Saúde Pública de Yale, diz que as universidades deveriam investigar como seus professores, alunos e funcionários vivenciam o racismo, e elaborar planos de ação ouvindo as pessoas que sofrem discriminação. “As instituições precisam investir tempo, dinheiro e energia necessários para desmantelar e penalizar de maneira efetiva as estruturas e práticas racistas”, explica Abrams.

Lesley Weaver, uma bióloga celular às vésperas de assumir um cargo na Universidade de Indiana, em Bloomington, sugere que as revistas e sociedades científicas incluam em seus grupos de editores e revisores pessoas de grupos étnicos minoritários; que ofereçam regularmente aos corpos discente, técnico e docente treinamento em diversidade e inclusão.

“Se a academia quiser apoiar os cientistas negros, devem prepará-los e não os usar apenas para alcançar uma cota numérica.”, diz Weaver. “Não é preciso mais nenhuma morte estúpida nem insurreições para que o mundo científico entenda que vidas negras importam”, conclui.

Na mais antiga e importante universidade brasileira, a USP, apenas 2,2% dos seus 1.328 docentes (dados de 2018) se declaram negros. Muito provavelmente o percentual médio nacional de pesquisadores negros seja próximo deste valor. Uma estatística que revela a herança escravocrata que explica nossa formação social, como diria o sociólogo Jessé Souza.

Cabe destacar que entre os quatro cientistas negros de maior importância no Brasil, segundo a revista Galileu, três são mulheres: a socióloga gaúcha Luiza Barros (1953-2016), a física e professora do ITA Sônia Guimarães e a bióloga Simone Maia Evaristo. O de maior destaque é o geógrafo baiano Milton Santos (1926-2001).

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