quarta-feira, 3 de junho de 2020

Desmatamento no Brasil em 2019 representa mais de 1/3 da perda de florestas tropicais do mundo, diz estudo

Área verde de biomas primários suprimida do planeta é quase do tamanho da Suíça e 3% maior que em 2018


A perda total de florestas tropicais mundo afora em 2019 foi de quase 38 mil km2 (194 x 194 km). Foi a terceira maior área de mata destruída desde 2002, superada apenas pela devastação por incêndios em 2016 e 2017, especialmente no Brasil.

Os dados foram publicados pelo Instituto de Recursos Mundiais (World Resources Institute - WRI), através do programa Vigilância Global de Florestas (Global Forest Watch - GFW).

“O nível de perda de floresta que constatamos em 2019 é inaceitável. Estamos no caminho errado”, declarou Frances Seymour, pesquisadora do WRI e participante do programa GFW.

A gestora do programa, Mikaela Weisse, já deplorava em 2019, quando da divulgação do desmatamento de 2018, que os compromissos de governos e empresas para reduzir à metade a perda de florestas tropicais até o final de 2020 dificilmente se concretizaria.

“A taxa de devastação de florestas úmidas primárias no ano passado equivale à um campo de futebol a cada 6 segundos”, escreve Weisse em artigo publicado ontem, destacando a importância de tais biomas para a biodiversidade e a estocagem de carbono.

Os pesquisadores do GFW estimam que a perda de floresta tropical primária em 2019 significa a liberação na atmosfera de 2 bilhões de toneladas de CO2, o equivalente às emissões totais de todos os veículos de rodagem em um ano típico nos Estados Unidos.

Para Seymour, as perspectivas de um refluxo do desmatamento em 2020 não são nada otimistas, à medida em que perdure a pandemia de Covid-19. As restrições de mobilidade e os limites orçamentários dos países para enfrentar a crise econômica pós-pandemia devem dificultar as políticas para frear a devastação, declara a pesquisadora.

Globalmente, nas zonas intertropicais (incluindo as florestas não primárias), a perda de cobertura das árvores foi de 120 mil km2 no ano passado. Desde 2000, o planeta já perdeu cerca de 10% de sua cobertura de árvores tropicais.

Perdas de floresta primária: total no mundo e no Brasil (em km2). Adaptado de

Em 2002, apenas dois países -Brasil e Indonésia- respondiam por 71% da perda total de florestas tropicais primárias. Já em 2018, nota-se uma mudança clara na distribuição do desmatamento global: Brasil e Indonésia representam juntos 46% do total, enquanto países como Colômbia, Costa do Marfim, Gana e Congo tiveram suas taxas de perda fortemente aumentadas.

O mundo perdeu no ano passado 37.636 km2 de florestas tropicais primárias, dos quais 13.610 km2 no Brasil, ou 36% do total. O top ten dos países que mais perderam florestas tropicais primárias é o seguinte: Brasil, Congo, Indonésia, Colômbia, Bolívia, Malásia, Peru, Madagascar, Papua Nova Guiné e Camarões.

O programa Global Forest Watch utiliza dados de pesquisadores da Universidade de Maryland (EUA), que processam imagens de satélite sobre a perda de cobertura vegetal das florestas tropicais no mundo todo. Esses dados mostram que grande parte da perda de cobertura de árvores é de áreas reflorestadas ou de florestas não primárias.

Outras análises apresentam números diferentes. Duas agências da ONU divulgaram no mês passado um relatório no qual afirmam que o desmatamento global foi em média de cerca de 100 mil km2 por ano, desde 2015. Elas trabalharam com dados oficiais, enviados por cada país.

As florestas antigas, ditas primárias, além de serem de suma importância para capturar o dióxido de carbono atmosférico e manter a biodiversidade, uma vez destruídas, podem levar décadas para se regenerar, dizem os cientistas.

Essa destruição é feita com diversas finalidades: retirada de mata para dar lugar a atividades agropecuárias, mineração, abertura de estradas e outras infraestruturas. Boa parte da limpeza é feita mediante queimadas, que invariavelmente se espalham fora de controle, principalmente em florestas brasileiras.

Em 2019, o Brasil registrou um alto número de queimadas, particularmente no mês de agosto. Embora fosse um período de seca, incêndios espontâneos são raros; portanto, são ações criminosas de grileiros, executadas sob a complacência de autoridades federais.

De fato, desde que o atual presidente assumiu suas funções no início de 2019, uma política de estado vem sendo implantada para fomentar atividades de mineração e agronegócio, em detrimento da preservação ambiental e da proteção de terras indígenas, especialmente na Amazônia. O desrespeito às leis ambientais vigentes é, na prática, garantido pelo Ministério do Meio Ambiente.

Em relação a 2018, a perda total de florestas primárias no Brasil em 2019 foi ligeiramente superior, de quase 14 mil km2. Muitas das queimadas ocorreram em terras que já haviam sido desmatadas em anos anteriores e visaram o preparo do terreno para agricultura e pecuária. Somente 20% dos fogos destruíram matas antigas, informa Mikaela Weisse.

Em contrapartida, como mostram dados de programas de monitoramento, houve um aumento da derrubada de mata para preparo de áreas destinadas à agricultura. “Embora a tendência geral da perda de florestas primárias tenha sido apenas de um pequeno aumento [anual], acreditamos que o desmatamento esteja piorando”, diz Weisse.

Na vizinha Bolívia, as queimadas foram a principal causa do aumento significativo do desmatamento em 2019, que somou 3 mil km2, quase o dobro do registrado em 2018.

O país andino ocupa atualmente o quarto lugar no ranking global do desmatamento, atrás do Brasil, Congo e Indonésia; este último apresentando uma queda pelo terceiro ano consecutivo: 5% a menos de áreas de florestas primárias, em relação a 2018. O país do sudeste asiático registrou em 2019 uma alta quantidade de queimadas, mas tal como o Brasil, a maior parte delas ocorreu em terras anteriormente degradas.

Na Colômbia também houve um declínio do desmatamento; a área de cobertura destruída foi a mesma que a verificada em 2016. Um acordo de paz entre o governo e o grupo guerrilheiro FARC gerou a desocupação de zonas, o que possibilitou a proliferação da exploração ilegal de madeira, causando elevadas perdas de floresta primária em 2017 e 2018.

Na África Central, a República Democrática do Congo registrou “perdas sustentáveis”, segundo Elizabeth Goldman, diretora de pesquisa do programa GFW. Embora o desmatamento esteja ligado à agricultura de subsistência, há sinais de que o agronegócio e a mineração em grande escala avançam sobre áreas de floresta. Mesmo que a área de cobertura perdida em 2019 tenha aumentado pouco em relação a 2018, ela dobrou em relação a 2012.

Já na África Ocidental, Gana e Costa do Marfim apresentaram uma queda considerável do desmatamento; o primeiro registrou o nível mais baixo desde 2014, e o segundo regrediu para uma taxa anual comparável à de 2005. A devastação nesses dois países foi amplamente motivada pelo aumento da produção de cacau, fomentada pela demanda no mercado mundial.

Um acordo firmado entre os governos e produtores do setor é animador para frear o desmatamento, “embora seja um pouco cedo para afirmar porque [a leve redução obtida] foi verificada apenas em um ano”, avalia Weisse.

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