quinta-feira, 3 de setembro de 2020

Clima: aquecimento global intensifica liberação de metano do fundo do mar no Hemisfério Sul, diz estudo

Cientistas constatam relação entre emissões de CH4 por dissociação de compostos em leitos oceânicos congelados e o aumento da temperatura atmosférica

Estrutura de um pedaço de hidrato de gás. IMAGEM: Wusel007 https://www.offshore-technology.com/features/featuremethane-hydrates-new-gas-boom/

Um trabalho pioneiro, coordenado pelo geólogo brasileiro Marcelo Ketzer, correlaciona o vazamento de grandes quantidades de metano -de áreas geladas em leitos oceânicos austrais- com o aquecimento climático.

Os resultados do estudo estão no artigo Gas hydrate dissociation linked to contemporary ocean warming in the southern hemisphere, publicado recentemente na Nature Communications, em parceria com pesquisadores brasileiros, franceses e suecos.

O hidrato de gás é um composto em estado sólido de gases e água, fisicamente semelhante ao gelo. Entre os gases estão o O2, H2, N2, CO2 e CH4; esses dois últimos, gases de efeito estufa que contribuem para o aquecimento global. Estima-se que cerca de 6,4 trilhões de toneladas de metano estão aprisionadas em depósitos de hidratos de gás nas profundezas dos oceanos.

A formação do hidrato gasoso ocorre sob condições de alta pressão e baixa temperatura, daí estar armazenado a centenas de metros de profundidade em áreas geladas do planeta. O metano congelado nesses depósitos constitui a maior reserva de carbono orgânico da Terra.

Com um potencial de efeito estufa 25 vezes maior que o do gás carbônico, o metano é um gás altamente deletério para a atmosfera. Daí a má notícia para o clima: o aumento de temperatura da atmosfera tem causado vazamentos maciços de metano, por dissociação do hidrato de gás.

“Estima-se que há mais carbono na forma de metano nos hidratos do que em todos os combustíveis fósseis combinados; o vazamento de CH4 pode levar a um ciclo de retroalimentação, no qual o aquecimento do oceano impulsiona o derretimento dos hidratos, liberando metano do solo oceânico para a superfície [e daí para a atmosfera]. Quanto mais quente, mais metano vaza”, explica Marcelo Ketzer, professor de Ciências Ambientais e Sustentabilidade da Linnaeus University, em Kalmar (Suécia).

Analisando amostras de sedimento obtidas com auxílio de submarinos operados remotamente, os pesquisadores da universidade sueca e seus colegas franceses e brasileiros (da UFRGS, PUC-RS, PUC-RJ e Petrobras), constataram o fenômeno -do descongelamento de hidratos e vazamento de metano- em áreas do Atlântico Sul próximas da costa do Brasil.

“Essas descobertas contribuem com novas evidências que reforçam a ideia de um fenômeno global”, afirma Ketzer. Outra constatação da pesquisa é que o metano, enquanto vai se dissolvendo na água do mar, é consumido parcialmente por micro-organismos, o que resulta na formação de dióxido de carbono. Em grandes quantidades, este processo pode alterar a química dos oceanos.

“A dissociação do hidrato e o vazamento de metano é um processo de longo prazo que pode durar séculos e amplificar significativamente os efeitos da mudança climática e produzir acidificação das águas”, diz Ketzer. Os dados da pesquisa foram coletados em três expedições offshore no Atlântico Sul, em 2011, 2013 e 2014, e posteriormente processados na Linnaeus University.

Os dados continuam sendo trabalhados, com o objetivo de quantificar o metano existente na região estudada e estimar quanto pode ser liberado nas águas pela dissociação do hidrato de gás futuramente. O mesmo grupo de pesquisa participou de uma expedição recente para avaliar o metano no Mar Báltico, onde “não há hidrato de gás porque sua profundidade é pequena, mas acúmulo significativo de metano nos sedimentos”, conclui Marcelo Ketzer.

A pesquisa coordenada pelo pesquisador brasileiro nos faz pensar em outro bioma nacional do qual muito tem se falado -pelo completo descaso do atual governo em relação à sua preservação- e que pode ser uma fonte de metano importante: a floresta Amazônica.

Não há dados que permitam avaliar em escala global o impacto de emissões de metano por decomposição microbiana de matéria orgânica oriunda de extensas superfícies de mata destruída.

Por um lado, áreas devastadas da maior floresta tropical do mundo dando lugar à expansão de fronteiras agrícolas, reduzindo o estoque de carbono no solo. Por outro lado, a troca de floresta primária por área de pastagem, introduzindo novas emissões de metano decorrentes de atividade metabólica do gado. Qual o impacto dessas emissões sobre o clima global? Com a palavra a ciência.

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