quinta-feira, 27 de agosto de 2020

Degelo do ‘permafrost’ pode se tornar irreversível e desastroso para o clima?

Emissões de gases de efeito estufa de áreas descongeladas do Ártico poderiam agravar aquecimento global

Permafrost com grande volume de gelo em colapso. FOTO: A. Balser. Extraído do artigo The irreversible emissions of a permafrost ‘tipping point’, publicado no site carbonbrief.org

O permafrost (pergelissolo em português) é um tipo de solo predominante no Círculo Polar Ártico, que constitui um gigantesco reservatório de carbono e ocupa um quarto da superfície terrestre do Hemisfério Norte.

À medida em que a temperatura do planeta aumenta, cresce o risco de terras do permafrost sofrerem degelo por longos períodos, o que implica na liberação de gás carbônico e metano, gases que contribuem para o aquecimento atmosférico.

Formado por terra, gelo e rochas, o permafrost abrange uma área de cerca de 13 milhões de quilômetros quadrados. Se caracteriza por um solo submetido ao congelamento por pelo menos dois anos seguidos. Com uma espessura de gelo variando de 1 metro a mais de 1 quilômetro, o permafrost é coberto por uma “camada ativa” que anualmente se descongela e se recongela.

O aquecimento climático ameaça a estabilidade deste solo permanentemente congelado. À medida em que a temperatura aumenta, o pergelissolo vai derretendo, mas não chega a se fundir. É um imenso reservatório de carbono porque contém grandes quantidades de matéria orgânica congelada. São restos de plantas, animais e micróbios que se acumularam ao longo de milhares de anos.

Se alguns cientistas veem no degelo continuado de áreas do permafrost um “ponto de ruptura” -em que as condições climáticas podem tornar irreversíveis alterações em partes da Terra-, outros sugerem que o derretimento dessas áreas pode ser freado se a mudança do clima for atenuada.

Um estudo na NASA mostrou que a última década (2000-2019) foi a mais quente já registrada. As temperaturas no Ártico aumentam duas vezes mais rápido que a temperatura média global, causando degelo do permafrost em diversos lugares e emissões de CO2 e CH4 (metano), pela decomposição de matéria orgânica armazenada sob o gelo. Ao longo de cem anos, o efeito estufa causado pelo CH4 é em média 32 vezes maior que o do CO2, embora este último seja quantitativamente mais importante a longo prazo.

A questão é saber qual o impacto do pergelissolo em futuras emissões de carbono, caso ele sofra um descongelamento contínuo. Há um ponto de ruptura que leve a uma aceleração do degelo? Cientistas estimam que a quantidade de carbono estocado do pergelissolo é duas vezes maior do que aquela circulando na atmosfera, ou seja, entre 1.460 e 1.600 bilhões de toneladas.

Embora a maior parte deste carbono esteja aprisionada sob a camada de gelo do permafrost, mesmo a liberação de uma pequena parte representaria emissões comparáveis às de outros fluxos ambientais como o desmatamento de biomas naturais.

Estima-se que tais emissões seriam de uma ordem de grandeza abaixo das emissões causadas pela queima de combustíveis fósseis até o final do século. A área de permafrost próximo da superfície deve encolher de 2 a 66% no melhor cenário (RCP2.6) projetado pelo IPCC para 2100, e de 30 a 99% no pior cenário (RCP8.5).

No entanto, pesquisas recentes sugerem que se o aumento de temperatura for desacelerado e interrompido, o derretimento do pergelissolo se atenuará, limitando emissões suplementares.

Porém, “tal qual um trem de carga em movimento, que, mesmo com seus freios acionados continua se movendo por uma longa distância, o degelo prosseguirá por um bom tempo e as emissões a ele relacionadas idem”, explica Christina Schädel, professora do Centro de Ciências de Ecossistemas e Sociedade da Northern Arizona University.

“A contribuição final das emissões de carbono do permafrost para a mudança climática depende de vários fatores: a quantidade de carbono emitido na forma de CO2 ou CH4, por exemplo, e em que medida a vegetação compensará essa perda”, diz Schädel.

Ela é autora do artigo The irreversible emissions of a permafrost ‘tipping point’ (“Emissões irreversíveis de um pergelossolo em ‘ponto de ruptura’”), dentro da série Tipping Points, organizada pelo site carbonbrief.org.

O permafrost pode conter até 80% de gelo e sua degradação pode ocorrer gradualmente ou pelo colapso do solo em degelo. Nos dois casos há liberação de carbono para a atmosfera. Temperaturas do ar mais altas podem promover descongelamento progressivo ou de forma abrupta e imprevisível.

O colapso do solo dá lugar a uma paisagem marcada por lagos “thermokarst”, com águas oriundas de fontes, chuva e neve, um ambiente de alta umidade que favorece a liberação de metano.

Com o degelo do permafrost os microrganismos que vivem neste solo passam a consumir o carbono estocado, liberando no processo altas quantidades de metano. Pelo seu alto potencial de efeito estufa, emissões de metano são fonte de preocupação dos climatologistas, que temem o agravamento do aquecimento global. Entretanto, cientistas da Purdue University, Indiana (EUA), afirmam que as emissões líquidas de carbono são bem inferiores às quantidades estimadas anteriormente.

“O degelo do pergelissolo provoca um aumento da produção de metano em áreas úmidas, mas também possibilita um maior consumo em áreas de montanha”, declara Qianlai Zhuang, professor de ciências da terra, da atmosfera e dos planetas da Purdue University.

Solos secos e mineralizados de terras altas ocupam 87% da superfície terrestre do Ártico e são ricos em micróbios “metanotróficos” -grupos de bactérias que utilizam o metano atmosférico como fonte de energia-, diz Zhuang. “Os metanotróficos necessitam de altas concentrações de metano para sobreviver e se reproduzir”, explica o professor.

O grupo de pesquisa liderado por Zhuang descobriu, ainda, novos metanotróficos nas terras minerais altas do Ártico, que podem se reproduzir consumindo metano em concentração atmosférica. Esses micróbios de alta afinidade agem como um sumidouro de metano. Os pesquisadores incluíram estes microrganismos em um modelo biogeoquímico e obtiveram uma redução significativa das emissões regionais líquidas de metano.

Seus resultados foram publicados na revista Nature Climate Change em março de 2020 e se aproximam da evolução observada recentemente dos níveis de metano no Ártico, onde as emissões de fato aumentaram, mas sem um impacto na concentração atmosférica acumulada tão grande como previsto em estudos anteriores.

Os pesquisadores da Purdue University estimam que, assim como indicam outros trabalhos, as emissões de CH4 do Ártico crescerão até o final do século, mas sem um impacto tão importante sobre o clima, graças à presença de metanotróficos de alta afinidade, que, sob um clima mais quente, sobrevivem melhor do que os micróbios metanogênicos.

Eles advertem, porém, que suas previsões partem de certos pressupostos sobre a dinâmica das planícies úmidas e das terras altas mais secas, as quais, por sua vez, dependem do cenário de emissões em outras regiões do planeta, que podem intensificar ou atenuar o aquecimento no permafrost Ártico.

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