quarta-feira, 24 de maio de 2023

Mudança climática gera maior ocorrência de turbulências em voos sob ‘céu de brigadeiro’, diz estudo

Para cada 1oC de aquecimento global próximo à superfície, espera-se um aumento de 9% a 14% de turbulências moderadas em céu limpo até 2050

Representação de correntes de jato, subtropicais e polares. Adaptado de:
https://dashamlav.com/jet-streams-meaning-definition-causes-effect-of-weather/

A mudança de clima representa muitos desafios para a indústria da aviação; entre eles, um potencial crescimento na frequência da chamada “turbulência de ar claro” (CAT, na sigla em inglês).

Este tipo de instabilidade em voos se deve à alteração do padrão de ventos, causada pela diferença de temperatura entre camadas de ar acima e abaixo da trajetória da aeronave, e pode afetar a segurança de seus ocupantes.

Um passageiro frequente costuma sentir incômodos, principalmente frio na barriga, causados por instabilidades -anunciadas previamente pelo piloto como “zona de turbulência”-, normalmente quando o avião atravessa áreas com nuvens carregadas.

Apesar de menos comum, turbuência em “céu de brigadeiro” -um céu sem nuvens no horizonte- pode também oferecer risco à segurança do voo. Tanto é que, desde um bom tempo, os passageiros são solicitados a permanecer com o cinto de segurança afivelado durante todo o voo.

Usando modelos climáticos globais de alta resolução, pesquisadores da Universidade de Reading, no Reino Unido, diagnosticaram um aumento da incidência de CAT moderada no Atlântico Norte, entre 1950 e 2050.

Embora o inverno seja historicamente a estação mais turbulenta, projeções indicam que até 2050 os verões tornem-se tão turbulentos quanto os invernos de 1950. Cada 1 oC de aumento de temperatura do ar próximo à superfície significa 14%, 9%, 9% e 14% a mais de CAT moderada durante o outono, inverno, primavera e verão, respectivamente.

É o que diz o estudo, Clear-air turbulence trends over the North Atlantic in high-resolution climate models, de autoria de Isabel Smith, Paul Williams e Reinhard Schiemann, publicado no Climate Dynamics (2023). “Nossos resultados confirmam que o setor de aviação deve se preparar para um futuro mais turbulento”, afirmam os autores.

A CAT é considerada um fenômeno atmosférico de alto impacto na segurança e nos custos do setor de aviação. 71% das lesões de passageiros associadas ao clima são causadas por turbulências atmosféricas e geram um custo anual de 200 milhões de dólares aos EUA, segundo um estudo de 2014.

Como o próprio nome diz, a turbulência de ar claro se desenvolve em extratos atmosféricos estáveis e livres de nuvens (o “céu de brigadeiro”) e não pode ser detectada pelos equipamentos de bordo. Manifesta-se quando a aeronave encontra “correntes de jato”, bandas estreitas de ventos fortes em camadas de ar entre 9.000 e 14.000 metros de altura. As correntes de jato existem em ambos os hemisférios e se movem no mesmo sentido da rotação planetária: de oeste para leste.

São estes ventos que fazem com que um voo seja mais rápido ou mais lento. Não o fato de sua trajetória coincidir ou não com o movimento de rotação da Terra. Se um avião voa no mesmo sentido das correntes de jato que cruzam seu caminho, este chegará mais rápido ao seu destino; caso voe em sentido contrário, sofrerá atraso.

As correntes de jato são influenciadas pela estação do ano e sua intensidade depende de “gradientes latitudinais e horizontais de temperatura” ou, em termos simples, ela depende da diferença de temperatura entre camadas atmosféricas, para uma dada latitude. São muito importantes para a meteorologia e o tráfego aéreo.

Uma vez que esses fluxos de ar se desenvolvem dentro da camada atmosférica onde ocorrem as interações climáticas com a superfície terrestre (a chamada troposfera), é de se esperar que eles sejam afetados pelo aumento da temperatura planetária.

De fato, as correntes de jato devem se intensificar com o aumento do efeito estufa gerado por emissões poluentes antropogênicas, já que a diferença de temperatura entre o nível superior da troposfera e o nível inferior da extratosfera -segunda camada de ar mais próxima da superfície- deve aumentar. É o que diz um estudo anterior da mesma universidade britânica, coordenado por Paul Williams e publicado na Nature em 2019.

Para Smith, Williams e Schiemann, autores do mais recente artigo aqui mencionado, “em um cenário futuro, com uma concentração atmosférica de CO2 duas vezes maior que aquela do período pré-industrial, voos transatlânticos mais longos teriam anualmente uma duração extra de 2 mil horas, liberando de suas turbinas 70 mil toneladas de CO2 adicionais”.

As descobertas do grupo da Universidade de Reading podem ter implicações para as operações de aviação nas próximas décadas. Projetistas e fabricantes das aeronaves que estarão no ar na segunda metade do século devem levar em conta uma atmosfera mais turbulenta, advertem os pesquisadores.

“Futuros avanços tecnológicos, como o sensoriamento remoto de turbulência de ar claro, podem ser úteis para mitigar os efeitos da incidência de CATs mais agressivas. Nossos resultados reforçam a urgência de se aprimorar as previsões operacionais de CAT e usá-las no planejamento de voos para limitar o desconforto e lesões entre passageiros e tripulantes”, concluem os autores.

Fonte: https://link.springer.com/article/10.1007/s00382-023-06694-x?fbclid=IwAR0hhjrXIYg-YwUlgherZVRboFUZ9FtFbCjDf2gF_E8qdFhM7P4eDJf2ib4

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