Para cada 1oC de aquecimento global próximo à superfície, espera-se um aumento de 9% a
14% de turbulências moderadas em céu limpo até 2050
A mudança de clima representa muitos desafios para a indústria
da aviação; entre eles, um potencial crescimento na frequência da chamada “turbulência de ar claro” (CAT, na sigla em inglês).
Este tipo de instabilidade em voos se deve à alteração do padrão de ventos, causada pela diferença de temperatura entre camadas de ar acima e abaixo da trajetória da aeronave, e pode afetar a segurança de seus ocupantes.
Um passageiro frequente costuma sentir incômodos, principalmente frio na barriga, causados por instabilidades -anunciadas previamente
pelo piloto como “zona de turbulência”-, normalmente quando o avião atravessa áreas com
nuvens carregadas.
Apesar de menos comum, turbuência em “céu de brigadeiro” -um
céu sem nuvens no horizonte- pode também oferecer risco à segurança do voo. Tanto é que, desde um bom tempo, os passageiros são solicitados a permanecer
com o cinto de segurança afivelado durante todo o voo.
Usando modelos climáticos globais de alta resolução,
pesquisadores da Universidade de Reading, no Reino Unido, diagnosticaram um
aumento da incidência de CAT moderada no Atlântico Norte, entre 1950 e 2050.
Embora o inverno seja historicamente a estação mais
turbulenta, projeções indicam que até 2050 os verões tornem-se tão
turbulentos quanto os invernos de 1950. Cada 1 oC de aumento de
temperatura do ar próximo à superfície significa 14%, 9%, 9% e 14% a mais de
CAT moderada durante o outono, inverno, primavera e verão, respectivamente.
É o que diz o estudo, Clear-air turbulence trends over the North
Atlantic in high-resolution climate models, de autoria de Isabel Smith,
Paul Williams e Reinhard Schiemann, publicado no Climate Dynamics
(2023). “Nossos resultados confirmam que o setor de aviação deve se preparar
para um futuro mais turbulento”, afirmam os autores.
A CAT é considerada um fenômeno atmosférico de alto impacto na
segurança e nos custos do setor de aviação. 71% das lesões de passageiros associadas
ao clima são causadas por turbulências atmosféricas e geram um custo anual de
200 milhões de dólares aos EUA, segundo um estudo de 2014.
Como o próprio nome diz, a turbulência de ar claro se
desenvolve em extratos atmosféricos estáveis e livres de nuvens (o “céu de
brigadeiro”) e não pode ser detectada pelos equipamentos de bordo. Manifesta-se
quando a aeronave encontra “correntes de jato”, bandas estreitas de ventos
fortes em camadas de ar entre 9.000 e 14.000 metros de altura. As correntes de
jato existem em ambos os hemisférios e se movem no mesmo sentido da rotação
planetária: de oeste para leste.
São estes ventos que fazem com que um voo seja mais rápido ou
mais lento. Não o fato de sua trajetória coincidir ou não com o movimento de rotação
da Terra. Se um avião voa no mesmo sentido das correntes de jato que cruzam seu
caminho, este chegará mais rápido ao seu destino; caso voe em sentido contrário, sofrerá atraso.
As correntes de jato são influenciadas pela estação do ano e
sua intensidade depende de “gradientes latitudinais e horizontais de
temperatura” ou, em termos simples, ela depende da diferença de temperatura
entre camadas atmosféricas, para uma dada latitude. São muito importantes para a
meteorologia e o tráfego aéreo.
Uma vez que esses fluxos de ar se desenvolvem dentro da camada
atmosférica onde ocorrem as interações climáticas com a superfície terrestre (a
chamada troposfera), é de se esperar que eles sejam afetados pelo aumento da
temperatura planetária.
De fato, as correntes de jato devem se intensificar com o
aumento do efeito estufa gerado por emissões poluentes antropogênicas, já que a
diferença de temperatura entre o nível superior da troposfera e o nível inferior
da extratosfera -segunda camada de ar mais próxima da superfície- deve
aumentar. É o que diz um estudo anterior da mesma universidade britânica,
coordenado por Paul Williams e publicado na Nature em 2019.
Para Smith, Williams e Schiemann, autores do mais recente
artigo aqui mencionado, “em um cenário futuro, com uma concentração atmosférica
de CO2 duas vezes maior que aquela do período pré-industrial, voos transatlânticos
mais longos teriam anualmente uma duração extra de 2 mil horas, liberando de suas
turbinas 70 mil toneladas de CO2 adicionais”.
As descobertas do grupo da Universidade de Reading podem ter
implicações para as operações de aviação nas próximas décadas. Projetistas e
fabricantes das aeronaves que estarão no ar na segunda metade do século devem levar
em conta uma atmosfera mais turbulenta, advertem os pesquisadores.
“Futuros avanços tecnológicos, como o sensoriamento remoto de
turbulência de ar claro, podem ser úteis para mitigar os efeitos da incidência
de CATs mais agressivas. Nossos resultados reforçam a urgência de se aprimorar
as previsões operacionais de CAT e usá-las no planejamento de voos para limitar
o desconforto e lesões entre passageiros e tripulantes”, concluem os autores.
"Céu de brigadeiro", sim! Mas já há controvérsias.
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