Em 2030,
emissões por habitante entre os 1% mais ricos devem superar 30 vezes a média
per capita compatível com aumento de temperatura de até 1,5 oC
Incêndios, inundações, ondas de calor, elevação do nível de
mares e oceanos... enquanto a ocorrência de fenômenos extremos intensifica-se,
a emissão de gases de efeito estufa associada ao consumo dos bilionários não
para de crescer.
Até o final da década, os 1% mais ricos devem aumentar em 25% suas emissões per capita de gases de efeito estufa, em relação a 1990. Representavam 13% das emissões totais naquele ano; devem responder por 16% em 2030.
A mudança climática de origem antrópica é causada por todos os
habitantes do planeta. Mas não da mesma forma. Em 2019, os 50% mais pobres
responderam por 12% das emissões globais, enquanto os 10% mais ricos emitiram
48% do total.
Em um comunicado publicado em novembro
de 2021, a Oxfam adverte: “a geografia das desigualdades mundiais em termos de emissão de
carbono pode mudar com o aumento das emissões dos 1% mais ricos em países com
renda intermediária”.
Como é mostrado no gráfico a seguir, a concentração de renda -especialmente
nos principais países poluentes-, com destaque para as faixas dos 1% e 10% mais ricos, produz importantes excessos de emissões por habitante em
relação à média mundial: 67,7 tCO2 e 18,7 tCO2, respectivamente, tomando como
referência o nível de emissões compatível com a meta do Acordo de Paris (+1,5 oC),
de 2,2 tCO2 por habitante.
Emissões ligadas ao consumo dos 1% e dos 10% mais ricos e nível médio global de emissões compatível com aumento de temperatura de até 1,5 oC (1990-2030), preconizado pelo Acordo de Paris.
Fonte: Instituto de Política Ambiental Europeia (IEEP) e Instituto Ambiental de
Estocolmo (SEI). Publicado por Oxfam GB em novembro de 2021. Adaptado de
https://oxfamilibrary.openrepository.com/bitstream/handle/10546/621305/bn-carbon-inequality-2030-051121-fr.pdf;jsessionid=CBE1597B2C6C95951D7AC25CF41CAA31?sequence=4
Tendo o estudo sido publicado antes do início do conflito
militar na Ucrânia, muito provavelmente as desigualdades das emissões por faixa
de renda tenham globalmente se agravado. Tempos de crise, como esta causada pela
guerra em território europeu, são propícios para que o capitalismo promova ainda
mais concentração de riqueza.
Após uma ligeira queda nas emissões globais de gases de efeito
estufa em 2020, devido à pandemia de Covid-19, elas voltaram a crescer em 2021.
De acordo com o relatório do PNUMA de 2022, passaram de 52,6 GtCO2 (giga
toneladas de CO2 equivalente) em 2019 para 52,8 GtCO2 em 2021.
Os quatro maiores emissores (China, Estados Unidos, União Europeia-UE27
e Índia) contribuem juntos com quase 60% das emissões totais. Em termos de “emissões
per capita”, os EUA são os campeões, com 14 tCO2, seguidos da Rússia (13 tCO2),
China (9,7 tCO2), Brasil e Indonésia (7,5 tCO2) e UE27 (7,2 tCO2).
Durante o primeiro ano da pandemia de Covid-19, o patrimônio
acumulado das 500 maiores fortunas da França cresceu 30%, elevando o número de
bilionários do país de 95 para 109. No mundo todo, os bilionários acumularam
mais de 1 trilhão de dólares neste período, conforme dados do Instituto de
Antropologia Aberta (OAI), de Bloomington (EUA).
Na França -2ª maior economia do bloco UE27- 100 multinacionais
respondem por 71% das emissões totais do país, segundo um estudo publicado ano
passado pela Oxfam e o Greenpeace. Entre seus acionários majoritários, 5
bilionários acumulam fortunas que equivalem à riqueza de 27 milhões de pessoas
ou 40% da população francesa.
Mais esses mega conglomerados econômicos concentram riqueza,
mais produzem crises sociais e mais contribuem para agravar a crise climática
global. Sendo a França a 7ª economia do mundo, os resultados do levantamento da
Oxfam France ajudam a corroborar o estudo dos institutos IEEP e SEI, publicados
no final de 2021.
Após mais de 1 ano desde o início da operação militar russa na
Ucrânia, seus efeitos no mundo todo, especialmente na Europa, ainda estão sendo
contabilizados. Mas já se sabe que este conflito -que rapidamente evoluiu para
uma “guerra por procuração” dos EUA/OTAN contra a Rússia- está empobrecendo
grande parte da população europeia, via inflação, causada principalmente pelo aumento
considerável do custo da energia.
Maior interessado na longevidade da guerra, por ser seu maior beneficiário,
os Estados Unidos devem triplicar nos próximos anos sua venda de gás liquefeito
para o velho continente, em substituição ao gás oriundo da Rússia, que
abastecia 45% da demanda europeia até a eclosão da guerra.
O gás norte-americano tem um custo significativamente maior,
porque é transportado por navios, ao contrário do gás russo, transportado por
gasodutos (Nord Stream I e II, pelo Mar Báltico) até a Alemanha e, de
lá, distribuído para outros países da Europa.
Na condição de única nação com capacidade bélica-nuclear superior à da Rússia e comandante supremo da OTAN, os EUA usaram o conflito militar na Ucrânia
como pano de fundo para planejar e executar as explosões que deixaram
inoperantes três dos quatro pipelines dos gasodutos Nord Stream I e II, em
26 de setembro de 2022. Quem revela é o veterano e premiado jornalista
americano Seymour Hersh.
Era o argumento que faltava aos EUA para incrementar suas
vendas de gás para a Europa, se furtando da chamada “lei de mercado”. Sem falar na
questão ambiental, já que as emissões associadas à produção do gás
norte-americano, o chamado “gás de xisto” são altamente poluentes.
A extração deste gás de origem fóssil é feita por “fraturação
hidráulica” de rochas profundas, um processo que produz contaminação de lençóis
freáticos e a liberação de metano (CH4) na atmosfera, cujo potencial de aquecimento é quase 30 vezes maior que o do CO2.
Um estudo da NASA mostra que, de 2007 a 2016, a concentração de
CH4 aumentou 10 vezes. O aumento é atribuído a múltiplos fatores, mas os
autores concluem que grande parte se deve à produção de energias fósseis.
Coincidentemente, foi naquele período de 10 anos que a exploração do gás de
xisto teve seu apogeu.
Na França, a produção de gás de xisto foi proibida em 2011.
Sua importação, não. Tempos de guerra exigem. Um terminal suplementar foi
construído no porto de Havre para receber gás de xisto dos EUA, no bojo de um
contrato entre a francesa Engie e a Cheniere. Visando novos contratos de longo
prazo com países europeus, um mega campo de exploração entrará em operação em
2024 no Texas. Um investimento de 10 bilhões de dólares, bancado pelas gigantes
do petróleo ExxonMobil e Qatar Energy.
Mas, o que tem a ver a guerra na Ucrânia com o aumento da
concentração de renda? Com o crescimento do número de bilionários no mundo? Obviamente, o forte
aumento de produção da indústria bélica americana e de seus aliados da OTAN vai
gerar mais investidores acionistas deste setor, criando mais ultra-ricos, o que
significa mais emissões poluentes per capita ligadas ao novo padrão de consumo.
Além do setor bélico, como já dissemos, tempos de
crise são terrenos férteis para negócios e oportunidades em diversos setores da economia capitalista,
abrindo caminho para o surgimento de novos empreendedores, alguns novos
bilionários, muito provavelmente.
Como ainda há dúvidas sobre uma eventual aceleração da
transição energética rumo a fontes renováveis, em consequência da guerra na
Ucrânia, é plausível que o aumento do investimento na produção de gás
de xisto não seja uma boa notícia para o enfrentamento da crise climática.
De acordo com o Relatório Síntese do grupo de especialistas
climáticos do IPCC, divulgado em março de 2023, a concentração média de CO2 na
atmosfera atingiu um valor recorde em 2019. Os cenários socioeconômicos indicam
que o aquecimento global de 1,5 oC (em relação à era pré-industrial)
deve ser alcançado já no início da década de 2030. A mudança climática afeta
zonas vulneráveis onde vivem 3,3 bilhões de pessoas, com impacto no acesso à
água e à alimentação dessas populações, especialmente na Ásia.
Como dizem os autores do estudo The outsized carbon footprints
of the super-riches, Beatriz Barros e Richard Wilk, “ainda que muitos
bilionários realizem ações pró-ambientais em suas vidas pessoais ou em suas
conexões corporativas via contribuição financeira para entidades de combate à
mudança climática, ou pela compra de créditos de carbono, nenhuma dessas ações
elimina suas emissões totais”.
Para os pesquisadores do OAI de Bloomington, se percebemos a
atmosfera como um bem comum a todos os habitantes do planeta, hábitos de
consumo extremamente energívoros -como o uso de iates e jatinhos, típico dos
bilionários- podem anular esforços individuais para reduzir seu próprio
desperdício em prol do clima. E servem de mau exemplo para a maioria dos
mortais.
“O consumo dos bilionários é problemático não apenas por ser
intensivo em carbono, mas também porque mina o consenso público que poderia
apoiar políticas governamentais para reduzir as emissões e evitar a catástrofe
climática”, concluem os autores.
https://www.oxfamfrance.org/wp-content/uploads/2022/02/rapport_milliardaires_carbone220222.pdf
https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/15487733.2021.1949847
https://www.nature.com/articles/s41893-022-00955-z
https://www-cdn.oxfam.org/s3fs-public/file_attachments/mb-extreme-carbon-inequality-021215-en.pdf
https://www.ecologie.gouv.fr/sites/default/files/20250_4pages-GIEC-2.pdf
https://www.amisdelaterre.org/pourquoi-gaz-de-schiste-pas-solution-viable/
https://www.unep.org/resources/emissions-gap-report-2022
https://www.carbone4.com/impact-gaz-de-schiste-climat-etude-de-nasa-relance-controverse
Concentração de bilionários, concentração de Co2.
ResponderExcluirCom 719 milhões de pessoas vivendo no mundo em pobreza extrema (Banco Mundial, 2021), a existência de bilionários é uma excrescência civilizacional.
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