Para Marc
Luyckx, estrutura do bloco foi concebida para impedir dominação de um Estado
sobre outro
Em entrevista ao canal YouTube
Uneek24 no último dia 28, o filósofo belga e PhD em Teologias Russa e Grega,
Marc Luyckx Ghisi, analisa o fim da hegemonia do dólar -como moeda exclusiva do
comércio internacional- preconizado pelo bloco formado originalmente por Brasil,
Rússia, Índia, China e África do Sul (BRICS).
“Uma moeda é um símbolo que possibilita trocas; ela pode representar segurança, como o dólar no âmbito do Bretton Woods -acordo que instaurou o sistema monetário baseado na moeda americana com lastro em ouro e vigorou entre 1945 e 1975-, mas também pode simbolizar dominação, como o que veio em seguida, com a imposição [pelos EUA] do ‘petrodólar’ como única moeda que os países podiam usar para importar petróleo”, explica Luyckx.
Chefes de estado que não
aceitavam esta imposição eram assassinados e seus países destruídos por guerras,
abrindo caminho para a dominação do resto do mundo pelos Estados Unidos, complementa
o filósofo.
“Agora, entramos numa
terceira fase, em que a Rússia, China, Índia, [Brasil] e, ao que tudo indica,
dezenas de novos Estados, como Arábia Saudita, Irã, Venezuela, Argentina e alguns
países africanos, optam por uma nova moeda, que mais uma vez representa
estabilidade, mas também simboliza ética”, diz Luyckx.
De fato, durante a cúpula
dos BRICS realizada recentemente em Johanesburgo (África do Sul) mais 6 países ingressaram
no bloco econômico: Arábia Saudita, Emirados Árabes, Irã, Egito, Etiópia e Argentina.
“Eles anunciam um mundo
multipolar, cuja estrutura foi pensada de tal modo que nenhum país possa dominar, o que remete a uma imagem totalmente diferente [da supremacia
exercida pelos EUA até então]. Se eles vão conseguir, não sei, mas pelo menos é
uma tentativa de criar uma moeda que, ao invés de simbolizar dominação, remete à
justiça”, afirma o teólogo.
Para Luyckx, trata-se de
uma proposta baseada em uma “lógica horizontal”, em que o dólar e “seu apêndice
euro” tornam-se “periféricos” diante do novo sistema monetário em gestação. “O dólar e o
euro perderam a batalha”, conclui.
“A moeda atualmente em
vigor é criada a partir do nada; o banco central oferece 1 milhão ao cliente,
mas ele tem que pagar em 30 anos. Este modelo, inventado pelos Estados Unidos,
é um sistema que purga o dinheiro do cidadão para enriquecer os bancos”, afirma
Luyckx.
Autor de The knowledge society
– A breakthrough toward genuine sustainability (livro publicado em 2008, com
acesso livre na Internet), Luyckx constata que a Rússia -apoiada pela China, Índia
e um número crescente de outros países mundo afora- interrompeu aquele sistema.
“De certo modo, assim como a guerra na Ucrânia, começamos a nos dar conta de que [no jogo da geopolítica mundial] o ocidente ‘perdeu a mão’; o dólar e o euro perderam seu domínio e o mundo caminha para algo novo”, diz Luyckx.
Ele lembra as tentativas
frustradas e trágicas de chefes de estado que tentaram impor uma nova moeda para
suas trocas, especialmente o comércio de petróleo: Kadafi, ex-presidente da
Líbia assassinado em 2011, tentou criar uma moeda panafricana lastreada em
ouro, e Saddam Hussein, ex-presidente do Iraque assassinado em 2006, também ousou
questionar o petrodólar.
A boa nova, segundo Luyckx,
é que, na atual realidade, é muito difícil eliminar Putin ou Xi Jinping. “Nós
perdemos”, afirma categórico. E acrescenta que a nova moeda abrange três
quartos da população mundial, o que não é “algo menor”; trata-se da maioria dos
habitantes do planeta, que se beneficiará do novo sistema monetário.
“Como vai funcionar, quais
os riscos implicados? Isto ninguém sabe. Na política não se podem prever essas
coisas. Mas o que se sabe é que o euro e o dólar perderam a batalha”, diz.
Ex-consultor de
presidentes da Comissão Europeia por quase 10 anos (1990-1999), Marc Luyckx
lembra que foram os europeus que criaram o sistema de pagamentos a distância,
em vigência desde as Cruzadas. “Nós dominamos o sistema monetário mundial há 10
séculos e é esta primazia que agora se termina para sempre. É algo grandioso!”
Ele esclarece que a nova
moeda será lastreada em ouro e matérias primas (commodities), como o petróleo; “é
um símbolo monetário que remete à estabilidade”. Para Luyckx, é possível que
haja um processo de anulação de dívidas, uma mudança profunda no sistema de
taxação (os impostos serão reduzidos) e um aumento progressivo da renda do
trabalho, gerando mais prosperidade.
“Se de fato o sistema monetário
mundial vigente é dominado por banqueiros bilionários, como JP Morgan,
Rockfeller e Rothschild, os russos, chineses e indianos estão serrando o galho sobre
o qual eles estão sentados”, diz Luyckx.
Enquanto a moeda atual representa
dominação e desapropriação, a nova moeda dos BRICS traz uma mensagem de
estabilidade, defende Marc Luyckx. Ironicamente, ele finaliza: “me desculpe por
anunciar boas notícias, mas estamos realmente vivendo um processo em que emerge
um novo paradigma monetário mundial.”
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