quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Rio do Peixe (PB): um dos mais expressivos registros de vida pré-histórica no Brasil

Em duas bacias hidrográficas, no Alto Sertão paraibano, estão os maiores acervos brasileiros de iconofósseis de dinossauros

Vale dos Dinossauros, Sousa (PB) 
http://www.google.com.br/imgres?q=parque+dos+dinossauros+sousa+pb&um=1&hl=pt-BR&tbm=isch&tbnid=NBS0F72WFb0pKM:&imgrefurl=

Por Antonio Pralon
(publicado originalmente em 2008, em http://www.radarsertanejo.com/)

O mais importante registro de pegadas de dinossauros no Brasil fica em duas bacias hidrográficas na região de Rio do Peixe, no estado da Paraíba: Sousa e Uiraúna-Brejo das Freiras. Essas duas bacias ocupam 1.730 km2 e abrangem os municípios de Sousa, Uiraúna, Poço, Brejo das Freiras, Triunfo e Santa Helena.

Nelas são encontrados vários iconofósseis preservados em depósitos aluviais, rios, meandrantes e lagos rasos. São sítios paleontológicos que oferecem uma abundância de material para a pesquisa científica.

Esses sítios – denominados iconofossilíferos – já foram identificados e mapeados; são pistas de vários grupos de dinossauro: grandes e pequenos terópodes, saurópodes, ornitísquios quadrúpedes e ornitópodes graviportais, além de um grande número de pegadas não classificáveis.

Conforme dados publicados em 2002, foram classificados 395 dinossauros nessas duas bacias, cujos iconofósseis surgiram no início do período Cretáceo, quando começou a abertura do oceano Atlântico Sul. Movimentos de placas tectônicas controlaram o processo de sedimentação do material fóssil nessas bacias.

O local de maior riqueza de pegadas fósseis – fazenda Passagem das Pedras, no município de Sousa – foi transformado em parque natural, o Monumento Natural Vale dos Dinossauros.

O parque ocupa 40 hectares e é considerado por especialistas um dos sítios paleontológicos mais bem preservados do país. Tornou-se um espaço atraente para o turismo ecológico na Paraíba, dispondo de infra-estrutura de proteção dos iconofósseis e guias treinados para orientar o visitante.

Pista de dinossauro Ornitópode no Vale dos Dinossauros, município de Sousa (www.a-paraiba.com)

História da descoberta

Há quase 90 anos, o engenheiro brasileiro Luciano Jacques de Moraes descobriu no oeste da Paraíba duas pistas no leito do Rio do Peixe, nas proximidades da Fazenda Ilha. Amostras das pegadas foram, então, enviadas por ele aos Estados Unidos, para serem estudadas por paleontólogos daquele país. Moraes nunca recebeu uma resposta.

Sessenta anos mais tarde, o pesquisador italiano Giuseppe Leonardi – que também era padre – tentara, em vão, recuperar o material enviado por Moraes, imaginando que o mesmo estivesse no Museu Americano de História Natural, em Nova Iorque.

Moraes – que não era icnólogo, nem paleontólogo – fez um trabalho meticuloso de interpretação dos desenhos e fotos das pegadas que descobrira, chegando, inclusive, às prováveis dimensões dos dinossauros que haviam produzido tais vestígios.

Uma das pistas foi interpretada como a de um quadrúpede – Stegosuria ou Ceratopsia – e, a outra, como a de um bípede – Theropoda ou Ornithopoda. Suas interpretações foram posteriormente confirmadas por um pesquisador alemão, da Universidade de Tübingen.

Durante a visita de Leonardi a Sousa, em 1975, descobriu-se – através de histórias narradas por habitantes nativos da região do Rio do Peixe – que as pistas detectadas por Moraes já haviam sido descobertas por agricultores locais muito antes, em 1897, ano que se tornou o marco da descoberta das pegadas.

No linguajar popular, as pistas identificadas por Moraes ficaram conhecidas como “pistas de boi” e “pistas de ema”, em alusão ao número de membros – usados para deslocarem-se – dos supostos autores das pegadas.

Entre meados dos anos 70 e o final dos 80, Leonardi realizou diversas expedições nos arredores de Sousa, descobrindo vários sítios iconofossilíferos, como os de Matadouro, Serrote do Letreiro e Antenor Navarro, entre outros. Nesse período, essas pegadas foram também analisadas por outros paleontólogos – brasileiros e estrangeiros – como também visitadas por turistas.

A partir de 1989, com a volta de Leonardi à Itália, o trabalho iconológico passou a ser realizado por Ismael de Souza Carvalho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro que, em parceria com pesquisadores da Universidade Federal de Pernambuco, descobriu novos sítios iconofossilíferos nas bacias de Sousa e Uiraúna-Brejo das Freiras.

A iconofauna dinossaureana

Ao todo, foram mapeados nas bacias da região do Rio do Peixe 22 sítios e 78 níveis, os quais, em grupos, caracterizam uma “formação”. Assim, a Formação Sousa abriga 13 sítios em 60 níveis, que incluem vários grupos e 276 indivíduos dinossaureanos.

Já a formação Antenor Navarro engloba 5 sítios em 12 níveis, com um total de 60 indivíduos. E a Formação Piranhas conta com 4 sítios em 6 níveis, totalizando 33 indivíduos.

Conforme admitem os próprios estudiosos, não é fácil identificar uma espécie de dinossauro pela análise de uma pegada. Assim, as pegadas são associadas a grupos com base em probabilidade. Por exemplo, as pistas de saurópodes são provavelmente de uma família de predadores titanossauros.

De acordo com os estudos do padre Leonardi, alguns dos rastros encontrados na região do Rio do Peixe pertenciam a um iguanodonte medindo 3 metros de altura e pesando 4 toneladas, que teria vivido naquela região há 110 milhões de anos.

Reconstituição paleoambiental da bacia de Sousa (Ilustração: Ariel Milani Martine)

Preservação dos iconofósseis

O parque natural de Sousa – criado pelo Decreto-Lei estadual em 1992 – foi tombado como Monumento Natural e designado “Vale dos Dinossauros”.

Graças à ação de entidades governamentais foi possível desapropriar o sítio Passagem das Pedras, onde fica o parque, e também empreender ações – sem alterar os ecossistemas das bacias do Rio do Peixe – para proteger as pegadas contra a ação erosiva das águas.

Segundo informações do Governo do Estado, os investimentos realizados no Vale dos Dinossauros desde o início dos anos 80 até 2002 somam cerca de R$ 1,6 milhões.

Para o bem da pesquisa científica e do turismo ecológico no estado da Paraíba, esperemos que as autoridades públicas continuem cumprindo seu papel de manter preservado um dos mais importantes sítios paleontológicos do país.

Glossário

Bacia hidrográfica – conjunto de meios hídricos (aquáticos) cujos cursos (ou leitos) se interligam. São as terras banhadas por um rio principal e seus tributários (afluentes, subafluentes, etc). Uma bacia hidrográfica é originada pelos desníveis dos terrenos que direcionam os cursos da água das áreas mais altas para as mais baixas.

Cretáceo – Na escala de tempo geológico, é o período da era Mesozóica compreendido entre 145 milhões e 500 mil e 65 milhões e 500 mil anos atrás, aproximadamente.

Depósitos aluviais – acúmulo de material argilo-arenoso em terraços e planícies de grandes cursos de água, ou em praias e margens de estuários e rios.

Dinossauros – do grego "dinos" (gigantesco) e "sauros" (lagarto); eram répteis representantes de dois grandes grupos, os Saurischia e os Ornithischia, que surgiram no final do período Triássico (230 milhões de anos atrás) e dominaram a fauna terrestre durante boa parte da era compreendida entre o início do período Jurássico e o final do Cretáceo (65 milhões de anos), quando foram extintas quase todas as linhagens, à exceção das aves, que seriam – de acordo com muitos cientistas – os únicos descendentes atuais dos dinossauros. A teoria mais aceita é a de que a Terra teria sido coberta por uma espessa camada de poeira – após a queda de um imenso asteróide – bloqueando os raios do Sol e causando um resfriamento que levou à Era Glacial, impedindo a realização da fotossíntese e, com isso, provocando uma quebra da cadeia alimentar que dava vida dos dinossauros.

Iconofauna – caracterização do conjunto de animais responsáveis por determinados iconofósseis típicos.

Iconofóssil – vestígio deixado por um organismo de um período geológico anterior ao atual, em terreno contemporâneo à sua existência.

Iguanodonte – espécie de dinossauro herbívoro e bípede que viveu no início do período Cretáceo. Tinha cerca de 9 metros de comprimento e pesava cerca de 4,5 toneladas.

Meandrantes – depósitos oriundos de regimes fluviais caracterizados pela oscilação de uma corrente de água, normalmente em decorrência de um aumento da velocidade de fluxo ou da sua capacidade de carga de sedimentação.

Ornitísquios – (do latim científico, Ornithischia) ordem de dinossauros herbívoros, caracterizados pelo focinho em forma de bico e pela estrutura da pélvis semelhante à das aves. Essa característica distingue os Ornithischia dos Saurischia, a outra ordem de dinossauros, da qual descendem as aves. Eram tanto bípedes como quadrúpedes e tinham tamanhos variados.

Ornitópodes – grupo de dinossauros ornitísquios que começaram como pequenos herbívoros e cresceram em tamanho e número até tornarem-se os mais bem sucedidos dinossauros herbívoros do Cretáceo em todo o mundo, dominando as paisagens da América do Norte.

Placas tectônicas – base de um conceito, segundo o qual os terremotos, as atividades vulcânicas e os processos de formação das montanhas são causados pelo movimento de blocos rígidos que compõem a camada da superfície da Terra – denominada litosfera – que atinge no máximo 50 km de espessura. Essa camada apresenta-se fragmentada em várias partes, que são as “placas tectônicas”. Elas recebem esse nome porque relacionam-se com os movimentos ocorridos na superfície (movimentos tectônicos), que as deslocam umas contra as outras. Abaixo da litosfera, encontramos uma camada de material derretido conhecida como magma, cuja movimentação provoca colisões ou separações das placas. A composição atual dos continentes é fruto do movimento das placas tectônicas; sabe-se que os continentes continuam separando-se a uma velocidade de 5 cm por ano.

Saurópodes – um dos dois grandes grupos de dinossauros saurísquios (dinossauros com bacia de réptil), cujos corpos eram enormes – os maiores animais terrestres que já existiram – possuindo cauda e pescoço compridos e uma cabeça pequena. A maioria dos saurópodes possuía na pata dianteira uma grande unha que, aliada ao seu tamanho, eram suas únicas armas de defesa. Vegetarianos e quadrúpedes, tinham patas altas e pés dotados de dedos curtos bem parecidos com os dos elefantes. Muitos não dispunham de mandíbulas e dentes apropriados para mastigar; para facilitar a fermentação e a digestão, engoliam pedras que serviam para triturar os alimentos no estômago. Segundo alguns paleontólogos, os saurópodes eram capazes de boiar na água – mesmo os maiores, como o braquiossauro, que pesava mais de 25 toneladas e tinha aproximadamente 24 metros de comprimento –, devido à estrutura pneumática de seu esqueleto e aos sistemas de ar aprisionado ao longo do pescoço dos pulmões.

Amazonsaurus maranhensis – espécie de saurópode recém-descoberta por pesquisadores brasileiros, que habitou a Amazônia há mais de 110 milhões de anos.

Amazonsaurus maranhensis (Ilustração: Ariel Milani/Faperj)

Sítio paleontológico – depósito de fósseis (evidências da vida pré-histórica preservadas nas rochas), os quais constituem o objeto da Paleontologia – ciência que estuda não apenas o significado evolutivo e temporal dos fósseis, mas também sua aplicação na busca de bens minerais e energéticos.

Terópodes – grupo ao qual pertencia uma grande variedade de dinossauros carnívoros, desde o pequeno Compsognathus (do tamanho de uma galinha), até o enorme Tyrannosaurus (um dos maiores carnívoros terrestres de todos os tempos), com 6 metros de altura e mais de 13 metros de comprimento. Eram bípedes e usavam as patas anteriores para outras funções, como capturar, dominar e matar suas presas ou mesmo para manipular o alimento. Alguns terópodes dispunham de dentes afiados e outros eram desdentados – possuíam um tipo de bico, parecido com o das aves atuais.

Ilustração de um Tiranossauro (www.esb3.caldastaipas.pt)

Fonte principal: ©Leonardi, G.; Carvalho, I. S. 2002. Icnofósseis da Bacia do Rio do Peixe, PB - O mais marcante registro de pegadas de dinossauros do Brasil. In: Schobbenhaus, C.; Campos, D. A. ; Queiroz, E. T.; Winge, M.; Berbert-Born, M. L. C. (Editores). Sítios Geológicos e Paleontológicos do Brasil. 1a ed. Brasília: DNPM/CPRM - Comissão Brasileira de Sítios Geológicos e Paleobiológicos (SIGEP), 2002. v. 01: 101-111.

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