quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Luto na comunidade científica de renováveis

Brasil perde José Wilson Lage Nogueira, um de seus principais pesquisadores da área de energia solar e eólica

José Wilson (ao centro) em 1988, na Universidade de Perpignan (França), onde preparava sua tese de doutorado

José Wilson era professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte há quase 20 anos. Formado em engenharia mecânica pela Faculdade de Engenharia Industrial (FEI) de São Paulo, era Mestre em Energia Térmica pela UFPB e Doutor em Sistemas Energéticos pela Universidade de Nice, França, com pós-doutorado na Universidade Politécnica de Valência, Espanha. 

Foi pioneiro no país na pesquisa teórica e aplicada em piscina solar de gradiente salino. Coordenou projetos, financiados pelo Centro de Pesquisa da Petrobras, sobre bombeamento fotovoltaico e eólico de petróleo em poços terrestres (onshore). 

Faleceu no último dia 9, aos 58 anos, vítima de um aneurisma de aorta. 

Publicamos a seguir um artigo de divulgação científica inédito (escrito em 2009), de autoria de José Wilson – em parceria com este blogueiro – sobre o uso de energia geotérmica para climatização.

Projeto pioneiro em Valência (Espanha) utiliza energia geotérmica para climatizar 

Por José Wilson Lage Nogueira (in memoriam) e Antonio Pralon 

Uma instalação de climatização a energia geotérmica funciona há cinco anos na Escola Superior de Engenheiros Industriais (ESII, na sigla em espanhol) da Universidade Politécnica de Valência, Espanha. Financiado pela União Européia, através do projeto Bomba de Calor Geotérmica para Climatização em Zonas Litorâneas da Europa (GeoCool), o equipamento é único no mundo.

http://www.transition-energie.com/france-gdf-suez-developpe-la-geothermie-en-ile-de-france/&docid=

Quando não proveniente de magma subterrâneo profundo, a energia geotérmica é energia solar armazenada no solo. É, portanto – neste último caso – uma energia limpa e renovável. O solo pode ser usado como reservatório frio ou quente para resfriar o ar ambiente no verão e aquecê-lo no inverno, mediante um “ciclo termodinâmico”. 

Um dispositivo – conhecido como bomba de calor – funciona com base nesse ciclo e se encarrega de circular um fluido que propicia a climatização. O sistema de climatização é dito geotérmico quando esse fluido troca calor com água aquecida ou resfriada previamente pelo solo. Neste caso, tem-se uma bomba de calor geotérmica. 

As bombas de calor, que são aparelhos elétricos, servem – dependendo do seu modo de operação – tanto para aquecer, como para resfriar. O uso desse tipo de equipamento tem aumentado significativamente na Europa, devido ao seu baixo consumo de energia elétrica em relação à energia transferida, e seu caráter “reversível”. Na Alemanha, a taxa atual de novas instalações é de 125 mil unidades por ano. 

Quanto menor a diferença de temperatura entre o ar ambiente e o ar do recinto a climatizar, melhor o desempenho do equipamento e, conseqüentemente, menor o consumo de energia elétrica. Daí a idéia de se utilizar um reservatório natural – o solo a determinada profundidade – que se mantém numa temperatura constante, ora menor (no verão) ora maior (no inverno) do que a temperatura do ar ambiente. 

Em ambos os casos, o uso do solo proporciona diferenças de temperatura menores do que aquelas existentes para “bombear calor” do (ou para o) espaço a climatizar com uma bomba de calor comum. Essa é a principal vantagem de usar energia geotérmica para climatizar, do ponto de vista energético.

http://www.sustainotect.com/2010/03/geothermal-energy-system-vs-ground-source-heat-pump/&docid=

De acordo com dados experimentais, a poucos metros de profundidade (a partir de 2 m, em alguns casos) a temperatura do solo é praticamente igual à temperatura média anual do ar ambiente no respectivo local. Em Valência, Espanha, a temperatura média anual é de cerca de 17oC, com mínima de 7oC (Janeiro) e máxima de 30oC (Agosto).

Assim, para se obter uma temperatura de conforto de 22oC, tem-se uma diferença de temperatura ar-solo de apenas 5oC durante o ano todo, em vez de 15oC no inverno e de 8oC no verão. Em conseqüência, o consumo de energia elétrica da bomba de calor é consideravelmente reduzido – principalmente no inverno - devido ao aumento do seu desempenho. 

Dados médios anuais do projeto GeoCool revelam que a bomba de calor geotérmica instalada em Valência operou com desempenhos 73% e 60% maiores, nos modos de aquecimento e resfriamento, respectivamente, em relação a uma bomba de calor convencional. Outros dados desse projeto indicam a redução equivalente na emissão de CO2 oriundo da fonte primária em torno de 50%. 

Os tubos para circulação de água no solo podem ser instalados vertical ou horizontalmente, dependendo da disponibilidade e do tipo de uso do solo. Na UPV, os tubos foram instalados verticalmente em seis poços com 50 metros de profundidade, num gramado em frente ao prédio da ESII.

A superfície total dos tubos depende de vários parâmetros, tais como do tipo de solo, de sua propriedade de conduzir calor e, principalmente, da área a climatizar. A potência da bomba de calor geotérmica da UPV é de 17,5 kW e é usada para climatizar seis salas de professores e uma pequena sala de aula. 

Tecnologia aplicável no Brasil? 

Em algumas regiões do país pode ser interessante o uso da bomba de calor geotérmica, como sistema de climatização alternativo, especialmente em latitudes mais altas.

Uma análise termodinâmica comparativa – entre a tecnologia proposta e a convencional – pode ser feita, a partir dos valores anuais médios da temperatura do ar ambiente, bem como das temperaturas mínima e máxima diárias do lugar. 

Em Porto Alegre, por exemplo, a temperatura anual média é de 19,5oC, com valores médios extremos de 9oC em Julho e 31oC em Janeiro. Considerando, neste caso, apenas o modo de resfriamento, teríamos com o sistema geotérmico uma diferença de temperatura ar-solo de 2,5oC durante todo o verão (para condicionar um ambiente a 22oC), enquanto que o sistema convencional – um ar condicionado comum – operaria com uma diferença de até 9oC para prover a mesma temperatura de conforto.

Em termos de desempenho energético – tomando como base um ciclo ideal de Carnot – a bomba de calor geotérmica proporcionaria uma economia de energia elétrica de cerca de 48%, em relação ao aparelho comum. 

Já em João Pessoa, onde a temperatura média anual é de 26oC e a máxima é de 32oC, teríamos com um ar condicionado geotérmico uma vantagem termodinâmica de 4oC contra 10oC, em relação ao aparelho comum. Neste caso, a economia de energia seria menor, em torno de 24%.

Em localidades de baixa latitude, pode-se, também, integrar a energia solar sob outra forma com a geotérmica, e, assim, reduzir ainda mais o consumo de eletricidade em instalações de ar condicionado, principalmente de médio e grande porte. 

Outras vantagens do uso da energia geotérmica em sistemas de climatização são: i) eliminação das “torres de resfriamento” – equipamentos de grandes dimensões, com alto consumo de água e eletricidade – usados em instalações centrais de ar condicionado; ii) melhor adequação do projeto de engenharia térmica aos aspectos arquitetônicos, sejam estéticos (supressão de elementos externos visíveis) ou de aproveitamento dos espaços (o dispositivo fica enterrado); iii) possibilidade de uso diuturno e contínuo durante todo ano; e, iv) obtenção de “efeito oásis”, pelo uso em larga escala, visando mitigar ilhas de calor nos grandes centros urbanos. 

O uso de energia geotérmica para fins de climatização pode ser, entre outras, uma alternativa técnica e economicamente viável para se reduzir o consumo energético no setor residencial, industrial, comercial e de serviços no Brasil. No Nordeste, a demanda anual de energia para condicionamento de ar pode chegar aos 600 kWh por metro quadrado. 

Segundo dados de um relatório recente do projeto europeu CAMELIA (“Concerted Action Multigeneration Energy system with Locally Integrated Applications”), nos climas mediterrâneos, a demanda energética anual para climatização em edificios comerciais é de 165 kWh/m2 e deverá ser reduzida pela metade, com a implementação em larga escala de edificações de baixo consumo, as “eco-buildings”. 

Este novo conceito de edificação envolve aspectos integrados de construção, de materiais, de arquitetura e de engenharia térmica, enfim, uma interdisciplinaridade. Um campo de pesquisa amplo como este, que inclua as energias renováveis, tem grande potencial para ser explorado no Brasil, haja vista o elevado consumo energético de nossas edificações.

Um comentário:

  1. Que o trabalho de Wilson possa inspirar novos pesquisadores e pesquisadoras na UFRN e em todo o Brasil!
    Precisamos de eco-buildings!
    Mas sequer começamos a materializar os benefícios desse conhecimento científico disponível, começando, por exemplo, pelos campi universitários. Vejam-se as novas construções do REUNI na na UFPB.
    Há colégios e universidades privadas em João Pessoa cujo conceito de sala de aula é um caixote sem iluminação natural e com ar-condicionado gelado, o que deve pesar no custo da mensalidade paga pelos/as estudantes.

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