Imagem de capa
do livro “Tous Cobayes !”, de Gilles-Éric Séralini (Paris: Flammarion, 2012)
“Todos
Cobaias!” não é ficção científica. É uma narrativa qualificada e documentada.
Traz resultados de uma pesquisa inédita, que avaliou organismos de cobaias alimentadas com milho transgênico e água contaminada pelo herbicida mais usado no mundo.
O
estudo foi realizado entre 2008 e 2011 e coordenado por Gilles-Éric Séralini,
professor da Universidade de Caen (França) e especialista internacional em
avaliação de transgênicos. Foi publicado no mês passado na revista Food and Chemical Toxicology.
Tous Cobayes ! OGM, pesticides,
produits chimiques (“Todos Cobaias! organismos geneticamente modificados,
pesticidas, produtos químicos”) é o quarto livro de Séralini sobre transgênicos,
dirigido ao grande público. Nele, o autor revela o tamanho do perigo de produtos artificiais e poluentes alimentares (substâncias que alteram o gosto e o cheiro da comida e facilitam a sua conservação) que inundam os supermercados.
“Tanto
se fala da insegurança gerada pela delinquência e das medidas para contê-la, que
não nos damos conta de que os mais insidiosos e impiedosos assassinos em série agem
livremente nos nossos alimentos, bebidas, casas, jardins e no ar ambiente”. Com
essas palavras, Séralini dá o tom da sua mais recente obra sobre transgênicos.
Além do ineditismo científico (efeitos tóxicos de longo prazo do binário transgênico/herbicida), o
livro traz à baila diversos casos ocorridos no mundo – por acidente ou
negligência – de usinas de pesticidas e outros produtos contaminantes. O autor
cita gigantes transnacionais do setor (Monsanto, Bayer, Aventis,
DuPont, Syngenta, BASF, Dow Chemical, Zeneca), “que enchem nossos pratos de
colorantes, conservantes, plastificantes, transgênicos, pesticidas, antibióticos...”
Séralini
traça paralelos entre o advento nuclear e o dos transgênicos. Do primeiro, o
único vestígio que certamente a humanidade deixará nos próximos seis mil anos é
a radioatividade das grandes “explosões nucleares” (Hiroshima e Nagasaki, Chernobyl
e Fukushima). O segundo também introduz alterações irreversíveis no meio
ambiente à escala humana. Uma “bomba-relógio”, armada pelos artífices do
agronegócio.
“Se
arrogando o direito de modificar seres vivos em ritmo industrial, os criadores
de transgênicos – amparados por especialistas permissivos – introduziram
sequências genéticas artificiais no patrimônio hereditário das principais
espécies cultivadas”, ressalta o autor de Tous
Cobayes !
Enquanto
as explosões nucleares causam uma poluição brutal, que tende a diminuir após
milhares de anos, os transgênicos provocam uma poluição ímpar, capaz de se
multiplicar com o tempo, afirma Séralini.
Adaptado de
http://sboisse.free.fr/planete/ogm.php
A
pesquisa da Universidade de Caen avaliou os efeitos – sobre uma população
de mamíferos adultos – de uma alimentação à base de milho transgênico NK 603
(da Monsanto), tolerante ao herbicida Roundup, o mais usado no
mundo. Grupos
de ratos foram alimentados com três tipos de milho: NK 603 tratado com Roundup,
NK 603 não tratado e um milho não transgênico geneticamente uniforme. Doses de
água com diferentes teores de Roundup também fizeram parte da dieta dos ratos.
Em
síntese, alguns resultados foram:
1)
Após o 3º mês, aparecem os primeiros tumores (nos rins, conforme revela a
autópsia) em ratos que se alimentaram de milho NK 603, tratados ou não com
Roundup. “Surgem logo depois do prazo protocolar, de 90 dias, fixado para os estudos
encomendados pela indústria de transgênicos. Um acaso?”, ironiza Séralini;
2)
Após o 12º mês, ocorre uma explosão de
tumores palpáveis (peitorais, abdominais ou inguinais) que, “à escala humana
seriam monstruosos”, escreve Séralini;
3)
Após o 23º mês, entre 50 e 80% das fêmeas são afetadas. Entre as que beberam
água com Roundup, ao final da experiência, 90 a 100% (dos três grupos estudados)
adquiriram tumores e distúrbios hormonais, incluindo um caso de câncer de
ovário com metástase. “Não há dúvida que, no grupo de fêmeas que
se alimenta de milho transgênico tratado com herbicida e bebe água contaminada
pelo Roundup – mesmo em doses mínimas (como a encontrada na água da
torneira) – os resultados são similares”, explica Séralini.
Em
resumo, entre os grupos de ratos alimentados com transgênicos, as fêmeas morreram
principalmente em decorrência de grandes tumores mamários, simultaneamente à deterioração
de suas hipófises. A mortalidade neste grupo foi até 3 vezes maior do que no grupo de controle (de ratas que comiam milho normal e bebiam água sem Roundup). Já
entre os machos, que tiveram cinco vezes menos tumores que as fêmeas, as mortes
resultaram de grave congestão hepática e necrose acompanhadas de insuficiência
e inflamação renal severa.
O
procedimento experimental adotado e a análise dos resultados são tratados,
detalhadamente, em duas seções (3. “Pesquisa desesperada de grãos geneticamente
modificados”; 4. “Ratos que valem três milhões de euros”) do Capítulo II do
livro, “Um marco científico mundial”.
Gilles-Éric
Séralini, em audiência na Assembleia Nacional francesa, explicando aos
parlamentares suas novas descobertas sobre transgênicos e pesticidas
(9.10.2012)
Mal foi publicado, o estudo já causou polêmica no meio científico. Por paradoxal que possa parecer, a crítica maior refere-se à duração da experiência. Enquanto o protocolo europeu estabelece 90 dias de testes, os 720 dias investigados por Séralini coincidem com o tempo de vida dos ratos cobaia. Este fato dificultaria a interpretação dos dados coletados, porque muitas das doenças observadas manifestam-se com o envelhecimento natural dos ratos.
“O estudo sugere mais riscos do que ele é capaz de comprovar; em termos de possibilidade biológica, é raríssimo que doses ínfimas de pesticida causem câncer, como foi constatado”, fustigou Alfred Bernard, professor de toxicologia da Universidade Católica de Louvain (Bélgica).
O pequeno tamanho da população testada – 20 grupos de 10 animais cada, machos ou fêmeas – foi outro argumento desfavorável à pesquisa. “Grupos que receberam milho não transgênico desenvolveram doenças semelhantes às dos ratos alimentados com milho transgênico; em grupos de fêmea, até 30% delas desenvolveram os mesmos tumores mamários”, alega Patrick du Jardin, professor de biologia vegetal da Universidade de Liège (Bélgica).
Os dois especialistas belgas se declaram céticos quanto à possibilidade do estudo de Séralini ser homologado por agências de segurança sanitária europeias. Insólito. Ambos afirmam que uma análise mais profunda dos resultados da pesquisa ainda precisa ser feita.
Embora a agricultura transgênica na Europa seja irrisória – apenas o milho MON 810 da Monsanto e a batata Amflora da BASF são cultivados – alimentos geneticamente modificados estão presentes nas mesas de sua população, seja diretamente pela ingestão de produtos importados, seja indiretamente pelo consumo de carne de animais que se alimentam de ração à base de transgênicos. Cerca de 95% da soja produzida nos Estados Unidos (um dos maiores exportadores de ração animal) é transgênica.
O Brasil é o campeão mundial no uso de pesticida (ou agrotóxico), seguido pelos Estados Unidos e Japão. A França aparece em quarto lugar, respondendo por um terço de todo o consumo europeu de agrotóxicos. Séralini assinala que, em zonas rurais do Nordeste brasileiro ainda impregnadas de diclorodifeniltricloretano (DDT) – um potente e cancerígeno inseticida descoberto há mais de 60 anos, mas banido do Brasil somente em 2009 –, constata-se um aumento significativo de casos de recém-nascidos com malformações genitais.
Esses
dados – e outros observados em famílias de vinicultores e fruticultores – corroboram
pesquisas anteriores, feitas em diversas regiões do planeta, que registraram
deformações anatômicas semelhantes em populações de animais submetidos à taxas crônicas de
pesticidas, mesmo em concentrações baixas.
“Por
culpa de laboratórios e de especialistas financiados por lobbies superpoderosos
– da indústria agroalimentar, de biotecnologia e de medicamentos – quantos
lares não sofrem atualmente casos de câncer, doenças nervosas, hormonais e
imunológicas?”, indaga o cientista francês. “Nossas descobertas são alarmantes
e colocam em xeque todas as nossas políticas sanitárias e ambientais”, arremata.
O
pesquisador francês aponta a insuficiência e a falta de transparência dos
testes encomendados pela indústria de OGM, com a conivência das agências
sanitárias, como principais responsáveis pela cortina de fumaça que se criou em
torno dos reais efeitos dos transgênicos sobre a saúde humana.
Como
todo bom professor, Séralini vê na educação uma das saídas para enfrentar uma
questão tão complexa como esta. Para a sociedade avançar em “higiene química e
alimentar”, ele defende que matérias sobre meio ambiente (biologia,
sociologia, geografia, economia sustentável, etc.) devam estar no centro do
processo educativo, desde o ensino básico.
Isto
permitiria “desenvolver a compreensão das interações, das solidariedades, das interdependências,
e aflorar a consciência de que o homem não é uma exceção na natureza, mas um ‘modificador
de substâncias’ que, em sua maioria são eternas”, assevera.
Em relação à educação superior e à pesquisa científica, Séralini defende que, “ao
invés de subordinar o progresso do conhecimento às demandas da indústria, a
autonomia universitária deve ser praticada em prol da solidariedade dos saberes
e da necessidade de um ponto de vista global”.
Fonte:
“Tous Cobayes ! OGM, pesticides,
produits chimiques”, Gilles-Éric Séralini (Paris: Flammarion, 2012)
Prezados:
ResponderExcluirPara complementar vejam o artigo original do grupo do Dr. Séralini e várias manifestações de academias científicas da Europa e Brasil sobre o trabalho. Parece que os que entendem do riscado não concordam com as conclusões do grupo de Caen. O efeito a longo prazo foi realizado e continua há mais de uma década: milhões de humanos, animais e aves consomem milho Bt sem qualquer problema. Os ratos de Caen tem algo muito especial !
Texto do artigo original do Seralini:
http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0278691512005637
Manifestação da Presidência da CTNBio:
http://www.ctnbio.gov.br/index.php/content/view/17600.html
Manifestação EFESA - Comunidade Europeia:
http://www.efsa.europa.eu/en/press/news/121018a.htm?utm_source=alerts&utm_medium=email&utm_content=all&utm_campaign=aih
http://www.efsa.europa.eu/fr/efsajournal/pub/2910.htm
Manifestação Cientistas Brasileiros:
http://cib.org.br/wp-content/uploads/2012/10/AnaliseSeraliniRevisada.pdf
Manifestação ANES - Governo Francês
http://www.anses.fr/Documents/BIOT2012sa0227EN.pdf
Manifestaçãode seis Academias de Ciências da França
http://www.academie-sciences.fr/presse/communique/avis_1012.pdf
Manifestação BFr - Governo Alemão
http://www.epsoweb.org/file/1095
Prezado Prof. Francisco Nobrega,
ResponderExcluirAgradeço pelo envio das inúmeras referências de análises de comissões oficiais (ou não) de especialistas sobre o estudo de Séralini. Admito não ter lido nenhuma delas antes de publicar o post. Mas, pensando bem, é bastante plausível que estes organismos (as comissões oficiais, em especial) tenham se apressado em fazer as suas análises técnicas sobre um estudo que se autointitula “inédito e de conclusões alarmantes”.
Li agora a análise da CTNBio. Imagino que as demais tenham sido igualmente uníssonas em condenar o trabalho do grupo de Caen. Não deixa de ser surpreendente. O prof. Séralini parece cometer erros primários (para um pesquisador experiente) em “materiais e métodos” – capítulo básico da pesquisa em qualquer área – e, por consequência, na análise dos resultados.
“Os dados apresentados no estudo são inconclusivos e não permitem a formulação de novas hipóteses de investigação, não alterando o status quo do conhecimento nessa área”, consta da seção 2.3 (Quanto aos métodos estatísticos utilizados) do capítulo 2 (Metodologia utilizada) do relatório da CTNBio. Mais adiante, o documento diz, na seção 3.1 (Mortalidade) do capítulo 3 (Resultados): “todas as conclusões sobre o efeito negativo das substâncias testadas na saúde dos animais (medidas através da taxa de mortalidade) não fazem sentido, porque o que foi observado e da forma como foi analisado, não permitem fazê-las”.
Como o journal Food and Chemical Toxicology pode ter publicado um estudo desses? Se perguntaria qualquer pessoa, especialista ou não do “riscado”. Com todo o respeito, tenho minhas dúvidas se 10 anos é tempo suficiente para se dizer que “milhões de humanos, animais e aves se alimentam de milho transgênico sem qualquer problema”, como o Sr. afirma. Acho que nesta matéria, há ainda mais perguntas (como a que faz Séralini em seu livro, sobre quantos casos de câncer, doenças nervosas, hormonais e imunológicas se devam à ingestão de todo tipo de OGM) do que respostas definitivas.
E o que dizer (do que Séralini deixa claro, com aparente conhecimento de causa) dos grandes lobbies da indústria agroalimentar, de biotecnologia e medicamentos que financiam pesquisas e pesquisadores mundo afora? Seria muita ingenuidade supor que este poderoso lobby não tenha seus tentáculos em inúmeras dessas organizações (oficiais ou não) de especialistas. Isto remete a outra grande questão científica da atualidade: a da hipótese – já adotada como tese pela grande mídia – do aquecimento global antropogênico (AGA).
Sabemos que não há unanimidade no meio científico sobre esta questão. Climatologistas, meteorologistas (e demais especialistas da comunidade científica nacional e internacional dessa área) sabem muito bem o que significa, na prática, ser contra a hipótese do AGA: enormes dificuldades para obter financiamento para suas pesquisas. Não vejo absurdo que o mesmo se aplique à questão dos transgênicos.
Aproveito a ocasião, para reproduzir abaixo o comentário da bióloga Ana Paula de Oliveira, doutora em ecologia vegetal e bolsista de pós-doutorado da Universidade Federal de Uberlândia, sobre o post em questão.
Por Ana Paula de Oliveira (comentário feito em 21.11.12, no facebook de O Frio que vem do Sol):
ResponderExcluirEm uma época em que os pesquisadores nas universidades são "incentivados" a realizarem estudos com aplicações na indústria e agropecuária, projetos de leis ambientais são elaborados visando o interesse dos grandes latifundiários, entre tantas outras pressões, fica a dúvida se essa pesquisa sobre os efeitos dos transgênicos e agrotóxicos não apresenta mérito científico ou se existe manipulação das grandes empresas que lucram nesse setor nas críticas veiculadas na mídia.
Quantos medicamentos considerados seguros para a população foram retirados do mercado após inúmeras provas concretas de que eram prejudiciais? (Um exemplo é a talidomida, comercializada como um sedativo e hipnótico com poucos efeitos colaterais. A indústria farmacêutica que a desenvolveu acreditou que o medicamento era tão seguro que era propício para prescrever a mulheres grávidas, para combater enjôos matinais. Como resultado, incontáveis casos de malformações congênitas foram registrados em recém-nascidos cujas mães fizeram uso da substância. Em 2012, a Gruenenthal, empresa produtora da talidomida pediu desculpas pelos danos causados).
Na dúvida, o mais seguro continua tentar fazer uso de alimentos orgânicos, ter hábitos saudáveis e não acreditar "cegamente" nos benefícios apontados pelas empresas que lucram com a comercialização desses produtos!
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