quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

COP 25: entre o ‘Green Deal’ e o ‘Green New Deal’

Dois modelos de ‘pacto verde’ em prol do clima serão confrontados na conferência que se realiza na Espanha


O Green New Deal refere-se ao “Novo Pacto” adotado nos Estados Unidos sob o governo de Franklin Roosevelt (1933-1945), que permitiu a recuperação econômica do país após a grande depressão de 1929. 

Na Conferência das Partes de Madri, iniciada nesta semana, o New é mais que uma simples palavra entre os dois pactos que estarão em discussão: o de uma ‘ecologia liberal’ e outro, antagônico, de uma ‘ecologia popular’.

COP 25 em Madri? Prevista para Santiago, a convulsão social vivida pelo país andino, com brutal repressão policial a mando do governo, teve que ser transferida às pressas.

Nada mais ilustrativo do confronto entre os dois Deals para “salvar o planeta” que o Estado chileno se declarar impedido de sediar a conferência, em razão dos gigantescos protestos contra a política neoliberal vigente no país desde a ditadura sanguinária de Pinochet.

Uma das razões que levou a população chilena às ruas pelo país afora foi o resultado do sistema de aposentadorias imposto pelo regime militar. Desde seus primeiros “beneficiários”, há alguns anos, aos dias de hoje, a cruel constatação: milhões de idosos sem condições mínimas de sobrevivência.

Mas os itens da lista de insatisfação popular são inúmeros. Laboratório mundial da política neoliberal preconizada pela Escola de Chicago, o Chile tornou-se ao longo de quatro décadas um dos campeões da desigualdade social no continente.

Desastre comprovado na proteção social e na distribuição de renda, os princípios do neoliberalismo econômico pretendem agora balizar uma “ecologia de mercado”.

Na União Europeia, onde há um grande consenso sobre o diagnóstico das mudanças climáticas e seus efeitos catastróficos para as próximas gerações, as metas -já insuficientes- assumidas pelas partes na conferência de Paris (COP 21) não se concretizam. Em 2018, a França superou em 4,5% sua meta de emissões de carbono.

Isto sem falar na total omissão dos Estados Unidos ao engajamento mundial em prol do clima, mesmo sendo o segundo maior emissor de gases de efeito estufa do planeta, atrás da China.

Uma expressiva maioria de especialistas adverte, não sem alarde, que a questão climática não para de se agravar e que as iniciativas adotadas até o momento são ineficazes para enfrentar o problema.

Neste contexto, o Green Deal apresentado pela presidente da Comissão Europeia, a alemã Ursula von der Leyen, só pode ser visto com ceticismo. Pelo pacto proposto, o preço do carbono seria regulado por uma “extensão do sistema de trocas de cotas de emissão de gases de efeito estufa”.

Importantes analistas expressaram seu descrédito pela proposta, entre eles o experiente jornalista do Financial Times, Martin Wolf, para quem “o uso do incentivo de preços é inadequado” para limitar as emissões poluentes.

Transpor os princípios do neoliberalismo econômico ao domínio ambiental, como preconiza o Green Deal, é garantir estabilidade e competitividade ao atual sistema financeiro, em detrimento dos imperativos para se enfrentar a crise climática e assegurar uma transição ecológica com justiça social.

É tarde demais para contar com a força do “livre mercado” para limitar o aquecimento climático, dizem os críticos do neoliberalismo. Sendo um sistema comprovadamente catalizador de desigualdades sociais mundo afora, este não será capaz de garantir uma transição ecológica sustentável.

Em contraposição ao Green Deal, lideranças progressistas em vários países, como Estados Unidos, Canadá, Inglaterra e França, se unem em torno de um Green New DealUma alusão ao bem-sucedido New Deal de Roosevelt, que na década de 1930 recuperou os Estados Unidos de sua maior crise econômica, graças a investimentos públicos maciços em obras de infraestrutura.

A escritora e ativista canadense Naomi Klein é uma das personalidades defensoras deste novo pacto. Com o Green New Deal, “as pessoas não precisam escolher entre o fim do mês e o fim do mundo; é uma visão que reconhece o momento atual, em que as crises são completamente transversais, superpostas”, diz Klein.

Investimento público: este é o mote que norteia os precursores do Green New Deal. Em contraste à lógica do pacto verde proposto pela Comissão Europeia, toda “taxação ecológica” deve ser instrumentalizada em favor do conjunto da população, na forma de conquistas sociais advindas de um novo paradigma econômico.

O sistema financeiro e as grandes fortunas devem majoritariamente abastecer os cofres públicos com os recursos necessários para garantir, ao mesmo tempo, sustentabilidade à transição ecológica e bem estar social.

A base da economia que dará sustentação ao novo modo de produção e consumo com baixa emissão de carbono passa necessariamente pela aquisição de novos direitos sociais e pelo aumento do poder de compra da população.

E isto só será possível com a ampliação de novos postos de trabalho na indústria e no campo. É certo que o irrefreável processo de robotização e a financeirização ilimitada das economias são empecilhos para impulsionar o emprego industrial.

Daí a necessidade de políticas públicas para enfrentar este desafio, como também para fomentar uma produção agrícola com mais mão de obra e menos agrotóxicos.

A fabricação de novos produtos e equipamentos energeticamente mais eficientes ou à base de energia renovável devem ser priorizados, como nichos industriais geradores de postos de trabalho.

Entre o Green Deal e o Green New Deal há muito mais que uma palavra que os diferencia: o primeiro representa um velho mundo, socialmente falido, o do neoliberalismo; o segundo preconiza um novo mundo -o de uma “ecologia popular”-, uma mudança de paradigma, um novo marco civilizatório.

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