Dois modelos de ‘pacto verde’ em prol do clima serão confrontados na conferência que se realiza na Espanha
O Green New Deal refere-se ao “Novo Pacto” adotado nos Estados
Unidos sob o governo de Franklin Roosevelt (1933-1945), que permitiu a
recuperação econômica do país após a grande depressão de 1929.
Na
Conferência das Partes de Madri, iniciada nesta semana, o New é mais que
uma simples palavra entre os dois pactos que estarão em discussão: o de uma ‘ecologia
liberal’ e outro, antagônico, de uma ‘ecologia popular’.
COP
25 em Madri? Prevista para Santiago, a convulsão social vivida pelo país
andino, com brutal repressão policial a mando do governo, teve que ser
transferida às pressas.
Nada
mais ilustrativo do confronto entre os dois Deals para “salvar o planeta” que o Estado chileno se declarar impedido de sediar a conferência,
em razão dos gigantescos protestos contra a política neoliberal vigente no país
desde a ditadura sanguinária de Pinochet.
Uma
das razões que levou a população chilena às ruas pelo país afora foi o resultado do
sistema de aposentadorias imposto pelo regime militar. Desde seus primeiros “beneficiários”,
há alguns anos, aos dias de hoje, a cruel constatação: milhões de idosos sem condições
mínimas de sobrevivência.
Mas
os itens da lista de insatisfação popular são inúmeros. Laboratório mundial da
política neoliberal preconizada pela Escola de Chicago, o Chile tornou-se ao longo de quatro décadas um dos campeões da desigualdade social no continente.
Desastre
comprovado na proteção social e na distribuição de renda, os princípios do neoliberalismo
econômico pretendem agora balizar uma “ecologia de mercado”.
Na
União Europeia, onde há um grande consenso sobre o diagnóstico das mudanças
climáticas e seus efeitos catastróficos para as próximas gerações, as metas -já
insuficientes- assumidas pelas partes na conferência de Paris (COP 21) não se concretizam.
Em 2018, a França superou em 4,5% sua meta de emissões de carbono.
Isto
sem falar na total omissão dos Estados Unidos ao engajamento mundial em prol do
clima, mesmo sendo o segundo maior emissor de gases de efeito estufa do planeta,
atrás da China.
Uma
expressiva maioria de especialistas adverte, não sem alarde, que a questão
climática não para de se agravar e que as iniciativas adotadas até o momento são
ineficazes para enfrentar o problema.
Neste
contexto, o Green Deal apresentado pela presidente da Comissão Europeia, a
alemã Ursula von der Leyen, só pode ser visto com ceticismo. Pelo pacto proposto, o preço do carbono seria regulado por uma “extensão
do sistema de trocas de cotas de emissão de gases de efeito estufa”.
Importantes
analistas expressaram seu descrédito pela proposta, entre eles o experiente
jornalista do Financial Times, Martin Wolf, para quem “o uso do
incentivo de preços é inadequado” para limitar as emissões poluentes.
Transpor
os princípios do neoliberalismo econômico ao domínio ambiental, como preconiza o
Green Deal, é garantir estabilidade e competitividade ao atual sistema
financeiro, em detrimento dos imperativos para se enfrentar a crise climática e
assegurar uma transição ecológica com justiça social.
É
tarde demais para contar com a força do “livre mercado” para limitar o
aquecimento climático, dizem os críticos do neoliberalismo. Sendo um sistema comprovadamente
catalizador de desigualdades sociais mundo afora, este não será capaz de garantir
uma transição ecológica sustentável.
Em
contraposição ao Green Deal, lideranças progressistas em vários países,
como Estados Unidos, Canadá, Inglaterra e França, se unem em torno de um Green
New Deal. Uma
alusão ao bem-sucedido New Deal de Roosevelt, que na década de 1930 recuperou
os Estados Unidos de sua maior crise econômica, graças a investimentos públicos maciços em obras de
infraestrutura.
A
escritora e ativista canadense Naomi Klein é uma das personalidades defensoras deste novo
pacto. Com o Green New Deal, “as pessoas não precisam escolher entre o
fim do mês e o fim do mundo; é uma visão que reconhece o momento atual, em que
as crises são completamente transversais, superpostas”, diz Klein.
Investimento
público: este é o mote que norteia os precursores do Green New Deal. Em
contraste à lógica do pacto verde proposto pela Comissão Europeia, toda “taxação
ecológica” deve ser instrumentalizada em favor do conjunto da população, na
forma de conquistas sociais advindas de um novo paradigma econômico.
O
sistema financeiro e as grandes fortunas devem majoritariamente abastecer os cofres
públicos com os recursos necessários para garantir, ao mesmo tempo, sustentabilidade
à transição ecológica e bem estar social.
A
base da economia que dará sustentação ao novo modo de produção e consumo com baixa
emissão de carbono passa necessariamente pela aquisição de novos direitos
sociais e pelo aumento do poder de compra da população.
E
isto só será possível com a ampliação de novos postos de trabalho na indústria
e no campo. É certo que o irrefreável processo de robotização e a financeirização ilimitada das economias são empecilhos para impulsionar o emprego industrial.
Daí
a necessidade de políticas públicas para enfrentar este desafio, como também
para fomentar uma produção agrícola com mais mão de obra e menos agrotóxicos.
A
fabricação de novos produtos e equipamentos energeticamente mais eficientes ou
à base de energia renovável devem ser priorizados, como nichos industriais
geradores de postos de trabalho.
Entre
o Green Deal e o Green New Deal há muito mais que uma palavra que
os diferencia: o primeiro representa um velho mundo, socialmente falido, o do
neoliberalismo; o segundo preconiza um novo mundo -o de uma “ecologia
popular”-, uma mudança de paradigma, um novo marco civilizatório.
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