Imagens do satélite Sentinel-5P mostram as
concentrações de um dos gases atmosféricos de efeito estufa (o dióxido de
nitrogênio, NO2), sobre a França e parte da Alemanha, em março de 2019 e entre
14 e 25 de março de 2020, durante o isolamento social. IMAGENS: Agência
Espacial Europeia (ESA)/AFP
Os
efeitos da pandemia de Covid-19, ou, mais precisamente, do isolamento social adotado mundo afora para combatê-la, sobre
as emissões atmosféricas poluentes parecem indiscutíveis.
A
NASA tem constatado o fenômeno na China, desde o mês de fevereiro. Medidas de
confinamento humano adotadas em outros países da Ásia, principalmente na Índia,
Europa, América e África levaram a uma desaceleração da economia mundial.
Os
números falam por si: pesquisa da IHS Markit revela que, na zona do euro, a
atividade da indústria de manufaturados sofreu uma queda de 10% em março (nível
comparável ao de 2012); no setor de serviços, uma queda nunca observada: 47%, na
Itália, 65%.
Em
relação a atividades econômicas mais visíveis e diretamente poluentes, como o
setor de transportes, as estatísticas são ainda mais impressionantes.
Nos
EUA, na semana de 21 a 27 de março o tráfego rodoviário caiu 38% comparado ao
da semana de 22 a 28 de fevereiro. Mais importante ainda foi a queda em algumas
metrópoles americanas: 62% em Detroit, 54% em San Francisco, 48% em Nova
Iorque.
De
acordo com dados da Citymapper, o tráfego nas grandes cidades do mundo mais
afetadas pelo surto do novo coronavírus é praticamente inexistente: 3% em
Barcelona, Madri e Milão; 5% em Paris e Washington, etc.
Já
o tráfego aéreo, após um recuo de 14% em fevereiro (segundo
a IATA), os voos foram drasticamente suprimidos em março. O número global de fevereiro
foi fortemente influenciado pela redução expressiva dos voos na zona Ásia-Pacífico,
de 43%, especialmente no interior da China. O segundo maior aeroporto da
França (Orly) foi fechado no final de março.
Apesar
da incontestável redução das emissões atmosféricas poluentes, devido à queda
da atividade econômica, especialmente nas grandes cidades, a catastrófica
pandemia que assola o planeta seria uma dádiva para o clima?
Certamente
não, ou muito pouco, porque o que conta é a concentração de gases de efeito estufa já presente na atmosfera antes de eclodir o surto do novo
coronavírus.
O
fato de não se liberar mais gases poluentes nas últimas semanas pouco influi. A
menos que esta redução de emissões perdure por um longo período, de modo que a
concentração atmosférica dos gases estufa se estabilize e, em seguida, comece a
diminuir.
De
fato, os satélites da NASA e da ESA registraram uma redução de 30 a 45% nas
concentrações de CO2 na China, entre fevereiro e o início de março de 2020 e o
mesmo período de 2019.
Segundo
a NOAA/ESRL, em setembro de 2019, a concentração atmosférica total de CO2
equivalente foi de 408,6 ppm (partes por milhão); em fevereiro de 2020 foi de
414,1 ppm e, em março de 2020, de 414,5 ppm. Portanto, a dinâmica das emissões
parece indicar uma estabilidade nos últimos dois meses.
Não
há dúvida de que o nível das emissões anuais em 2020 será baixo, acompanhando a redução substancial do PIB
global. E não se pode imaginar uma
retomada econômica rápida, uma vez superada a pandemia.
Alguns
países europeus já começam a falar no fim do isolamento social, mas todos sabem
que isto não se dará da noite para o dia, e que cada país terá seu próprio
cronograma de retorno às atividades econômicas.
Na
China, país que mais rapidamente controlou a epidemia de Covid-19, a volta da
população das regiões mais afetadas às suas atividades normais, tem sido muito
difícil. E não será diferente nos demais países.
Globalmente,
a atividade econômica só poderá ser retomada de forma progressiva. Mesmo que um
determinado país volte à normalidade aparentemente rápido, ela poderá ser
perturbada por fornecedores ou clientes de um outro país.
Alguns
cientistas, que não excluem a possibilidade de nova disseminação do vírus
SARS-CoV-2, preveem sérias perturbações na vida social e econômica dos países,
que podem durar até dois anos.
Muitos
analistas repetem a mesma cantilena, como sempre fazem em momentos de crise
profunda: “estamos vivendo um momento histórico e o mundo não será mais o mesmo
daqui para a frente”.
Mas
por que o mundo seria diferente? A resposta está na resiliência, afirma o experiente
jornalista Gérard Horny, do portal francês Slate. “Resiliência é um conceito da
física de metais, que neste caso exprime a capacidade de uma sociedade resistir
a um trauma, isto é, de voltar a seu estado anterior”, diz Horny.
Para
o jornalista, especializado em questões econômicas, após a crise causada pelo
coronavírus, nossa organização social e econômica tende a retornar à situação anteriormente
vigente. “Coletivamente, o que nós desejamos? Reencontrar nossa vida normal,
aquela de antes”, questiona e responde Horny.
É
pouco provável que dirigentes políticos e empresários no mundo todo abdiquem do caminho
mais fácil e rápido de retomar os rumos da economia, fazendo girar a mesma máquina,
momentaneamente emperrada. Na China, por exemplo, a retomada econômica
implicará no uso ainda mais intensivo do carvão, um combustível altamente emissor
de gases poluentes.
Mas
não é difícil encontrar ideias otimistas, que preveem um mundo pós-pandemia com uma retomada econômica sem maiores impactos sobre o clima. Para o professor de
economia da Universidade de Paris-Dauphine, Christian de Perthuis, “um declínio
histórico das emissões globais de CO2 começou”.
Perthuis
acredita que a crise sanitária mundial nos obrigará a experimentar modos inovadores
de organização e produção, que mantenham a redução das emissões atmosféricas após
o isolamento social.
Que
esta pandemia tenha colocado em evidência as fragilidades do nosso modelo de desenvolvimento,
não há o que se discutir. Seria razoável, portanto, se esperar uma correção de rota.
Só
que, levando em conta o estrago já contabilizado no PIB global nos meses de
março, abril e talvez além, a urgência em retomar a atividade econômica de
forma acelerada falará mais alto.
A
intensidade do choque econômico imposto pela pandemia de Covid-19 é algo
inédito, nada comparável à crise global precedente, que emergiu em 2008 e se estendeu
até 2012.
Para
todos os agentes econômicos, empresas e trabalhadores, assim como para os
Estados, se imporá a necessidade de recuperação o mais rápido possível. Nessa
ótica, nada mais seguro do que retomar as atividades de onde elas foram interrompidas
e prosseguir, seguindo o mesmo modelo.
Políticas
industriais “nacionalistas”, que visem a relocalização da produção de bens estratégicos,
de modo a garantir autonomia às nações em tempos de crise como a vivenciada
atualmente, precisarão de financiamentos significativos. A opção generalizada por um modo de transporte e produção de energia “de baixo carbono” também demandará
altos investimentos.
Ora,
num momento em que empresas e Estados já sofrem prejuízos incalculáveis com
a queda na produção decorrente do isolamento social, é inimaginável que uma
nova ordem econômica venha se estabelecer. Os problemas financeiros servirão de
pretexto aos céticos do clima para que nada seja feito para que o baixo nível
de emissões atual seja sustentável.
Nos
Estados Unidos, um acordo entre republicanos e democratas para a adoção de um
plano econômico emergencial de 2,2 trilhões de dólares só foi possível mediante
fortes concessões em desfavor do meio ambiente.
Negociadores
do plano que visavam incluir ações em prol do clima foram obrigados a renunciar
à exigência ao setor aéreo de reduzir suas emissões de carbono, permitindo o
abandono das pesquisas em combustível verde que as empresas deveriam financiar.
Os setores de energia solar e eólica também não foram incluídos no plano trilionário
americano.
Ainda
no bojo deste mega plano econômico, o oportunista e cético do clima presidente
Trump aproveitou para permitir um afrouxamento dos esforços da indústria automobilística, para atender ao controle federal de emissões preconizado pela administração
Obama. Sem falar na execução, a partir deste mês, do projeto de um oleoduto para
transportar petróleo do estado canadense de Alberta para os EUA, vetado no
governo Obama.
O
governo Trump decidiu, ainda, submeter à exploração da indústria de petróleo as
reservas estatais de óleo cru. Do outro lado do mundo, a subsidiária russa da Gazprom
está prestes a iniciar a construção de um oleoduto para levar gás da Sibéria
para a China.
No âmbito da União Europeia, várias ações já foram recenseadas em Bruxelas pela jornalista
especializada em assuntos de energia, Anna Hubert, para frear o Green Deal,
anunciado pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.
“Para
priorizar a retomada da atividade econômica, não podemos deixar de rever certas
diretrizes legislativas”, declara James Watson, presidente da Eurogas. O
Primeiro-Ministro da República Tcheca Andrej Babis afirma que “no momento, a
Europa deve esquecer o Green Deal e se concentrar no combate ao
coronavírus”.
Enquanto
a Suprema Corte da Holanda confirma a decisão de que o país deve adotar as
medidas necessárias para cumprir a meta de redução de emissões de carbono em
25%, em relação a 1995, seu ministro
da economia declara, a propósito do Green Deal, que “muitos países e nós
mesmo temos agora outras prioridades”.
São
muitos os exemplos que colocam em xeque as políticas dos paises para reduzir emissões
atmosféricas. A Conferência Mundial do Clima (COP 26), prevista para novembro
em Glasgow (Escócia) e adiada para 2021, deverá abordar, entre outros pontos, a
redefinição das políticas que os países signatários do Acordo de Paris (2015)
devem seguir e as regras de funcionamento do mercado de carbono.
Embora
o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, tenha julgado necessário a
continuidade dos esforços na luta contra a mudança climática, lembrando que “a
ciência sobre o clima não mudou”, é evidente que muitos Estados aproveitarão o
adiamento da conferência para retardar a adoção de medidas em favor do clima.
Para o climatologista francês Jean Jouzel, “o que se faz para
[combater] o coronavírus equivale a dois anos de financiamento em prol do clima”.
Ele estima que a queda das emissões durante a pandemia pode ser
seguida por um período de liberação maciça de CO2 na atmosfera.
Jouzel afirma que para fazer face à transição energética, a França precisa injetar em
sua economia 20 bilhões de euros adicionais por ano. No entanto, o PIB francês encolheu
nos três primeiros meses do ano 6%! E a atividade industrial no país foi
reduzida a 25% de sua capacidade.
O
que já era difícil obter em tempos de crescimento econômico, parece ainda menos
provável com economias em recessão, quando os países tentarão recuperá-las no mais curto espaço de tempo.
Tudo parece indicar que 2019 não tenha sido o ano do pico de emissões dos gases
de efeito estufa.
Fontes:
Nenhum comentário:
Postar um comentário