Noam
Chomsky, palestrando no International Forum for Emancipation and Equality,
em Buenos Aires, em 2015. (FOTO: Augusto Starita/Ministerio de Cultura de la
Nación)
Em
entrevista recente ao jornalista Robert Scheer, editor-chefe do portal Truthdig,
Noam Chomsky expõe sua visão sobre o futuro da humanidade, que segundo ele já
estaria sob um sistema global de tecno-vigilância.
Confrontado
às obras ficcionais de Huxley e Orwell, ele explica por que já vivemos num
mundo distópico, onde tecnologias de informação são usadas para controlar a sociedade.
Distopia,
do grego dys (anomalia) e topos (lugar), é a antiutopia, ou uma
utopia fundada em princípios degradantes, que pode representar um modelo de
sociedade sob um poder totalitário, mas também um mundo pós-apocalíptico,
advindo de uma catástrofe ambiental, uma guerra nuclear ou uma pandemia.
As
distopias mais conhecidas estão em o “Admirável Mundo Novo” (1932), de Aldous
Huxley, e “1984” (1949), de George Orwell. Mas é em “Nós” (1921), do
russo Yevgeny Zamyatin e The Age of Surveillance Capitalism (2019), da
americana Shoshana Zuboff, que Chomsky se baseia para descrever o modelo de
sociedade sob tecno-vigilância já em curso nos EUA e outros países.
O
cenário de “Nós” é um mundo geométrico, racional e programado, regido por um Estado
totalitário que planeja cientificamente a “felicidade aritmética” dos seus
cidadãos. O romance se desenrola no contexto do regime soviético dos anos 1920; por meio dele, Zamyatin
se insurge contra a despersonalização do indivíduo e fustiga a sociedade mecanizada que
emerge no início do século XX.
Já
em “Capitalismo de Vigilância”, o foco está na coexistência dos capitalismos empresarial e “de
vigilância”, ambos operando sob a mesma lógica. O cidadão tem sua privacidade invadida
pelas grandes corporações da comunicação digital, sem que os Estados possam
legislar sobre a natureza de seus negócios, como explica em sua tese de doutorado
Lucas Bambozzi, pesquisador em novas mídias.
Na
visão de Chomsky, empresas como Google, Amazon e outras, que operam nos Estados
Unidos e no exterior, encontram continuamente novas maneiras de exercer
controle sobre a humanidade.
As
informações coletadas por essas empresas, ao nos propor uma publicidade, por
exemplo, de um restaurante tailandês (previamente sabem que você gosta da
culinária tailandesa) quando chegamos em uma cidade que não conhecemos, não são
usadas apenas para esta recomendação, mas também “para nos controlar”, diz
Chomsky.
Na
Suécia, chips high-tech subcutâneos começam a se popularizar entre trabalhadores.
“Aqueles que aceitam implantar sob a pele um chip desses tem acesso gratuito à
máquina de café e outros benefícios, só que o chip controla também suas ações.”
“O
tipo de modelo para o qual a sociedade caminha já é realidade na China, onde operam
robustos sistemas de vigilância, ao que eles chamam de sistema de crédito
social. A
pessoa recebe um determinado número de pontos; se ela viola uma regra de
trânsito, perde alguns, mas se ajuda uma senhora a atravessar a rua, ela ganha
pontos”. Logo isto será normalizado e a vida da pessoa será condicionada ao
cumprimento de regras pré-estabelecidas, explica o professor do MIT.
São
vários os exemplos de tecno-vigilância citados por Chomsky. “À medida que
avançamos para a ‘internet das coisas’, todos os equipamentos ao seu redor, sua
geladeira, escova de dentes, etc. estarão obtendo informações sobre o que você
está fazendo e prevendo fazer, tentando controlar os seus passos e aconselhar o
que você deve fazer em seguida”.
Talvez
o mais alarmante seja Chomsky afirmar que “Huxley estava certo” ao postular que
as pessoas podem não ver [esta forma de vigilância] como invasiva; elas veem apenas
como algo da vida, como o sol que nasce de manhã”.
Em
“Admirável Mundo Novo”, Huxley descreve uma ditadura perfeita, com aparência de
democracia, onde as pessoas são escravizadas, mas, por meio de um sistema de
consumismo e entretenimento, elas se sentem felizes e nunca almejam se libertar.
Para
além da relação imbricada entre a personalização dos serviços e a
tecno-vigilância planejada, o linguista avalia que o aquecimento climático é
uma ameaça direta à sobrevivência da espécie humana.
“Se
pensarmos que estamos aqui há cerca de cem mil anos, supõe-se que devemos ser a
espécie mais inteligente, mas atualmente estamos destruindo a possibilidade de
uma vida humana organizada”, estima o criador da gramática gerativa.
Em
seu livro “O império americano: hegemonia ou sobrevivência” (2014), Chomski se
apoia na tese do biólogo Ernst Mayr, para quem “a inteligência parece ser uma
forma de mutação letal”. Em sua visão, o chamado “sucesso biológico” -que
permite a permanência e a proliferação da espécie- acontece na medida inversa
da escala do que se entende por inteligência; quanto mais alta, menor a
capacidade de sobrevivência.
Nesta
ótica, Chomsky fala do incrível fracasso global em lidar com a crise climática e
a corrida armamentista nuclear, que estão levando a humanidade a um precipício,
do qual pode ser difícil se afastar.
Chomsky
se diz convencido de que os dirigentes da ExxonMobil ou da JPMorgan Chase sabem
tanto do aquecimento climático quanto qualquer um de nós; “eles sabem que a intensificação
do uso de combustíveis fósseis certamente irá inviabilizar as possibilidades de
uma vida humana organizada.”
Para
o socialista libertário, o presidente Trump, que elogia aqueles dirigentes como
“os melhores e mais brilhantes”, tenta agradar ao mesmo tempo seus fiéis
eleitores e os ricos poderosos, para assim controlar os demais. Daí o seu
discurso em favor dos combustíveis fósseis, do uso intensivo do carvão.
“A
administração Trump chegou a produzir um relatório de 700 páginas, que prevê um
cenário descrito por cientistas como cataclísmico, com uma elevação de
temperatura de 3,9 oC até o final do século, ou seja, o dobro do que
a vida humana poderia suportar”, prossegue Chomsky.
A
reação de Trump, lamenta o linguista, foi o deboche: “não vamos impor controle
sobre emissões de carros e caminhões; já que teremos que atravessar o penhasco
do todo jeito, porque não fazê-lo de forma divertida?”
Mas
o aquecimento climático não é a única grande ameaça à humanidade, pondera o
pensador americano, autor de dezenas de livros. Chomsky diz que outra grande
ameaça é uma guerra nuclear. A interrupção do tratado de desarmamento nuclear, “que
nos manteve vivos até agora [é uma ameaça]; de certo modo é um milagre termos sobrevivido a isso, se olharmos para a história
das armas nucleares”.
Agora
podemos produzir livremente cada vez mais armas de destruição em massa, e não apenas
nos Estados Unidos, já que outros países também podem fabricá-las, para manter
os negócios globais do setor bélico, afirma Chomsky.
“Nunca
houve um momento mais crítico na história do homem, este em que devemos nos
perguntar: nossa espécie sobreviverá sob alguma forma reconhecível? E vale
também para outras espécies, já que muitas estão sendo destruídas a uma taxa nunca
antes observada”.
Em
entrevista ao filósofo Srecko Horvat, no último dia 28 de março, Noam Chomsky
analisa o cenário da pandemia do novo coronavírus e traça um quadro desolador
para o futuro próximo. Para ele, a atual crise de coronavírus é consequência de
uma falha colossal do mercado, causada pela “selvagem intensificação neoliberal
de profundos problemas sócio-econômicos”.
“Sabia-se
da provável ocorrência de uma pandemia dessas, com a mutação do vírus SARS
surgido 15 anos atrás, mas ela foi subestimada. Desde aquele momento, laboratórios
do mundo todo poderiam estar trabalhando para criar uma proteção contra uma potencial
pandemia de coronavírus.”
E
por que não fizeram isso? A resposta passa pela indústria farmacêutica, estima
Chomsky. “Entregamos nosso destino à tiranias privadas, corporações, que são de
difícil compreensão do público, neste caso o Big Pharma”, explica. Eles
preferem criar cremes para o corpo, porque são mais lucrativos do que
desenvolver uma vacina.
Chomsky
avalia que “é possível o governo intervir, voltar às mobilizações dos tempos de
guerra, como no caso da pólio, uma terrível ameaça que foi contida pela vacina de
Salk (em 1955), desenvolvida por uma instituição estatal da administração
Roosevelt”, conclui.
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