O
verão europeu de 2019 registrou uma temperatura média recorde, com fortes ondas
de calor e chuvas torrenciais que afetaram meio bilhão de habitantes.
Meses
depois, a humanidade enfrenta a maior crise sanitária dos últimos 100 anos, com
drástica redução da atividade econômica e, portanto, das emissões antrópicas de
CO2 que contribuem para o aquecimento atmosférico.
De
acordo com o relatório do IPCC de 2014, as atividades humanas já provocaram um
aquecimento planetário de 1 oC desde o período pré-industrial,
podendo chegar a 1,5 oC entre 2030 e 2052, mantido o ritmo de
emissões poluentes que vigorava até surgir a pandemia de Covid-19.
A
previsão mais pessimista para 2100 é de uma elevação de 4,8 oC e a
mais otimista, em que a “trajetória de emissões” advenha de uma economia de
baixo carbono sustentável, mantém o aumento de 1,5 oC previsto para
meados do século.
A
falta de consenso na COP 21 (Paris, 2015) entre chefes de estado de vários
países poluidores, incluindo os EUA, levou especialistas a considerar cenários menos
favoráveis para manter o aquecimento climático dentro de limites aceitáveis
para a vida, no horizonte de 2100.
Enquanto
isso, em 11 dos últimos 20 anos foram registradas as temperaturas mais altas já
observadas entre os 12 anos mais quentes desde o início das medições, há cerca
de 150 anos.
Agora,
cientistas podem avaliar novos cenários para modelar o futuro do clima, dada a
forte retração da economia global iniciada em fevereiro, na China e logo de
forma generalizada em todo o globo, causada pelo confinamento humano de grandes
proporções, adotado como estratégia no combate à pandemia de coronavírus.
Os
grandes líderes mundiais irão mirar 2050 com um olhar do que se passa em 2020, tomando
a pandemia de coronavírus como um ponto de inflexão na luta contra o
aquecimento climático.
As
nações se unem para controlar a pandemia, abrindo caminho para uma nova era de
cooperação global nos esforços para se evitar uma catástrofe ambiental. Grandes
investimentos em energia verde e tecnologias limpas permitirão limitar o
aquecimento planetário a 1,5 oC acima dos níveis pré-industriais.
Mas,
apesar da queda temporária das emissões de carbono provocada pela crise
sanitária, é possível que os países vejam nos baixos preços dos combustíveis
fósseis o caminho mais rápido para reerguer suas economias.
Consequentemente,
a concentração de gases de efeito estufa evoluiria numa trajetória de crescimento
acelerado, projetando um cenário caótico, de um aquecimento climático de até 5 oC
para o final do século.
Essas
são apenas duas possíveis previsões para o futuro do clima da Terra. Por ora, só
se sabe como a pandemia começou, mas ninguém é capaz de dizer que rumo ela
tomará, muito menos como será seu desfecho, o tamanho e a duração do seu
impacto no plano econômico e social.
As
incertezas sobre a evolução do aquecimento planetário até o final do século, pelo
advento inesperado da pandemia que retraiu fortemente a economia global, é um
terreno fértil para a análise de novos cenários climáticos para as próximas
décadas.
Daí
a ciência buscar estabelecer outros cenários para as trajetórias de emissões,
em função das políticas que venham a ser adotadas conjuntamente pelos países e de
como o planeta reagirá às diferentes concentrações de gases que causam o aquecimento
atmosférico.
Os
principais modelos climáticos usados em estudos recentes incluem pela primeira
vez projeções de como a Terra poderá responder às diversas vias de
desenvolvimento socioeconômico. Os resultados do estudo servirão de base para a
próxima grande avaliação do aquecimento climático a ser elaborada pelo IPCC e divulgada
em 2021.
Pesquisadores
do US Global Change Research Program (US-GCRP) desenvolveram 5 novos
cenários, denominados Vias Socioeconômicas Compartilhadas (SSPs, na sigla em
inglês), que complementam antigos cenários, as chamadas Vias de Concentração
Representativa (RCPs).
Estes
cenários trazem para a atualidade um conjunto de possibilidades de aquecimento utilizado
na década passada, que indicam para 2100 aumentos de temperatura que vão de 1,5
oC (cenário SSP1-1.9, com pico de 1,6 oC por volta de
2050) a 5,1 oC (SSP5); este último sendo ainda mais devastador que o
pior dos cenários anteriores (RCP8.5), que prevê um aumento de 4,8 oC.
À
época, o RCP8.5 foi motivo de controvérsia entre especialistas. Uma das
hipóteses para conceber este cenário é a liberação de grandes quantidades de
metano do permafrost ártico, que podem equivaler a um expressivo uso de
combustível fóssil.
Para
Glen Peters, especialista em política climática do Centro Internacional de
Pesquisa do Clima de Oslo (Noruega), o RCP8.5 é um cenário irrealista, porque
seria preciso multiplicar por 5 o consumo de carvão até o final do século, algo
que contradiz várias previsões energéticas que apontam para uma estabilização
do uso deste combustível nas próximas décadas.
Donald Wuebbles, climatologista da Universidade de Illinois, em Urbana-Champaign
(EUA), participante do US-GCRP e um dos autores da mais recente Avaliação Nacional
do Clima dos Estados Unidos (publicada em 2017), adverte que “estamos tentando entender os riscos
e não prevendo o futuro”.
Os
novos cenários avaliados não foram concebidos para prever emissões, mas para
investigar os diferentes níveis de aquecimento relacionados aos respectivos tipos
de desenvolvimento econômico, explica Wuebbles.
Eles
ajudam pesquisadores a testar seus modelos, para predizer o impacto do aumento
de gases de efeito estufa no clima; auxiliam economistas a explorar os custos das
diferentes políticas, e ecologistas a prever as alterações de ecossistemas. Os
autores dos SSPs conceberam tais cenários como sendo muito próximos da
trajetória de emissões dos Estados Unidos e outras grandes potências mundiais.
O
cenário SSP3, por exemplo, que prevê um aumento de 4,1 oC, é
definido pelo ressurgimento do nacionalismo. Ele considera que a competitividade
econômica e a segurança levam países às guerras comerciais. Esforços nacionais
para garantir segurança energética e alimentar poderão impor uma nova ordem econômica
mundial nas próximas décadas.
A
nova formulação de cenários (SSPs) traz nuances de realidades possíveis, situadas
entre os extremos previstos no relatório de 2014 do IPCC, permitindo
alternativas aos formuladores de políticas de mitigação do aquecimento
climático.
A
mudança de rota de um cenário prevendo uma elevação de 3 oC, preconizada
por muitos estudos, para um cenário com 1,5 oC (SSP1-1.9), principal
objetivo da COP21, demandaria investimentos muito menores, do que partindo-se de
um cenário extremo.
“Os
custos de uma transição do cenário RPC8.5, que prevê um aumento de temperatura
de 5 oC até 2100, para o SSP1-1.9, podem parecer exorbitantes,
porque não incorporam os custos decrescentes de muitas tecnologias de baixo
carbono desenvolvidas na última década”, afirma Glen Peters.
Peters
defende que a próxima avaliação do IPCC explore em profundidade os espaços
entre os cenários extremos oferecidos pelos SSPs, para que os impactos
climáticos sejam comunicados com maior clareza e, assim, tornem-se mais
palatáveis aos líderes mundiais.
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