sexta-feira, 24 de abril de 2020

Clima: qual será a temperatura da Terra no final do século?

Cientistas estudam novos cenários de aquecimento climático, considerando diferentes políticas econômicas


O verão europeu de 2019 registrou uma temperatura média recorde, com fortes ondas de calor e chuvas torrenciais que afetaram meio bilhão de habitantes.

Meses depois, a humanidade enfrenta a maior crise sanitária dos últimos 100 anos, com drástica redução da atividade econômica e, portanto, das emissões antrópicas de CO2 que contribuem para o aquecimento atmosférico.

De acordo com o relatório do IPCC de 2014, as atividades humanas já provocaram um aquecimento planetário de 1 oC desde o período pré-industrial, podendo chegar a 1,5 oC entre 2030 e 2052, mantido o ritmo de emissões poluentes que vigorava até surgir a pandemia de Covid-19.

A previsão mais pessimista para 2100 é de uma elevação de 4,8 oC e a mais otimista, em que a “trajetória de emissões” advenha de uma economia de baixo carbono sustentável, mantém o aumento de 1,5 oC previsto para meados do século.

A falta de consenso na COP 21 (Paris, 2015) entre chefes de estado de vários países poluidores, incluindo os EUA, levou especialistas a considerar cenários menos favoráveis para manter o aquecimento climático dentro de limites aceitáveis para a vida, no horizonte de 2100.

Enquanto isso, em 11 dos últimos 20 anos foram registradas as temperaturas mais altas já observadas entre os 12 anos mais quentes desde o início das medições, há cerca de 150 anos.

Agora, cientistas podem avaliar novos cenários para modelar o futuro do clima, dada a forte retração da economia global iniciada em fevereiro, na China e logo de forma generalizada em todo o globo, causada pelo confinamento humano de grandes proporções, adotado como estratégia no combate à pandemia de coronavírus.

Os grandes líderes mundiais irão mirar 2050 com um olhar do que se passa em 2020, tomando a pandemia de coronavírus como um ponto de inflexão na luta contra o aquecimento climático.

As nações se unem para controlar a pandemia, abrindo caminho para uma nova era de cooperação global nos esforços para se evitar uma catástrofe ambiental. Grandes investimentos em energia verde e tecnologias limpas permitirão limitar o aquecimento planetário a 1,5 oC acima dos níveis pré-industriais.

Mas, apesar da queda temporária das emissões de carbono provocada pela crise sanitária, é possível que os países vejam nos baixos preços dos combustíveis fósseis o caminho mais rápido para reerguer suas economias.

Consequentemente, a concentração de gases de efeito estufa evoluiria numa trajetória de crescimento acelerado, projetando um cenário caótico, de um aquecimento climático de até 5 oC para o final do século.

Essas são apenas duas possíveis previsões para o futuro do clima da Terra. Por ora, só se sabe como a pandemia começou, mas ninguém é capaz de dizer que rumo ela tomará, muito menos como será seu desfecho, o tamanho e a duração do seu impacto no plano econômico e social.

As incertezas sobre a evolução do aquecimento planetário até o final do século, pelo advento inesperado da pandemia que retraiu fortemente a economia global, é um terreno fértil para a análise de novos cenários climáticos para as próximas décadas.

Daí a ciência buscar estabelecer outros cenários para as trajetórias de emissões, em função das políticas que venham a ser adotadas conjuntamente pelos países e de como o planeta reagirá às diferentes concentrações de gases que causam o aquecimento atmosférico.

Os principais modelos climáticos usados em estudos recentes incluem pela primeira vez projeções de como a Terra poderá responder às diversas vias de desenvolvimento socioeconômico. Os resultados do estudo servirão de base para a próxima grande avaliação do aquecimento climático a ser elaborada pelo IPCC e divulgada em 2021.

Pesquisadores do US Global Change Research Program (US-GCRP) desenvolveram 5 novos cenários, denominados Vias Socioeconômicas Compartilhadas (SSPs, na sigla em inglês), que complementam antigos cenários, as chamadas Vias de Concentração Representativa (RCPs).

Estes cenários trazem para a atualidade um conjunto de possibilidades de aquecimento utilizado na década passada, que indicam para 2100 aumentos de temperatura que vão de 1,5 oC (cenário SSP1-1.9, com pico de 1,6 oC por volta de 2050) a 5,1 oC (SSP5); este último sendo ainda mais devastador que o pior dos cenários anteriores (RCP8.5), que prevê um aumento de 4,8 oC.

À época, o RCP8.5 foi motivo de controvérsia entre especialistas. Uma das hipóteses para conceber este cenário é a liberação de grandes quantidades de metano do permafrost ártico, que podem equivaler a um expressivo uso de combustível fóssil.

Para Glen Peters, especialista em política climática do Centro Internacional de Pesquisa do Clima de Oslo (Noruega), o RCP8.5 é um cenário irrealista, porque seria preciso multiplicar por 5 o consumo de carvão até o final do século, algo que contradiz várias previsões energéticas que apontam para uma estabilização do uso deste combustível nas próximas décadas.

Donald Wuebbles, climatologista da Universidade de Illinois, em Urbana-Champaign (EUA), participante do US-GCRP e um dos autores da mais recente Avaliação Nacional do Clima dos Estados Unidos (publicada em 2017), adverte que “estamos tentando entender os riscos e não prevendo o futuro”.

Os novos cenários avaliados não foram concebidos para prever emissões, mas para investigar os diferentes níveis de aquecimento relacionados aos respectivos tipos de desenvolvimento econômico, explica Wuebbles.

Eles ajudam pesquisadores a testar seus modelos, para predizer o impacto do aumento de gases de efeito estufa no clima; auxiliam economistas a explorar os custos das diferentes políticas, e ecologistas a prever as alterações de ecossistemas. Os autores dos SSPs conceberam tais cenários como sendo muito próximos da trajetória de emissões dos Estados Unidos e outras grandes potências mundiais.

O cenário SSP3, por exemplo, que prevê um aumento de 4,1 oC, é definido pelo ressurgimento do nacionalismo. Ele considera que a competitividade econômica e a segurança levam países às guerras comerciais. Esforços nacionais para garantir segurança energética e alimentar poderão impor uma nova ordem econômica mundial nas próximas décadas.

A nova formulação de cenários (SSPs) traz nuances de realidades possíveis, situadas entre os extremos previstos no relatório de 2014 do IPCC, permitindo alternativas aos formuladores de políticas de mitigação do aquecimento climático.

A mudança de rota de um cenário prevendo uma elevação de 3 oC, preconizada por muitos estudos, para um cenário com 1,5 oC (SSP1-1.9), principal objetivo da COP21, demandaria investimentos muito menores, do que partindo-se de um cenário extremo.

“Os custos de uma transição do cenário RPC8.5, que prevê um aumento de temperatura de 5 oC até 2100, para o SSP1-1.9, podem parecer exorbitantes, porque não incorporam os custos decrescentes de muitas tecnologias de baixo carbono desenvolvidas na última década”, afirma Glen Peters.

Peters defende que a próxima avaliação do IPCC explore em profundidade os espaços entre os cenários extremos oferecidos pelos SSPs, para que os impactos climáticos sejam comunicados com maior clareza e, assim, tornem-se mais palatáveis aos líderes mundiais.

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