“Uma
redefinição da economia não é como a de um computador, que você reseta e a
maioria dos problemas são corrigidos”, argumenta Tverberg em artigo recente, intitulado
Wy a Great Reset Based on Green Energy Isn’t Possible, publicado no
último dia 20 no site energycentral.com.
A especialista em negócios na área de energia faz uma análise detalhada da questão energética no âmbito do plano “grande
reinicialização” da economia global, proposto pelo Fórum Econômico Mundial.
Em
sua análise, que sintetizamos a seguir, a autora parte do que ela considera uma
falsa premissa –a analogia entre “resetar um computador” e “resetar a economia global”–,
para demonstrar que o grande reinício ancorado na transição energética para
fontes renováveis não teria como prosperar.
Mesmo
que a economia possa assemelhar-se ao computador, no sentido de que é algo
criado e controlado por humanos, sua estrutura física é completamente diferente. Um computador funciona a base de energia elétrica, que pode ser interrompida e
religada ao bel prazer do usuário; um recurso frequentemente utilizado para reinicializar
o equipamento e, assim, corrigir disfunções operacionais.
Já
a economia é uma “estrutura dissipativa”, ou seja, só é capaz de crescer à
custa de energia, como o combustível consumido no transporte de carga ou a
eletricidade que move as máquinas. Trata-se de um sistema auto-organizado, na
medida em que novos negócios são realizados com base nos recursos disponíveis
para se produzir um determinado bem e na sua demanda no contexto de um aparente
mercado.
Existem
muitas outras estruturas dissipativas, como estrelas e fenômenos terrestres
como tornados e furacões ou, ainda, todo tipo de ecossistema. Assim como as
plantas precisam da energia do sol, os humanos precisam de alimentos (energia
química) para viver. Todas essas estruturas se desenvolvem por um certo tempo e
depois entram em colapso. Mas se sua fonte de energia é suprimida, elas falham
rapidamente.
O
crescimento econômico segue um padrão definido, e não pode evoluir fora de certos
limites, que, por sua vez definem diferentes ciclos pelos quais a economia é
submetida. Exemplos desses limites são: áreas aráveis para uma população
crescente, agentes patogênicos incontroláveis e insumos energéticos muito caros
para serem produzidos. Se ignoramos esses ciclos, corremos o risco de vincular
um determinado modelo de crescimento econômico a uma projeção do consumo energético
incompatível com a realidade.
Na
atual conjuntura econômica, que se conecta com a crise financeira eclodida em
2008, o petróleo e o carvão têm o mesmo problema: os preços mantêm um viés de queda,
tornando sua exploração economicamente inviável. Por essa razão, investimentos
em novos poços de petróleo caíram e minas de carvão não rentáveis vem sendo
desativadas em todo o mundo.
Os
preços do petróleo e do carvão, depois de atingirem um pico em 2008, sofreram
uma queda vertiginosa e, dez anos depois, oscilam globalmente em torno de 50% daqueles
valores.
Evolução
da produção mundial de petróleo (óleo cru, incluindo consensado) baseada em
dados da Statistical Review of World Energy 2020, da British Petroleum.
Rússia+ representa um grupo de Estados independentes pós-União Soviética. Adaptado
de Gail Tverberg OurFiniteWorld.com
Como
é mostrado na figura acima, a produção de petróleo entre os países da OPEP caiu
a uma taxa de 2 milhões de barris por dia, entre 2018 e 2019, totalizando uma
redução de cerca de 200 milhões de barris. Uma vez que a produção dos EUA,
Canadá e Rússia foi pequena, a retração global no período alcançou 582 mil
barris/dia.
Atualmente,
o preço do petróleo continua baixo porque as restrições de mobilidade impostas
pela pandemia reduziram a demanda, forçando ainda mais a queda do valor do
barril em relação ao nível anterior à crise sanitária. As
amplitudes de variação desses preços ao longo da última década explicam o padrão
de consumo no período.
Um novo pico registrado em 2011, por exemplo, coincide
com a facilidade de crédito ofertado pelos bancos, o que impulsionou o consumo
de bens produzidos com energia fóssil, como automóveis e painéis fotovoltaicos. Já
no biênio 2015-2016, os preços do petróleo e do carvão estavam baixos, período
em que a economia chinesa teve um forte crescimento, fazendo com que os preços
dos combustíveis fósseis subissem de novo em 2017 e 2018, voltando a cair em
2019 e mais ainda em 2020, pela paralisação econômica imposta pelas medidas de
combate à pandemia.
Por
outro lado, a produção mundial de petróleo se manteve praticamente estável entre
2004 e 2014, crescendo pouco até 2018, mesmo com os países membros da OPEP
dispondo de elevadas reservas exploráveis. As
projeções para o mercado de energia fóssil negligenciam com frequência o fato
de que os baixos preços poderiam retrair a exploração desses combustíveis.
Os
autores dessas predições partem da premissa de que as energias renováveis
seriam uma extensão de um sistema alimentado por combustíveis fósseis. O
que a maioria deles parece não entender é que os preços das matérias primas (as
commodities) são fixados com base em leis de mercado, que estabelecem um
equilíbrio entre oferta e demanda, esta última mantendo-se próxima da “abordabilidade”.
Se a disparidade entre salários e riqueza é grande, os preços das commodities tendem
a se manter muito baixos.
Em
um mundo globalizado, milhões de trabalhadores mal remunerados, muitos ganhando
um punhado de dólares por dia, estão impedidos de participar de uma grande
fatia do mercado global de bens e serviços. A robotização da produção produz um
resultado similar, na medida em que substitui uma massa de trabalhadores que poderiam
representar um potencial mercado consumidor.
É
neste contexto que se deve mirar o futuro das fontes renováveis de energia
preconizado pelo “grande reset”. Ao construir modelos energéticos, os especialistas
avaliam a relação entre energia investida e energia produzida pelo vento e pelo
sol, com base na hipótese de que essas fontes limpas, porém intermitentes, sejam
utilizadas como parte integrante de um sistema alimentado por combustíveis
fósseis. O equilíbrio dessa relação seria obtido à custa de altos subsídios.
Esses
modelos sugerem que seja vantajoso produzir energia de origem eólica e solar,
mas parecem negligenciar que isto só seria possível dentro de um sistema
baseado em energia fóssil, cujo equilíbrio só pode ser alcançado a um custo
muito baixo. E
voltamos à questão da baixa demanda, que afeta toda sorte de produto, empurrando
os preços para baixo.
Consequentemente, boa parte dos recursos com os quais os
modeladores contam e que as empresas precisam para investir muito provavelmente
não estejam disponíveis. Um
ciclo vicioso em que uma situação de baixos preços das commodities levam ao
empobrecimento dos trabalhadores, que, terminam por se insurgir, como temos
visto nos últimos anos em vários países. Esses movimentos populares entram no
fator “revoluções e guerras” da Carta de Dalio, uma curva que mostra os
diferentes ciclos econômico mundiais, que explicam propostas de “nova ordem
econômica”.
Com o baixo valor das commodities generalizado, a capacidade de
produção dos sistemas de estocagem de energia eólica e solar, como as baterias
elétricas, é restringida, tornando-se um problema crescente. Uma vez limitada a produção de
baterias, seu impacto na extração de petróleo e carvão é inevitável. A
estabilidade da oferta de mão de obra nos países periféricos que dispõem as
grandes reservas de matéria prima para baterias, como a Bolívia com o lítio,
torna-se um risco num contexto de baixos preços desses produtos, porque fica
sujeita a sublevações locais.
Sendo ampla a variedade de formas de subsídio que cada país concede à produção de
energias renováveis, fica difícil estimar exatamente o custo da energia limpa
não convencional. A propalada “paridade rede” da eletricidade eólica e solar, quando
o custo do kWh renovável equivale ao kWh gerado convencionalmente, mascara o
custo da estocagem necessária para mitigar a intermitência dessas fontes.
A
China relata que dispõe de 42 bilhões de dólares (mais de 200 bilhões de reais)
para subsidiar a produção de energia limpa. Um montante que tende a crescer a
cada ano. Os países estão se tornando mais pobres e ficando com menor
capacidade de arrecadar impostos, o que compromete sua capacidade de
subvencionar sistemas elétricos custosos.
Participação
das fontes hídrica, eólica e solar no suprimento global de energia, baseada em
dados da Statistical Review of World Energy 2020, da British Petroleum. Adaptado
de Gail Tverberg OurFiniteWorld.com
As fontes
renováveis –hídrica, eólica e solar– respondem atualmente por pouco mais de 10%
do suprimento mundial de energia, assim distribuídas (Figura): 6,4% hídrica,
2,2% eólica e 1,1% solar, somando 9,7% da matriz energética global. A
eletricidade limpa oriunda dessas três fontes não é adequada para a produção de
alimentos. Derivados de petróleo é que são usados para arar a terra, produzir
herbicidas e pesticidas e para transportar a produção agropecuária até os
centros de distribuição e consumo.
É
preciso destacar a importância do suprimento energético que permita ao homem o
controle sobre outras espécies e patógenos. Se no século XIX a pasteurização foi
crucial para garantir alimentos livres de micro-organismos nocivos, nos últimos
anos o controle de agentes patógenos tem sido alvo de um esforço científico que
envolve o desenvolvimento de antibióticos, antivirais e vacinas.
No
enfrentamento da epidemia de Covid-19 os sistemas de saúde mundo afora
funcionam a base de um moderno mix de energia, que inclui geradores de apoio, movidos
a gás ou a diesel, para garantir o fornecimento elétrico de forma contínua. Muitas
drogas usadas no tratamento da doença são sintetizadas usando componentes da
indústria petroquímica, assim como muitos EPIs (equipamentos de proteção
individual). Sem falar do transporte desses produtos,
que é feito por veículos que consomem combustíveis fósseis.
Tudo
indica que o mundo caminha para um Grande Reinício. No entanto, é pequena a
possibilidade de que a energia verde possa desempenhar um papel de relevância. Isto
se deve à formulação equivocada de modelos preditivos para o desenvolvimento de
fontes renováveis, que dificultam a compreensão por parte de líderes mundiais.
Uma
vez que o suprimento global de petróleo e carvão parece diminuir no curto prazo, é remota a possibilidade de um aumento tão alto da produção de combustíveis fósseis, tal como
prevê o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática). De
fato, equipamentos a base de energia renovável devem continuar operando durante
algum tempo. Mas à medida em que a economia mundial continue a se retrair,
torna-se mais difícil manter a fabricação de produtos dotados de tecnologia
limpa e a manutenção daqueles já existentes.
Com os preços da eletricidade gerada
a partir de energia fóssil permanecendo baixos, mais subsídios serão necessários
para garantir a produção de energia eólica e solar.
É
de se esperar no pós-pandemia um recrudescimento dos distúrbios sociais, que serão
causados em boa parte pelo baixo preço das matérias primas e pelos baixos
salários. A globalização tende a desaparecer. Manter em condições operacionais as
linhas de transmissão elétrica será um problema crescente, assim como muitas outras
tarefas ligadas à disponibilidade do suprimento energético.
Entretanto, preço do petróleo e combustível fóssil são muito voláteis. Não tem como trabalhar um preço baixo no longo prazo. A demanda por energia renovável vai aumentar muito ainda e não será apenas o custo de exploração qye irá prevalecer. A questão da mudança climática vai ser considerada. E a questão da demanda alta de energia no geral também.
ResponderExcluirÉ preciso uma conscientização geral, com forte mobilização da população no mundo todo, para que as renováveis sejam impulsionadas, já que não há saída para enfrentar a crise climática que não passe pela transição energética para fontes limpas. No entanto, é evidente que o pós-pandemia vai experimentar um período em que a demanda global por energia será reduzida e, neste caso, o mercado de energia fóssil vai pesar bastante, como adverte a analista americana.
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