A pandemia de
coronavírus e a interdependência dos desafios sanitários, ambientais,
econômicos e sociais estão no cerne dos objetivos de desenvolvimento
sustentável proposto pelo Fórum Econômico Mundial. @BH com @dianakuehn30010
Uma
redefinição do capitalismo e um novo contrato social é o que pretende o plano lançado
pelos gigantes da economia global para o pós-crise de Covid-19.
A
“grande reinicialização”, sintetizada no artigo Now is the time for a ‘great
reset’ de Klaus Schwab, fundador e presidente executivo do Fórum Econômico Mundial,
é uma proposta para enfrentar o impacto econômico de longo prazo causado pela
pandemia, que “deve exacerbar as crises social e climática que já estavam em
curso”.
Como
nos lembra o jornalista Brandon Smith, a expressão “reinicialização da economia
global” não é inédita. A primeira vez que o termo surgiu na mídia foi em 2014,
em uma declaração de Christine Lagarde, então presidente do FMI. “Novo
multilateralismo”, “ordem global multipolar” ou “nova ordem mundial” teriam o
mesmo significado da “grande reinicialização”.
Para
Smith, a “reinicialização” recolocada agora é apresentada como solução para a
crise econômica atual, que tem sua origem em 2008. Após uma década de emissões
de moeda pelos bancos centrais e elevação de dívidas públicas, a situação de hoje
é ainda mais grave. Como sempre, o “remédio” dos bancos é pior que a doença, e
o colapso que enfrentamos agora é ainda mais devastador.
Smith
adverte que o banco central mais poderoso do planeta (o FED, dos EUA) não
pretende “salvar o sistema financeiro”. Na verdade, o FED estaria disposto a se
“autodestruir como instituição para explodir a economia americana e abrir
caminho para um novo sistema global, único e centralizado”. Daí a reinicialização.
A
redefinição global do capitalismo não seria uma “resposta” à crise pós-pandemia,
mas a “causa” do colapso que enfrentamos, um desastre que atende aos interesses
econômicos das elites.
A
“grande reinicialização” seria sustentada pelo seguinte
tripé: (1) redirecionamento do mercado, visando resultados que levem em conta riscos
e oportunidades ambientais e sociais, e não apenas o lucro no curto prazo; (2) garantia de investimentos com objetivos compartilhados, baseados em critérios de
igualdade e sustentabilidade; (3) aproveitamento de novas tecnologias da chamada 4ª
Revolução Industrial (inteligência artificial, internet das coisas, nanotecnologia,
biotecnologia, etc.) em prol do bem comum, especialmente em relação à saúde pública.
“Temos
apenas um planeta e sabemos que a mudança climática pode levar à próxima catástrofe
mundial, com consequências ainda mais dramáticas para a humanidade”, declara o
autor de A Quarta Revolução Industrial (2016), Klaus Schwab. A crise do
Covid-19 acelerou a transição rumo à quarta revolução industrial, diz o
economista.
Uma
retórica politicamente correta, e não poderíamos esperar outra coisa dos
grandes atores do capitalismo global, no cenário que se avizinha após meses de
uma pandemia que sacudiu os pilares da economia mundial.
No
campo das finanças, a inovação apresentada pelo great reset é a criação
de uma “rede de bancos centrais para esverdeamento do sistema financeiro” (NGFS,
na sigla em inglês). A NGFS tem como objetivo o intercâmbio de boas práticas de
bancos, fundos de pensão, seguradoras etc., que levem em conta a mudança climática
em suas diretrizes.
A
grande questão é saber quais mecanismos e recursos serão empregados para colocar
em prática o novo paradigma de ordem econômica e social planetária, proposto pelos
porta-vozes mais poderosos do capitalismo.
Em
janeiro de 2021, os grupos que estarão reunidos em Davos (Suíça) para
sacramentar a proposta do great reset são os que sempre exerceram um
enorme poder sobre governos e formuladores de políticas nacionais e internacionais.
Dito
isso, fica evidente o caráter não democrático desse tipo de fórum, dominado
pelos mesmos grupos de pressão que sempre deram as cartas dos rumos da economia
global. São grupos representados pelas pessoas mais ricas do planeta.
De
fato, a ideia de uma intensificação da chamada 4ª revolução industrial, triunfo
da era digital e da globalização, pode não passar de uma roupagem nova do neoliberalismo
econômico vigente, agora com viés mitigador de desigualdades sociais e da
mudança climática.
A
redefinição do capitalismo pós-pandemia atenderá às demandas de uma agricultura
justa e sustentável, priorizando o desenvolvimento econômico e social de
pequenos produtores, em detrimento de grandes latifundiários e do agronegócio
multinacional?
Os
países que mais sofrem com a pandemia, como EUA, Brasil, Reino Unido e Índia, fomentarão
seus sistemas públicos de saúde e programas sociais, garantindo ao conjunto de
suas populações acesso a bens comuns, como água potável e saneamento básico?
Os
atores principais do Fórum Econômico Mundial empreenderão esforços concretos para
frear a destruição de biomas, reduzir as emissões de carbono por incêndio nas florestas
tropicais, limitar o avanço das fronteiras do agronegócio e coibir a mineração
ilegal em reservas indígenas?
Os
maiores poluidores do clima, Estados Unidos, China e União Europeia, intensificarão
suas transições energéticas em prol de fontes renováveis? Ou usarão o freio
imposto às economias pela pandemia de Covid-19 como pretexto para acelerar uma
retomada a custo de um maior uso de carvão e derivados de petróleo?
O
Green Deal da União Europeia –um ambicioso projeto, que visa impulsionar
o uso de energias limpas e a agricultura orgânica, proteger a biodiversidade e limitar
o uso de pesticidas– sairá do papel?
São
perguntas que só poderão ser respondidas em um horizonte muito além do próximo
fórum de Davos.
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