sexta-feira, 31 de julho de 2020

Queimadas na Amazônia e Covid-19: ‘pico de incêndios pode impulsionar número de casos’, alerta pesquisador do Inpe

Para o especialista em ecossistemas tropicais Luiz Aragão, aceleração de queimadas pode recrudescer pandemia na região e inibir retomada econômica do Brasil

Mapa de calor das ocorrências de desmatamento no período PRODES 2019 nos Estados que compõem a Amazônia Legal Brasileira (Fonte: Inpe)

Em sua participação no debate Fraturas Ambientais – Consequências para o futuro pós COVID-19, promovido ontem pelo Canal Instituto Oswaldo Cruz, o doutor em sensoriamento remoto Luiz Aragão adverte sobre o impacto negativo da instabilidade ambiental na Amazônia na produção agrícola nacional e no avanço da pandemia de coronavírus.

O pesquisador do Inpe expõe as implicações sociais que estão fortemente associadas ao processo de desmatamento e sua inevitável ocorrência nos próximos meses, caso não sejam adotadas medidas de prevenção efetivas para conter o desmatamento e as queimadas ilegais.

Não se adotando tais medidas, haverá emissões atmosféricas importantes de material particulado oriundo da combustão de biomassa, e a elevação da poluição do ar causado por essas partículas aumentará a incidência de doenças respiratórias, com necessidade de atendimento médico, podendo comprometer a capacidade de leitos disponíveis em unidade do SUS ou na rede de hospitais privados. O aumento do número de casos de infecção por Covid-19 torna-se inevitável.

Apresentamos a seguir uma síntese da exposição de Luiz Aragão no programa do Canal IOC, que teve também a participação do economista Rubens Ricupero e da antropóloga Manuela Carneira da Cunha.

“A remoção continuada da Amazônia impacta o clima, que impacta a agricultura, que impacta a economia”, já que pode afetar as exportações brasileiras tanto pela queda da produção agropecuária, quanto por embargos internacionais, diz Aragão.

“O Brasil é um líder adormecido da sustentabilidade, mas preparado para implementar um modelo de gestão moderna para o desenvolvimento sustentável”, diz o pesquisador. Ele lembra que o país possui a maior floresta tropical, o maior reservatório de água doce e uma das maiores agriculturas do mundo, que não estão sendo utilizados de forma adequada, para se destacar frente aos países que hoje veem o Brasil “como uma ameaça ao meio ambiente”.

Tecnicamente o país está preparado para enfrentar a crise climática e ambiental porque dispõe de profissionais altamente qualificados para planejar ações rumo ao desenvolvimento sustentável. Por outro lado, uma política de crescimento econômico só pode ser bem sucedida com desenvolvimento, defende Aragão. “Mas não necessariamente precisa haver crescimento econômico para o país se desenvolver (...) promovendo mais acesso à educação ou minimizando a degradação ambiental, é possível obter desenvolvimento e até crescimento econômico”.

A ideia de crescimento econômico e desenvolvimento como sinônimos surge no século XIX, marcado por um extrativismo intenso, pela exploração de terras para atividades agrícolas e industriais. A sociedade utiliza recursos naturais para geração de riquezas, sem distribuição de renda e sem visar o bem estar coletivo.

A partir do século XX, com os avanços científicos, começamos a entender melhor como interagem os sistemas climático e hidrológico com as ações antrópicas, seu impacto sobre a biodiversidade, o ciclo do carbono e sobre a própria economia do país e a sociedade. São conhecimentos que vão dar origem a um novo conceito de desenvolvimento, com base na sustentabilidade, como aquele adotado pela OCDE.

Trata-se de uma organização da qual o Brasil almeja fazer parte, mas que, paradoxalmente, não segue suas orientações  quanto ao desenvolvimento dos países membros, que precisam levar em conta as interações entre sociedade, economia e meio ambiente. E as respostas internacionais à inação brasileira já estão em curso, no âmbito de acordos comerciais entre o Mercosul e a União Europeia e na própria OCDE, cujas diretrizes de sustentabilidade demandam uma integração do capital social, ambiental e econômico.

Luiz Aragão é um dos autores de uma Nota Técnica enviada recentemente ao governo federal expondo –de forma detalhada e com amplas citações bibliográficas– a trajetória, o panorama atual e a tendência do desmatamento Amazônico, visando orientar ações de combate à pandemia de coronavírus nos Estados que compõem a Amazônia Legal.

No documento “O Desafio do Brasil Contra o Desmatamento e as Queimadas na Amazônia durante a Pandemia por COVID-19 em 2020: Implicações Ambientais, Sociais e sua Governança”, os pesquisadores do Inpe alertam as autoridades ambientais e sanitárias sobre a necessidade de ações imediatas para evitar que as queimadas possam recrudescer o avanço da pandemia de Covid-19 na região. As queimadas estariam em fase de preparação e a pandemia em fase de resposta e recuperação de danos. Daí a necessidade de ações integradas de contenção das queimadas e de garantia da saúde pública.

O estudo mostra que, entre agosto de 2019 e maio de 2020, a área desmatada já é 89% daquela registrada no ano anterior. Outro dado importante, entre muitos que a pesquisa revela, é o aumento recorde da temperatura do Oceano Atlântico nos primeiros meses de 2020, em relação aos valores médios da série histórica. Um sinal de alerta às vésperas do período de maior seca na região Amazônica, que intensificam as queimadas e aumentam os riscos de incêndios florestais.

Os pesquisadores desenvolveram um modelo que sobrepõe as curvas do número de casos mensais de Covid-19 àquelas da média do número de focos de incêndio registrados historicamente. Em seguida, aplicam este modelo individualmente aos Estados da Amazônia Legal, o que permite prever cenários para cada um dos meses, especialmente no período de maior seca, que começa em agosto e tem o seu pico geralmente em setembro (figura) 

Fonte: Nota Técnica “Desafio do Brasil Contra o Desmatamento e as Queimadas na Amazônia durante a Pandemia por COVID-19 em 2020: Implicações Ambientais, Sociais e sua Governança”. Maio/2020. Autores: Luiz E.O.C. Aragão (Inpe), Celso H.L. Silva Junior (Cemaden), Liana O. Anderson (Inpe)

Em relação ao aspecto “governança do problema”, a Nota Técnica destaca que o Brasil assumiu o compromisso de reduzir o desmatamento ilegal em 80% em relação à área média devastada no período 1996-2005, o que representa limitar a área anual desmatada a 3.900 km2, a partir de 2020. Desde o início do monitoramento da Amazônia, em 1988, a menor área desmatada foi de 4.571 km2, em 2012. Em 2019, a área de floresta removida foi 2,5 vezes maior do que a meta assumida pelo Brasil, alcançando 9.800 km2.

O diagnóstico do desmatamento observado é preocupante. Seus efeitos devem ultrapassar os limites da área devastada, impactando o bioma Amazônia, seus arredores, a população e a economia, caso sua interação com o clima se intensifique.

Se as anomalias do Oceano Atlântico tropical repetirem o padrão de 2019, a expectativa é de uma redução de chuva em pelo menos um quarto da região Amazônica. Isto pode afetar a produção agrícola, impactando negativamente o agronegócio. A combinação de chuvas abaixo da média na transição da estação chuvosa para a de estiagem e a permanência de pouca chuva no período de seca, em um cenário de desmatamento crescente em 2020, vai intensificar a ocorrência de queimadas e incêndios florestais na região.

O entendimento moderno global do papel do meio ambiente faz com que a percepção das atuais fraturas ambientais direcionem o Brasil para um abismo contra produtivo para a geopolítica mundial”, conclui Luiz Aragão. 

Embora o panorama apresentado sobre o avanço do processo de remoção continuada da maior floresta tropical do planeta tenha sido um tanto quanto desolador, ainda assim Aragão transmite uma visão otimista ao final de sua exposição: “A Amazônia é o maior trunfo do Brasil para liderar a nova ordem mundial pós COVID-19”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário