Mesmo com perfil de produção variável, energia eólica e solar poderão atender quase toda demanda de eletricidade do país
Para cumprir seus
compromissos em prol do equilíbrio climático, a França aprovou recentemente a lei
Energia-Clima e adotou uma Estratégia Nacional de Baixo Carbono (SNBC, em
francês) para balizar sua transição energética.
A pedido do Ministério da Transição Ecológica, a Agência Internacional de Energia (AIE) e o gestor da Rede de Transporte de Eletricidade francês (RTE) elaboraram um estudo sobre factibilidade técnica de um sistema elétrico baseado majoritariamente em fontes renováveis.
A síntese do estudo “Condições
e pré-requisitos sobre factibilidade técnica para um sistema elétrico com uma
alta participação de energias renováveis ao horizonte de 2050” (tradução livre
do título em francês) consta de um relatório divulgado em 27.1.2021.
O documento enfoca “quatro
conjuntos de condições estritas que devem ser atendidas para permitir, no plano
técnico e com garantia de abastecimento elétrico, uma alta proporção de
energias renováveis”.
“É preciso dar
continuidade à avaliação dos impactos de dificuldades pontuais da geração fotovoltaica
distribuída sobre a operação e segurança de um sistema elétrico com elevada
participação da fonte solar”, diz o texto-síntese da AIE/RTE.
O estudo destaca a
necessidade do “desenvolvimento das fontes flexíveis [eólica e solar], especialmente
na gestão da demanda, estocagem em grande escala e das centrais de ponta, com
redes de transporte e interconexão transfronteiriças bem desenvolvidas”, como
condição para garantir o bom funcionamento do sistema elétrico.
Para assegurar o
equilíbrio do sistema elétrico, “o dimensionamento e a gestão das reservas
operacionais devem ser sensivelmente revisados e os métodos de previsão da
produção variável de energia renovável continuamente aperfeiçoados”, diz o
relatório.
A partir de 2030,
investimentos substanciais devem ser destinados ao desenvolvimento de redes de
transporte e distribuição de eletricidade, afirmam os especialistas da AIE e da
RTE. Para tanto, “é preciso engajamento público e antecipação em termos de
planejamento a longo prazo, estimativa de custos e comunicação à população dos
benefícios das novas infraestruturas”.
A França já dispõe de uma
eletricidade fortemente descarbonizada, em grande parte graças aos seus 58
reatores nucleares, responsáveis por cerca de 75% da produção nacional de
energia elétrica. Cerca de 93% da eletricidade do país é produzida sem emissões
de carbono.
Para efeito de comparação,
em 2019 a média anual de emissões de CO2 associadas à geração elétrica na
França foi de 35 g de CO2 por kWh (quilo-watt-hora) de energia produzida, valor
11 vezes inferior às emissões da Alemanha e 13 vezes menor que as dos Estados
Unidos naquele ano.
No entanto, como o parque
nuclear francês tem em média 35 anos de vida, daqui a 5 anos quase metade dos
seus reatores deverá alcançar o limite de 40 anos de exploração, para o qual foram
concebidos. Um programa industrial para prolongar a vida desses reatores foi
lançado, mas, entre 2030 e 2050, quase todos terão atingido o período máximo de
operação segura, avaliado em 60 anos.
Assim, o país se encontra
diante do desafio de encerrar as atividades de seus reatores nucleares e ao
mesmo tempo garantir uma produção elétrica com baixa emissão de carbono, de
modo a cumprir as metas para as próximas décadas assumidas no Acordo de Paris
(2015) para mitigar a mudança climática.
Em outras palavras, nos próximos 20 anos a França precisará substituir do seu atual potencial de produção de eletricidade descarbonizada 400 TWh (tera-watt-hora) anuais de energia produzidos por usinas nucleares.
Duas opções estão sobre a
mesa. A primeira é trocar alguns reatores em final de vida por novos, o
que significa implantar um novo programa nuclear, ao qual seja adicionada uma grande capacidade à base de energias renováveis, de modo a
obter um mix de eletricidade de baixo carbono até 2050.
A segunda opção é
abandonar os reatores desabilitados, substituindo-os por instalações de energia
renovável, principalmente eólica e solar, o que implicaria numa participação de
fontes limpas entre 85 e 90% em 2050 e de 100% em 2060.
Se por um lado ambas as alternativas
garantem uma produção elétrica altamente descarbonizada, esta segunda alternativa ainda
precisa ser demonstrada em grande escala. A factibilidade técnica de um sistema
elétrico baseado 100% em energias renováveis tem grandes desafios pela frente, como mostra o estudo da AIE/RTE.
No plano teórico, um amplo
consenso científico garante a estabilidade de um sistema elétrico sem aporte de
geração convencional. No plano prático, soluções técnicas para atender à
demanda de um país como a França ainda não estão disponíveis comercialmente.
Para obter proporções de
produção eólica e solar fotovoltaica elevadas (da ordem de 50% a partir de 2035
na França), entre outros aspectos apontados no relatório da AIE/RTE, é preciso desenvolver
estações de estocagem de combustível de síntese em grande escala e flexibilizar
fortemente a demanda.
Por ora, o plano
estratégico SNBC preconiza para 2050 uma redução do consumo final de 30%, que seria obtida pelo aumento
de eficiência energética, por uma elevação do uso de biomassa em 115% e pelo aumento
da participação de fontes renováveis no mix de eletricidade de 25% para 50%.
O desenvolvimento de
energias renováveis na França começou no final dos anos 2000 e recentemente se intensificou, com
a adoção do Programa Plurianual de Energia, que prevê um aumento
da produção anual de energia renovável de 109 TWh para 300 TWh em 10 anos e uma
redução de 50% da parte nuclear na produção de eletricidade até 2035.
Muito bom esse artigo. Principalmente pelo fato de deixar claro o papel da eficiência energetica.
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