sexta-feira, 30 de abril de 2021

França: neutralidade em carbono pode ser obtida em 2050 com sistema elétrico estável e forte participação de fontes renováveis, diz estudo

Mesmo com perfil de produção variável, energia eólica e solar poderão atender quase toda demanda de eletricidade do país

https://www.rte-france.com/actualites/rte-aie-publient-etude-forte-part-energies-renouvelables-horizon-2050

Para cumprir seus compromissos em prol do equilíbrio climático, a França aprovou recentemente a lei Energia-Clima e adotou uma Estratégia Nacional de Baixo Carbono (SNBC, em francês) para balizar sua transição energética.

A pedido do Ministério da Transição Ecológica, a Agência Internacional de Energia (AIE) e o gestor da Rede de Transporte de Eletricidade francês (RTE) elaboraram um estudo sobre factibilidade técnica de um sistema elétrico baseado majoritariamente em fontes renováveis.

A síntese do estudo “Condições e pré-requisitos sobre factibilidade técnica para um sistema elétrico com uma alta participação de energias renováveis ao horizonte de 2050” (tradução livre do título em francês) consta de um relatório divulgado em 27.1.2021.

O documento enfoca “quatro conjuntos de condições estritas que devem ser atendidas para permitir, no plano técnico e com garantia de abastecimento elétrico, uma alta proporção de energias renováveis”.

“É preciso dar continuidade à avaliação dos impactos de dificuldades pontuais da geração fotovoltaica distribuída sobre a operação e segurança de um sistema elétrico com elevada participação da fonte solar”, diz o texto-síntese da AIE/RTE.

O estudo destaca a necessidade do “desenvolvimento das fontes flexíveis [eólica e solar], especialmente na gestão da demanda, estocagem em grande escala e das centrais de ponta, com redes de transporte e interconexão transfronteiriças bem desenvolvidas”, como condição para garantir o bom funcionamento do sistema elétrico.

Para assegurar o equilíbrio do sistema elétrico, “o dimensionamento e a gestão das reservas operacionais devem ser sensivelmente revisados e os métodos de previsão da produção variável de energia renovável continuamente aperfeiçoados”, diz o relatório.

A partir de 2030, investimentos substanciais devem ser destinados ao desenvolvimento de redes de transporte e distribuição de eletricidade, afirmam os especialistas da AIE e da RTE. Para tanto, “é preciso engajamento público e antecipação em termos de planejamento a longo prazo, estimativa de custos e comunicação à população dos benefícios das novas infraestruturas”.

A França já dispõe de uma eletricidade fortemente descarbonizada, em grande parte graças aos seus 58 reatores nucleares, responsáveis por cerca de 75% da produção nacional de energia elétrica. Cerca de 93% da eletricidade do país é produzida sem emissões de carbono.

Para efeito de comparação, em 2019 a média anual de emissões de CO2 associadas à geração elétrica na França foi de 35 g de CO2 por kWh (quilo-watt-hora) de energia produzida, valor 11 vezes inferior às emissões da Alemanha e 13 vezes menor que as dos Estados Unidos naquele ano.

No entanto, como o parque nuclear francês tem em média 35 anos de vida, daqui a 5 anos quase metade dos seus reatores deverá alcançar o limite de 40 anos de exploração, para o qual foram concebidos. Um programa industrial para prolongar a vida desses reatores foi lançado, mas, entre 2030 e 2050, quase todos terão atingido o período máximo de operação segura, avaliado em 60 anos.

Assim, o país se encontra diante do desafio de encerrar as atividades de seus reatores nucleares e ao mesmo tempo garantir uma produção elétrica com baixa emissão de carbono, de modo a cumprir as metas para as próximas décadas assumidas no Acordo de Paris (2015) para mitigar a mudança climática.

Em outras palavras, nos próximos 20 anos a França precisará substituir do seu atual potencial de produção de eletricidade descarbonizada 400 TWh (tera-watt-hora) anuais de energia produzidos por usinas nucleares.

Duas opções estão sobre a mesa. A primeira é trocar alguns reatores em final de vida por novos, o que significa implantar um novo programa nuclear, ao qual seja adicionada uma grande capacidade à base de energias renováveis, de modo a obter um mix de eletricidade de baixo carbono até 2050.

A segunda opção é abandonar os reatores desabilitados, substituindo-os por instalações de energia renovável, principalmente eólica e solar, o que implicaria numa participação de fontes limpas entre 85 e 90% em 2050 e de 100% em 2060.

Se por um lado ambas as alternativas garantem uma produção elétrica altamente descarbonizada, esta segunda alternativa ainda precisa ser demonstrada em grande escala. A factibilidade técnica de um sistema elétrico baseado 100% em energias renováveis tem grandes desafios pela frente, como mostra o estudo da AIE/RTE.

No plano teórico, um amplo consenso científico garante a estabilidade de um sistema elétrico sem aporte de geração convencional. No plano prático, soluções técnicas para atender à demanda de um país como a França ainda não estão disponíveis comercialmente.

Para obter proporções de produção eólica e solar fotovoltaica elevadas (da ordem de 50% a partir de 2035 na França), entre outros aspectos apontados no relatório da AIE/RTE, é preciso desenvolver estações de estocagem de combustível de síntese em grande escala e flexibilizar fortemente a demanda.

Por ora, o plano estratégico SNBC preconiza para 2050 uma redução do consumo final de 30%, que seria obtida pelo aumento de eficiência energética, por uma elevação do uso de biomassa em 115% e pelo aumento da participação de fontes renováveis no mix de eletricidade de 25% para 50%.

O desenvolvimento de energias renováveis na França começou no final dos anos 2000 e recentemente se intensificou, com a adoção do Programa Plurianual de Energia, que prevê um aumento da produção anual de energia renovável de 109 TWh para 300 TWh em 10 anos e uma redução de 50% da parte nuclear na produção de eletricidade até 2035.

Fonte: https://www.rte-france.com/actualites/rte-aie-publient-etude-forte-part-energies-renouvelables-horizon-2050

Um comentário:

  1. Muito bom esse artigo. Principalmente pelo fato de deixar claro o papel da eficiência energetica.

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