domingo, 9 de novembro de 2025

Com o semáforo da crise climática no amarelo há pelo menos 10 anos, o que esperar da COP30?

Limite para elevação da temperatura planetária fixado pelo Acordo de Paris está cada vez mais longe de ser alcançado

https://www.heraldo.es/noticias/sociedad/2025/11/07/diez-anos-acuerdodiez-anos-acuerdo-paris-que-se-espera-cop30-cumbre-cl.html

A 30a Conferência Partes (COP30, Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas), que começa amanhã em Belém, tem como principal desafio retomar o engajamento dos países para conter o aquecimento global. Um compromisso assumido na COP21, realizada na capital francesa em 2015.

O desafio foi lançado pelo presidente Lula na última sexta-feira: "O mundo ainda está distante de atingir o objetivo do Acordo de Paris".

O Acordo de Paris (2015), que substituiu o Protocolo de Kyoto (1997), foi à época efusivamente celebrado, dado o seu caráter de ineditismo: pela primeira vez envolveu as 195 nações da ONU nos esforços para reduzir as emissões de gases de efeito estufa.

Tinha como meta limitar o aquecimento global em 2 oC até o final do século, em relação ao nível pré-industrial, visando idealmente um aumento máximo de 1,5 oC. Entrou em vigor em janeiro de 2016 e foi ratificado pelos 195 países signatários.

Pelo tratado, os países deveriam apresentar -a cada cinco anos e de modo voluntário- planos nacionais de combate às mudanças climáticas (NDCs) e renová-los sempre com metas mais ambiciosas que as precedentes.

Outra inovação do acordo foi a criação de um fundo de combate à mudança climática, com recursos dos países mais industrializados e emissores de gases deletérios, que seriam destinados a ajudar países pobres a reduzir suas emissões e adaptar-se aos efeitos mais nocivos do aquecimento global.

Como era de se esperar, os recursos financeiros advindos do celebrado acordo foram insuficientes, gerando impacto negativo na transição energética. As emissões poluentes e a temperatura planetária continuaram aumentando, como também a ocorrência de eventos climáticos extremos.

De 2023 a 2024, a quantidade de gases de efeito estufa liberada na atmosfera cresceu 2,3%, em toneladas de CO2. Resultado: no ano passado foi registrada uma elevação da temperatura média global recorde, de 1,6 oC!

De acordo com um relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, se cumpridos os planos nacionais de combate à mudança climática, o melhor cenário para 2100 seria um aumento da temperatura planetária de 2,3 oC.

Um outro relatório, publicado recentemente pelo Instituto de Meio Ambiente de Estocolmo, indica que a produção de combustível fóssil até 2030 deve superar em 60% o limite fixado pelo Acordo de Paris para limitar o aquecimento global em 2 oC.

Ainda assim, o secretário-geral da ONU, António Guterres comemora: "Sem este ato de coragem coletiva [o Acordo de Paris], ainda estaríamos caminhando para um futuro impossível de aquecimento descontrolado, de 5 oC".

O maior obstáculo para a execução plena do Acordo de Paris é sem dúvida a insuficiência de recursos alocados pelos países ricos ao fundo climático, destinado a financiar ações contra a crise climática dos países em desenvolvimento. Na COP29 do ano passado em Baku, esses países postularam uma soma anual de US$ 1,3 trilhão, mas obtiveram menos de 25%: US$ 300 bilhões.

Não bastassem os fracassos acumulados desde a sua entrada em vigor em 2016, o segundo maior poluidor do planeta, os Estados Unidos, agora sob a presidência de um negacionista climático, abandonaram o Acordo de Paris.

Há pouco mais de um mês do final do ano, apenas 79 dos 195 países apresentaram seus planos nacionais para o clima (NDCs) em 2025.

As lacunas do Acordo de Paris, desde o início da sua vigência há quase 10 anos, tem sido objeto de discussão nas últimas conferências climáticas e estarão na agenda da COP30, que começa nesta segunda-feira (10).

Para José Marengo, pesquisador do Cemaden, cuja carreira científica é marcada por sua participação em quase todos os relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC, na sigla em inglês), ainda vale a pena manter a meta ideal do Acordo de Paris, de limitar o aquecimento global em 1,5 oC.

"Se emitirmos menos gases de efeito estufa, talvez possamos reduzir um pouco a tendência; continuaríamos tendo aquecimento, mas em menor intensidade, com menos desastres associados aos extremos", diz Marengo em entrevista ao Jornal da Unesp.

"Vejo a meta de 1,5 oC como a luz amarela de um semáforo, mostrando que estamos perto demais do limite", acrescenta o especialista em desastres naturais.

Radicado no Brasil há 3 décadas, o peruano José Marengo afirma que, embora a ciência climática tenha evoluído nos últimos 30 anos, as análises tem repetido os mesmos resultados, "com novas fontes de dados, novos satélites e novos modelos matemáticos".

Marengo fala sobre a evolução do conceito de "ponto de não retorno": grau de degradação máxima que ecossistemas, como a Floresta Amazônica e o Permafrost Siberiano, suportam antes de decaírem em uma espiral irreversível e se estabilizarem em uma forma diferente.

Ele alerta sobre o risco de longos períodos de seca transformarem a maior floresta tropical do planeta em fonte de CO2, algo que já ocorre em algumas áreas da Amazônia, porém ainda de modo reversível. A dúvida no meio científico é sobre "quando" a floresta poderia deixar de ser permanentemente um sumidouro de CO2.

Sobre o processo multilateral de gestão climática global, que estará no centro das discussões da COP30, Marengo lembra que esta "não é uma conferência científica, é uma conferência das partes das Nações Unidas sobre mudanças climáticas". Ou seja, se trata de negociações, que são mais importantes do que os eventos científicos, diz o pesquisador.

Sob a presidência do Brasil, o evento de Belém deve centrar esforços na cooperação internacional (multilateralismo), com foco na valorização da Amazônia como solução climática, na exploração de sua biodiversidade com desenvolvimento regional sustentável, na inclusão social de sua população e no financiamento da transição energética em países em desenvolvimento.

A Cúpula de Líderes, ocorrida nos últimos dias 6 e 7 abordou temas como a proteção a florestas e o investimento em fontes de energia limpa.

53 países apoiaram a proposta do governo brasileiro de criação do Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF, na sigla em inglês), com aporte inicial de US$ 10 bilhões.

Trata-se de um mecanismo inovador, visando garantir de modo permanente a conservação de biomas com função primordial na regulação do clima. Entre outras iniciativas adotadas pela cúpula, destaca-se a proposta de quadruplicar a produção de biocombustíveis até 2035.

A realização da COP30 no Brasil, é uma grande oportunidade para o país reafirmar seu protagonismo no multilateralismo para conter a crise climática. Além de dispor do maior bioma tropical do planeta, possui uma das matrizes energéticas mais limpas entre as maiores economias do mundo.

Sua liderança à frente da atual conferência sobre o clima, com propostas claras de conciliação da preservação ambiental com desenvolvimento sustentável e justiça social, pode frear a crescente onda de negacionismo climático e contribuir para que o Acordo de Paris seja plenamente cumprido.   

Fontes:

https://jornal.unesp.br/2025/10/21/se-nada-for-feito-em-dez-anos-os-dez-anos-seguintes-serao-piores-diz-jose-marengo

https://www.nexojornal.com.br/expresso/2025/11/07/acordo-de-paris-10-anos-mudancas-climaticas

https://jornaldebrasilia.com.br/noticias/brasil/cop30-comeca-com-apenas-79-metas-climaticas-entregues-e-baixa-adesao-presencial/

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