quarta-feira, 28 de julho de 2010

'So happy together' – amar pode dar certo?

"Durante toda minha vida me acostumei a esconder minhas emoções." De Antoine Doinel (Jean-Pierre Léaud) para Sabine Barnérias (Dorothée), no filme O amor em fuga (1979), de F. Truffaut.


Não pode haver medo na busca da felicidade. O medo é uma reação instintiva de autoproteção, que gera uma resposta em prol de nossa sobrevivência. Mas não precisamos ter medo, como defesa preventiva de um eventual percalço afetivo. Até saímos feridos de algumas paixões mal resolvidas, de alguns desamores, mas sempre sobrevivemos. Mesmo se por um instante achamos ser impossível viver sem a pessoa que tomamos por objeto de nosso desejo ou amor. Porque no fundo não somos nada mais do que o reflexo de quem amamos.

Projetamos no outro o ser ideal que vislumbramos para nós mesmos. Aquela parte que nos falta e nos conduz à busca da felicidade. Não raro um caminho tortuoso, repleto de abismos e trajetos fugazes, rumo a um destino por vezes inalcançável.  Fruto das mudanças que sofremos em permanência. E mudanças não são escolhas, elas acontecem. Por dentro e por fora - na alma e no corpo. Ambas não só influenciam nossos relacionamentos, mas ditam inexoravelmente a sorte deles.

Histórias de amor incondicional são contadas quase sempre por quem não as viveu. Pura ficção para a maioria dos mortais. Nossas qualidades, as do corpo e as da alma, podem ser particularmente admiráveis, e por um período mover paixões e amores. Mas não são indeléveis, e com o tempo podem transformar paixões em desilusões, amores em sofrimentos. O que é belo hoje, amanhã pode não ser. A beleza da alma pode suscitar afetos perenes. A beleza do corpo não, porque efêmera é. O importante – e o mais difícil – é saber lidar com a nossa própria alteridade e a do ser que julgamos amar. Como diria Antoine Doinel, personagem e alter-ego de Truffaut em O amor em fuga, "o amor é o mais importante, é o contrário da prisão". E pode até dar certo. 

"... e ela tinha cansado de esperar por ele, reconhecendo-o sempre nos homens altos e baixos, louros e morenos, que as cartas do baralho lhe prometiam pelos caminhos de terra e do mar, para dali a três dias, três meses ou três anos. Na espera havia perdido a força das coxas, a dureza dos seios, o hábito da ternura, mas conservava intacta a loucura do coração." Narrativa sobre Pilar Ternera, personagem de Cem anos de solidão (1967), de Gabriel García Márquez, em tradução de Eric Nepomuceno.

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