quinta-feira, 15 de julho de 2010

Cientistas defendem em manifesto uso legal da maconha

Grupo de renomados neurocientistas que atuam no país escrevem carta pública para defender uso da Cannabis sativa para fins medicinais e "recreativos"

Um dos autores da carta - publicada ontem na Folha de S. Paulo - Stevens Rehen, é um dos pioneiros na pesquisa com células tronco no Brasil e participa da atual gestão da Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento (SBNeC). Outros dois que assinam a carta também fazem parte da diretoria da SBNeC: Sidarta Ribeiro e Cecília Hedin-Pereira.

A matéria da Folha errou ao afirmar que a carta expressava a posição da SBNeC, sociedade que congrega quase três mil especialistas. Sua diretoria se apressou em assinalar o equívoco, em post de hoje no blog da SBNeC.

Na verdade, a carta-aberta é um alerta ao público em geral, mas também aos especialistas em neurociências e comportamento, que tratarão desse tema específico no 34o Congresso Anual da SBNeC, em setembro próximo.

De acordo com os signatários do manifesto, é necessário "um novo ponto de equilíbrio" que harmonize políticas públicas para usuários de maconha e pesquisa científica sobre as consequências neurológicas do seu uso.

Em enquete sumária (durante algumas horas) realizada ontem pelo JB online, 72% votaram a favor da legalização da maconha, 28% se posicionaram contra. O assunto veio à tona depois que um músico foi preso (no último dia 2) em Niterói, após ter sido flagrado em sua casa com 18 mudas da planta. Pela interpretação corriqueira (e errônea) da legislação, ele deve responder como traficante.

Além desse absurdo e habitual equíoco das autoridades policiais e judiciárias de nosso país, a proibição do uso terapêutico da maconha parece ter mais a ver com preconceito ideológico, do que com questões científicas, como afirma o médico e especialista em psicofarmacologia Elisaldo Carlini, professor da Escola de Medicina Paulista sa Unifesp.

Leia abaixo o manifesto dos neurocientistas.
 
"A planta Cannabis sativa, popularmente conhecida como maconha, é utilizada de forma recreativa, religiosa e medicinal há séculos mas só há poucos anos a ciência começou a explicar seus mecanismos de ação. Na década de 1990, pesquisadores identificaram receptores capazes de responder ao tetrahidrocanabinol (THC), princípio ativo da maconha, na superfície das células do cérebro. Essa descoberta revelou que substâncias muito semelhantes existem naturalmente em nosso organismo, permitiu avaliar em detalhes seus efeitos terapêuticos e abriu perspectivas para o tratamento da obesidade, esclerose múltipla, doença de Parkinson, glaucoma, ansiedade, depressão, dor crônica, alcoolismo, epilepsia e dependência de nicotina, entre outras enfermidades. A importância dos canabinóides para a sobrevivência de células-tronco foi descrita recentemente pela equipe de um dos signatários, sugerindo sua utilização também em terapia celular. Em virtude dos avanços da ciência que descrevem os efeitos da maconha no corpo humano e o entendimento de que a política proibicionista é mais deletéria que o consumo da substância, vários países alteraram suas legislações no sentido de liberar o uso medicinal e recreativo da maconha. Ainda que sem realizar uma descriminalização franca do uso e do cultivo, o Brasil veta (através do artigo 28 da Lei 11.343 de 2006) a prisão pelo cultivo de maconha para consumo pessoal, e impõe apenas sanções de caráter socializante e educativo. Infelizmente interpretações variadas sobre esta lei ainda existem. Um exemplo disto está no equívoco da prisão do músico Pedro Caetano, integrante da banda carioca Ponto de Equilíbrio. Pedro Caetano está há mais de uma semana numa cela comum acusado de tráfico de drogas. O enquadramento incorreto como traficante impede a obtenção de um habeas corpus para que o músico possa responder ao processo em liberdade. A discussão ampla do tema é necessária e urgente para evitar a prisão daqueles usuários que, ao cultivarem a maconha para uso próprio, optam por não mais alimentar o poderio dos traficantes de drogas. Em seu próximo congresso, de 8-11 de setembro próximo, a Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento (SBNeC) irá contribuir para a discussão deste tema pouco conhecido da população brasileira. Um painel de discussões a respeito da influência da maconha sobre a aprendizagem e memória e também sobre as políticas públicas para os usuários será realizado sob o ponto de vista da neurociência. É preciso rapidamente encontrar um novo ponto de equilíbrio."
 
Cecília Hedin-Pereira (UFRJ)
João Menezes (UFRJ)
Stevens Rehen (UFRJ)
Sidarta Ribeiro (UFRN)

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