terça-feira, 17 de março de 2015

Naomi Klein: vilão do aquecimento global é nosso sistema capitalista

‘Precisamos reduzir as emissões de CO2 de forma radical’, diz ensaísta

Naomi Klein e a capa de seu mais recente livro
http://www.reporterre.net/Le-capitalisme-detruit-le-climat

Jornalista, escritora e ativista, a canadense Naomi Klein acaba de lançar seu novo livro: This changes everything: Capitalism versus the climate.

Na ótica da autora, o grande responsável pela mudança climática é o sistema capitalista. ‘‘O consumismo, sonho americano vendido ao planeta inteiro, exige energia, muita energia.”, diz Klein em entrevista ao Der Spiegel.

“É sempre mais fácil negar a realidade que mudar nossa visão do mundo”, escreve Noami Klein em Isto muda tudo: Capitalismo versus clima.

Para a autora de A doutrina do choque: a ascensão do capitalismo de desastre, ou decidimos reduzir o aquecimento global – e para isto precisamos transformar radicalmente a economia – ou deixamos tudo como está e então é o planeta que mudará radicalmente, e para pior.

Klein destaca em Isto muda tudo que há um abismo entre as promessas que fazem certos poderosos, como Michael Bloomberg (magnata americano) e o presidente Obama, e o que realmente eles fazem em prol do clima. “O desenvolvimento sustentável é um mito”, arremata.

Ela afirma que a implantação de tecnologias verdes e modos de vida menos energívoros precisam ser levados a uma escala global para que tenham algum efeito sobre o clima.

E cita como exemplo a Alemanha – um dos países que mais tem adotado energias renováveis – que, mesmo assim, aumentou suas emissões de carbono nos últimos anos.

“Um modelo econômico baseado em um crescimento indiscriminado leva inevitavelmente a maiores emissões de CO2. Não falo em eliminar mercados, mas precisamos de um equilíbrio muito diferente, que inclua outros setores como tecnologias verdes, transporte público, artes e educação.”

É preciso haver cortes no núcleo do nosso produto interno bruto, que compreende apenas o consumo, as importações e exportações. Qualquer outra coisa seria enganação”, declarou Klein ao jornal alemão Der Spiegel, em entrevista publicada pelo site Carta Maior, que reproduzimos abaixo.

DER SPIEGEL: Naomi, por que não conseguimos deter a mudança climática?
Naomi KLEIN: Má sorte. Mau momento. Muitas coincidências lamentáveis.

SPIEGEL: A catástrofe errada no momento errado?
KLEIN: O pior momento possível. A conexão entre gases de efeito estufa e aquecimento global vem sendo uma questão política central para a humanidade desde 1988. Foi precisamente a época que caiu o Muro de Berlim e Francis Fukuyama nos certificou do “fim da história”, a vitória do capitalismo ocidental. Canadá e EUA firmaram o primeiro acordo de livre comércio, que serviu como protótipo para o resto do mundo.

SPIEGEL: A senhora diz que começou uma nova era de consumo e energia precisamente no momento em que a sustentabilidade e a contenção teriam sido mais adequadas?
KLEIN: Exato. E foi precisamente nesse momento quando nos disseram que já não havia nada parecido com a responsabilidade social e com a ação coletiva, que deveríamos deixar tudo por conta do mercado. Privatizamos nossas rodovias e a rede energética, a OMC e o FMI se comprometeram com um capitalismo desregulado. Desgraçadamente, isso conduziu a uma exploração das emissões.

SPIEGEL: A senhora é ativista e tem culpado o capitalismo por todo tipo de coisas ao longo dos anos. Agora também o culpa pela mudança climática?
KLEIN: Não há motivo para sermos irônicos. Os números contam qual é a história inteira. Durante os anos 90, as emissões se elevaram 1% ao ano. Desde o ano 2000, foram subindo uma média de 2,4%. Exportou-se globalmente o sonho americano e rapidamente se expandiram bens de consumo que acreditávamos ser essenciais para satisfazer nossas necessidades. Começamos a nos ver exclusivamente como consumidores. Quando o comprar como forma de vida é exportado a todos os cantos do globo, isso exige energia. Muita energia.

SPIEGEL: Voltamos à nossa primeira pergunta: por que nós não pudemos deter essa mudança?
KLEIN: Temos descartado sistematicamente as ferramentas. Hoje se faz piada de regulações de todo tipo. Os governos já não aplicam regras severas que ponham limites nas empresas petroleiras e demais companhias. Essa crise nos veio no pior momento possível. Já não temos tempo. Estamos em um momento de agora ou nunca. Se não atuarmos como espécie, nosso futuro estará em perigo. Temos que reduzir as emissões de modo radical.

SPIEGEL: Voltemos a outra pergunta: A senhora não estaria se apropriando indevidamente da mudança climática para utilizá-la em sua crítica ao capitalismo?
KLEIN: Não. O sistema econômico que criamos também criou a mudança climática. Eu não o inventei. O sistema não serve, a desigualdade econômica é demasiadamente grande e a falta de contenção por parte das empresas energéticas é desastrosa.

SPIEGEL: Seu filho Toma tem dois anos e meio. Em qual classe do mundo viverá quando sair da escola, em 2030?
KLEIN: Isso é o que se está dizendo agora mesmo. Vejo sinais de que poderia haver um mundo radicalmente diferente do que temos hoje, e de que a mudança poderia ser bastante positiva ou extremamente negativa. Já é certo que, ao menos em parte, será um mundo pior. Vamos experimentar a mudança climática e muito mais desastres naturais, isso é certo. Mas temos tempo ainda para impedir um aquecimento verdadeiramente catastrófico. Temos tempo ainda de mudar nosso sistema econômico para que não se torne mais brutal e impiedoso ao enfrentar a mudança climática.

SPIEGEL: O que se pode fazer para melhorar a situação?
KLEIN: Temos hoje que tomar algumas decisões sobre quais valores são importantes para nós e como queremos viver de verdade. E, é claro, existe uma diferença no fato de a temperatura aumentar 2 graus ou aumentar 4 ou 5, ou mais. Ainda não é possível aos seres humanos tomar as decisões corretas.

SPIEGEL: Passaram-se 26 anos desde a fundação do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC – Intergovernmental Panel on Climate Change) em 1988. Sabemos no mínimo, desde então, que as emissões de CO2 causadas pela queima de petróleo e carbono são responsáveis pela mudança climática. Mas pouco se fez para enfrentar o problema. Já não fracassamos?
KLEIN: Eu vejo a situação de forma diferente, dado o enorme preço que teremos a pagar. Enquanto temos a mínima oportunidade de êxito ou de minimizar o dano, temos que continuar lutando.

SPIEGEL: Há vários anos, a comunidade internacional estabeleceu um objetivo para limitar o aquecimento global a dois graus centígrados. A senhora ainda o considera alcançável?
KLEIN: Bom, ainda é uma possibilidade física. Teríamos que reduzir imediatamente as emissões globais para 6% ao ano. Os países mais ricos teriam que ter um peso maior, o que significa que os EUA e a Europa teriam que cortar emissões entre 8% e 10% ao ano. Imediatamente. Não é impossível, só que é profundamente politicamente irreal no nosso atual sistema.

SPIEGEL: A senhora está dizendo que nossas sociedades não são capazes de fazê-lo?
KLEIN: Sim. Precisamos de uma mudança espetacular, tanto na política como na ideologia, porque existe uma diferença fundamental entre o que os cientistas nos dizem que temos que fazer e nossa atual realidade política. Não podemos mudar a realidade física, de modo que temos que mudar a realidade política.

SPIEGEL: Uma sociedade que se centra no crescimento poderia combater de verdade e com êxito a mudança climática?
KLEIN: Não. Um modelo econômico baseado em um crescimento indiscriminado leva inevitavelmente a um maior consumo e a maiores emissões de CO2. Pode e deve haver crescimento no futuro em muitos setores da economia: tecnologias verdes, transporte público, todas as profissões que proporcionam cuidados, nas artes e, é claro, em educação. Agora mesmo, o núcleo do nosso produto interno bruto compreende apenas o consumo, as importações e exportações. Aqui é preciso haver cortes. Qualquer outra coisa seria se enganar.

SPIEGEL: O Fundo Monetário Internacional afirma o contrário. Diz que o crescimento econômico e a proteção ao clima não se excluem mutualmente.
KLEIN: Eles não analisam os mesmos números que eu. O primeiro problema é que em todas essas conferências sobre o clima, todo mundo age como se fôssemos chegar ao nosso objetivo por meio de um compromisso próprio de obrigações voluntariamente aceitas. Ninguém diz às empresas de petróleo que precisarão ceder. O segundo problema é que essas empresas vão lutar como feras para proteger o que não querem perder.

SPIEGEL: A senhora quer eliminar o livre mercado com a finalidade de salvar o clima?
KLEIN: Não falo de eliminar mercados, mas nos faz falta muito mais estratégia, direcionamento e planejamento, além de um equilíbrio muito diferente. O sistema em que vivemos está abertamente obcecado com o crescimento, considerando bom todo crescimento. Mas existem formas de crescimento que, claramente, não são boas. Para mim, está claro que minha posição entra em conflito direto com o neoliberalismo. É verdade que, na Alemanha, embora tenham acelerado a mudança em direção às energias renováveis, o consumo de carbono está, na realidade, aumentando?

SPIEGEL: Isso era certo entre 2009 e 2013.
KLEIN: Para mim, isso é expressão de sua recusa em tomar decisões sobre o que precisa ser feito. A Alemanha tampouco vai cumprir seu objetivo de emissões nos próximos anos.

SPIEGEL: A presidência de Obama é o pior que poderia acontecer para o clima?
KLEIN: De certo modo. Não porque Obama seja pior do que um republicano, o que não é, mas porque esses oito anos foram a maior oportunidade desperdiçada de nossas vidas. Havia os fatores justos para uma convergência realmente histórica: consciência, coação, ânimo, sua maioria política, o fracasso dos três grandes fabricantes de carros norte-americanos e até a possibilidade de encarar de uma vez a mudança climática e o falido mundo financeiro. Mas quando chegou ao cargo, não teve o valor de fazê-lo. Não venceremos esta batalha a menos que estejamos dispostos a discutir por que Obama considerou que o fato de ter controle sobre bancos e empresas de carros era mais uma carga do que uma oportunidade. Era prisioneiro do sistema. Não quis mudá-lo.

SPIEGEL: Os EUA e a China chegaram finalmente a um acordo inicial sobre o clima em 2014.
KLEIN: Acordo que, é claro, é algo bom. Mas tudo o que pode ser penoso no acordo não entrará em vigor até que Obama conclua seu mandato. Contudo, o que mudou é que Obama disse: “Nossos cidadãos estão se manifestando, não podemos ignorar isso”. Os movimentos de massas são importantes, têm repercussões. Mas para empurrar nossos líderes até onde eles têm que chegar, os movimentos têm que se fazer ainda mais fortes.

SPIEGEL: Qual deveria ser sua meta?
KLEIN: Nos últimos 20 anos, a extrema direita, a absoluta liberdade das empresas de petróleo e a liberdade do 1% dos super-ricos da sociedade se transformaram em norma política. Temos que deslocar de novo o centro político norte-americano da borda direitista a seu lugar natural, o verdadeiro centro.

SPIEGEL: Naomi, isso não tem sentido porque é uma ilusão. A senhora pensa em abraçar o mundo. Se a senhora quer eliminar o capitalismo antes de empreender um plano para salvar o clima, saiba que isso não vai acontecer.
KLEIN: Veja, se o senhor quiser se deprimir, existem muitas razões para isso. Mas continuará se enganando, porque o fato é que se centrar em mudanças graduais supostamente atingíveis, como o comércio de emissões e a troca de lâmpadas, fracassou miseravelmente. Em parte, isso se deve ao fato de que, na maioria dos países, o movimento ambiental continuou elitista, tecnocrático e supostamente neutro no campo político durante duas décadas e meia. Já vemos hoje quais são os resultados: nos levaram ao caminho equivocado. As emissões estão aumentando e aqui está a mudança climática. Em segundo lugar, nos EUA, todas as transformações importantes legal e socialmente nos últimos 150 anos foram resultado de movimentos sociais massivos, conforme se posicionaram a favor das mulheres, contra a escravidão ou em prol dos direitos civis. Precisamos de novo dessa fortaleza, e bem rápido, porque a causa da mudança climática é o próprio sistema político e econômico. Seu enfoque é muito tecnocrático e limitado.

SPIEGEL: Se a senhora tenta solucionar um problema específico dando a volta em toda a ordem social, não o resolverá. Isso é uma fantasia utópica.
KLEIN: Se a ordem social for a raiz do problema, não. Visto por outra perspectiva, nadamos literalmente em exemplos de pequenas soluções: tecnologias verdes, leis locais, tratados bilaterais e impostos ao CO2. Por que não temos tudo isso em escala global?

SPIEGEL: A senhora está dizendo que todos esses pequenos passos – tecnologias verdes e impostos ao CO2, além de um comportamento ecológico individual – não têm sentido?
KLEIN: Não. Todos deveríamos fazer o possível, é claro. Mas não podemos nos enganar achando que isso é suficiente. O que digo é que esses pequenos passos continuarão sendo muito pequenos se não se transformarem em um movimento de massas. Precisamos de uma transformação econômica e política, que se baseie em comunidades mais fortes, empregos sustentáveis, maior regulação e um distanciamento dessa obsessão pelo crescimento. Essas são as boas notícias. Temos de verdade a oportunidade de resolver muitos problemas de imediato.

SPIEGEL: Não parece contar com a razão coletiva de políticos e empresários.
KLEIN: É porque o sistema não pode pensar. O sistema recompensa o lucro a curto prazo, o que quer dizer benefícios rápidos. Veja o Michael Bloomberg, por exemplo...

SPIEGEL: … empresário e ex-prefeito da cidade de Nova York...
KLEIN: … que entende a gravidade da crise do clima como político. Como empresário, prefere investir em um fundo especializado em ativos de petróleo e gás. Se uma pessoa como Bloomberg não pode resistir à tentação, pode-se assumir que, nesse caso, não é tão grande a capacidade de autoconservação do sistema.

SPIEGEL: Um capítulo especialmente inquietante de seu livro é o de Richard Branson, presidente do grupo Virgin.
KLEIN: Sim, não o havia esperado.

SPIEGEL: Branson tratou de se apresentar como um homem que quer salvar o clima. Tudo começou em um encontro com Al Gore.
KLEIN: E em 2006 se comprometeu, em um ato na Clinton Global Initiative, que investiria 3 bilhões de dólares em pesquisa de tecnologias verdes. Naquela época, eu pensava que seria uma quantia realmente fantástica. O que não me ocorreu pensar é “que cara cínico você é”.

SPIEGEL: Mas Branson não estava fazendo nada senão blefar e só investiu uma parte desse dinheiro.
KLEIN: Pode ser que tenha sido sincero naquele momento, mas sim, investiu uma parte.

SPIEGEL: Desde 2006, Branson acrescentou 160 novos aviões a suas inúmeras linhas aéreas e já incrementou suas emissões em 40%.
KLEIN: Sim.

SPIEGEL: O que se pode aprender com essa história?
KLEIN: Que precisamos julgar o simbolismo e os gestos feitos pelas estrelas de Hollywood e pelos super-ricos. Não podemos confundir isso com um plano cientificamente sério para reduzir emissões.

SPIEGEL: Na América do Norte e na Austrália, gasta-se muito dinheiro tentando negar a mudança climática. Por quê?
KLEIN: É diferente da Europa. Trata-se de uma indignação semelhante à de quem se opõe ao aborto e ao controle de armas. Não se trata apenas de que estejam protegendo um modo de vida que não querem mudar. É que entenderam que a mudança climática ridiculariza o núcleo de seu sistema de crença contrário ao governo e em prol da liberdade de mercado. De modo que precisam negá-lo para proteger sua própria identidade. Por isso, existe essa diferença de intensidade: os liberais querem atuar um pouco na proteção do clima. Mas, ao mesmo tempo, esses liberais têm uma série de questões à parte que figuram de modo mais destacado em sua agenda. Mas temos que entender que quem nega com mais veemência a mudança climática entre os conservadores fará tudo o que estiver a seu alcance para impedir que se atue.

SPIEGEL: Com estudos pseudocientíficos e desinformação?
KLEIN: Com tudo isso, é claro.

SPIEGEL: Isso explica por que relaciona todas essas questões – questões de meio ambiente, igualdade, saúde pública e trabalho –, que são tão populares entre a esquerda? Por razões puramente estratégicas?
KLEIN: Essas questões estão relacionadas e, ainda assim, nos faz falta relacioná-las no debate. Só há um modo de vencer em uma batalha contra um pequeno grupo de pessoas que te enfrentam porque têm muito a perder: é preciso iniciar um movimento massivo que abarque toda aquela gente que têm muito a ganhar. A quem nega só se pode derrotar se você se mostrar igualmente apaixonado, mas também quando está em maior número. Porque a verdade é que eles são realmente muito poucos.

SPIEGEL: Por que a senhora não acredita que a tecnologia verde tenha potencial para nos salvar?
KLEIN: Produziu-se um progresso tremendo no armazenamento de energias renováveis, por exemplo, e na eficiência solar. Mas e na mudança climática? Eu, em todo caso, não tenho muita fé para dizer: “Como inventaremos alguma coisa em um dado momento, deixemos de lado todos os demais esforços”. Isso seria uma insensatez.

SPIEGEL: Pessoas como Bill Gates veem as coisas de modo diferente.
KLEIN: E eu acho ingênuo o seu fetichismo tecnológico. Em anos recentes, temos sido testemunhas de certos fracassos verdadeiramente ressonantes, nos quais algumas das pessoas mais preparadas meteram os pés pelas mãos em escala grandiosa, seja nos derivativos que desencadearam a crise ou na catástrofe de petróleo na costa de Nova Orleans. Em sua grande maioria, as pessoas, nós, destroçamos as coisas e não sabemos como arrumá-las. E, agora mesmo, o que estamos destroçando é o nosso planeta.

SPIEGEL: Ouvindo a senhora, pode-se ter a impressão da crise do clima é uma questão de gênero.
KLEIN: Por que diz isso?

SPIEGEL: Bill Gates disse que temos que avançar e idealizar novas invenções para assumir o controle do problema e, em última instância, dessa nossa Terra tão complicada. Por outro lado, a senhora disse: pare, não, temos que nos adaptar a esse planeta e nos tornar mais leves. As companhias de petróleo norte-americanas são comandadas por homens. E a senhora, uma mulher crítica, é descrita como uma histérica. Não é um absurdo pensar isso, sim?
KLEIN: Não. A industrialização, em seu conjunto, estava mancomunada com o poder, e vendo se seria o homem ou a natureza que dominaria a Terra. Para alguns homens, é difícil reconhecer que não temos tudo sob controle; que temos acumulado todo esse CO2 ao longo dos séculos e que a Terra nos diz hoje: olhe, você não é mais do que um convidado na minha casa.

SPIEGEL: Convidado da Mãe Terra?
KLEIN: Isso soa demasiadamente brega. Mas o senhor tem razão. A indústria do petróleo é um mundo dominado por homens, algo muito semelhante do que ocorre no topo do mercado financeiro. É uma coisa de machos. A ideia norte-americana e australiana de “descobrir” um país infinito e do qual possam extrair inacabáveis recursos contém um relato de dominação, que representa tradicionalmente a natureza como uma mulher frágil e torpe. E a ideia de estar em relação de interdependência com o resto do mundo natural é considerada uma debilidade. Por isso, é duplamente difícil aos machos alfa reconhecer que se enganaram.

SPIEGEL: Há em seu livro uma questão da qual parece querer se desviar. Embora a senhora fale mal das empresas, nunca disse que seus leitores, que são clientes dessas empresas, também são culpados. Tampouco disse qualquer coisa respeito do preço que cada um de seus leitores terá de pagar pela proteção do clima.
KLEIN: Ah, eu acho que a maioria das pessoas ficaria feliz em pagar por isso. Sabem que a proteção do clima exige um comportamento razoável: dirigir menos, voar menos e consumir menos. Ficariam encantados em utilizar energias renováveis se lhes fossem oferecidas.

SPIEGEL: Mas a ideia não é grande o bastante, não é?
KLEIN: (risos) Exato. O movimento verde passou décadas instruindo as pessoas para utilizar seu lixo como adubo, para reciclar e andar de bicicleta. Mas veja o que aconteceu com o clima durante essas décadas.


SPIEGEL: Seu estilo de vida é benéfico para o clima?
KLEIN: Não o bastante. Ando de bicicleta, utilizo o transporte público, trato de dar palestras por Skype, compartilho um carro híbrido e cortei meus voos a um décimo do que eram antes de começar esse projeto. Meu pecado está em tomar táxis e, desde que o livro saiu, em voar muito. Mas tampouco acredito que apenas as pessoas perfeitamente verdes, que vivem sem emitir CO2 as únicas que devam falar sobre essa questão. Se fosse assim, ninguém poderia dizer uma palavra, em absoluto.

SPIEGEL: Naomi, obrigado por esta entrevista.
Tradução de Daniella Cambaúva.


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