https://www.rtl.fr/actu/debats-societe/gilets-jaunes-les-champs-elysees-sous-haute-securite-toutes-les-informations-7795765303
A polêmica entre a dificuldade de se chegar ao “fim do mês” dos franceses –que há 4 semanas tomaram as ruas do país– e o “fim do mundo” –preconizado
pelas mudanças climáticas–, lançada pelo ecologista Nicolas Hulot, abalou as
estruturas políticas da 5ª República Francesa.
Há quase 1 mês, migrava das redes sociais para as ruas do
país o movimento “gilets jaunes” (coletes amarelos), uma alusão à veste obrigatória
que todo motorista na França deve manter em seus veículos.
A preocupação universal com a questão do clima –uma ameaça
inexorável à própria existência humana– foi confrontada por grandes parcelas da população francesa, cuja qualidade de vida tem declinado continuamente nos últimos anos. E de forma mais acentuada desde a implantação das primeiras
medidas do governo Macron, há 18 meses.
Como evocar a salvação do planeta –justificativa para a
imposição pelo governo de uma “taxa ecológica sobre combustíveis”–, quando dezenas de
milhões de cidadãos lutam cotidianamente pela sobrevivência de suas próprias
famílias, num dos países mais ricos do continente europeu?
O espírito da nova sobretaxa aos combustíveis, estopim da
crise que criou o movimento dos coletes amarelos, era este: “– poluam menos o
ar, porque andar de carro vai lhes custar mais caro”. Como se a maioria dos franceses usassem seus
automóveis basicamente para o lazer.
Uma análise detalhada da medida fiscal pretensamente de “caráter ecológico”, no entanto, revela que apenas 19% do montante arrecadado pelo Estado francês destinavam-se
a fazer face à transição energética para uma economia de baixo carbono, em
consonância com as diretrizes da Troika europeia.
Por outro lado, alegando que os mais ricos precisam de mais
incentivos para não deixar o país e investir suas riquezas em atividades produtivas e na
geração de empregos, o governo Macron suprime o ISF (Imposto de Solidariedade
sobre a Fortuna).
Foi a gota d’água que faltava para minar a paciência de uma ampla maioria de trabalhadores, homens e mulheres, nos quatro cantos da França, mobilizando centenas de milhares de pessoas por demandas diversas de justiça social.
Salvar o planeta, quando é precisa salvar a própria pele? E
a custa de sacrifício dos mais desfavorecidos socialmente? Eis a questão, eis a
motivação para tanto protesto e revolta nas ruas...
Entre sucessivas barricadas e repressão policial intensa numa das principais avenidas do planeta (a Champs-Élysées), se perguntam os
filósofos modernos: qual o limite da oposição entre a visão apocalíptica do fim
do mundo que há milênios é objeto da crença popular, mas que agora é previsão
científica incontestável, e a experiência dolorosa de conseguir fechar o
orçamento familiar no fim do mês?
O sociólogo francês Pierre Bourdieu explicou em 2003, a
partir de estudos em favelas brasileiras, que “os mais pobres entre os pobres”
eram também os mais suscetíveis a crer no fim do mundo. Assevera que os
desprovidos de capital simbólico (dinheiro e conhecimento) tornam-se
“indivíduos sem futuro”. A noção de tempo dessa gente é movida unicamente pela
angústia de se chegar ao fim do mês.
Os mais pobres, que vivem seu cotidiano no fio da navalha,
tendem a ver nos discursos futurísticos, nos anúncios de milênio, nas previsões
catastróficas, nada mais que um alento à sua total falta de perspectiva de
futuro.
Daí a constatação de Bourdieu de que essa classe social se
preocupa muito menos com o fim do mundo, do que a burguesia.
Se por um lado o alarme ecológico sobre a “iminência do fim
do mundo” nos lembra que algo ainda pode ser feito para se evitar uma
catástrofe apocalíptica, essa mensagem só é digerida por aqueles que socialmente
são providos de algum capital simbólico.
Entre o gigantesco contingente de coletes amarelos que se
mantêm irredutíveis em suas reivindicações (agora muito mais abrangentes que a
simples revogação da taxa ecológica sobre combustíveis), são os que se
vem “sem futuro” que parecem ter optado radicalmente pelo fim do mundo (que, para
eles já não existe de verdade), à perpetuação de sua degradante condição socioeconômica.
Fonte: https://www.liberation.fr/debats/2018/12/06/chaque-fin-de-mois-la-fin-du-monde_1696440
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