terça-feira, 4 de agosto de 2020

Gigante chinesa vai rastrear soja brasileira para evitar compra de áreas desmatadas ilegalmente

Maior importadora de alimentos da China promete rastrear mais de 50% da produção de grãos adquiridos do Brasil em 2020

Imagem aérea de região Amazônica a 65 km de Porto Velho (RO), em agosto de 2019. Carl de Souza/AFP

A estatal chinesa Cofco Ltd., grupo responsável pelo comércio global da maior empresa de alimentos do país asiático, anunciou a “rastreabilidade total” da soja importada do Brasil até 2023.

A promessa foi incluída em seu último relatório anual de sustentabilidade, publicado no mês passado, e representa uma iniciativa inédita para uma empresa de grande porte do agronegócio internacional.

Em 2019, a gigante do setor de importação de commodities agrícolas Cofco Ltd. deu um passo importante no contexto da “guerra comercial” com os Estados Unidos, ao anunciar a compra de “dezenas de milhões de toneladas” de soja americana, em um esforço de equilibrar as relações comerciais com o segundo maior produtor mundial de grãos.

Agora, a Cofco anuncia que irá contratar uma empresa terceirizada para rastrear entre 6,7 e 7 milhões de toneladas de soja produzida no Brasil, no período entre fevereiro de 2020 e janeiro de 2021, o que deve contribuir para desacelerar o desmatamento recorde iniciado em 2019, que devastou áreas de matas primárias na Amazônia e no Cerrado.

“Tornamos público nosso compromisso de rastrear [a soja brasileira que compramos, para saber se foram cultivadas em áreas desmatadas ilegalmente] porque estamos preparados e assumimos nossa responsabilidade”, declarou Wei Peng, diretor global de sustentabilidade da Cofco Internacional.

Os comerciantes globais de produtos agrícolas foram criticados pela sua omissão na crise ambiental do Brasil, que se espalhou da floresta Amazônica para matas de savana do Cerrado, que cobrem mais de 20% do território nacional e respondem por mais de 50% da área de plantação de soja.

O rastreamento total anunciado pela Cofco visa identificar as áreas exatas de onde provem a soja e sua história conforme a documentação, para identificar se sua origem é de florestas primárias recentemente convertidas em áreas agricultáveis.

A concorrente mundial da Cofco Ltd., Louis Dreyfus Co., declarou em seu relatório anual de sustentabilidade que rastreou em 2019 cerca de 30% da soja comprada no Brasil e se comprometeu a rastrear 50% em 2020.

A Cargill Inc., líder global do setor, declarou que mapeou 100% de sua base de suprimentos de soja brasileira, o que significa dispor da localização geográfica das fazendas produtoras e de intermediários, como instalações de britagem e terminais de exportação.

Imagens de satélite capturadas em 2019 e analisadas por cientistas do mundo todo comprovam que a Amazônia brasileira queimou 30% a mais que em 2018, totalizando cerca de 89 mil focos de incêndio. O desmatamento anual foi o maior da década, registrando uma área total de quase 10 mil km2.

Dados preliminares indicam que no primeiro quadrimestre de 2020 o desmatamento amazônico cresceu 55% em relação ao mesmo período de 2019, com a área devastada somando quase 12 mil km2.

Mesmo em plena pandemia de Covid-19, as ações do governo federal contribuíram para acelerar o desmatamento, cumprindo literalmente a determinação de seu ministro do meio ambiente, Ricardo Salles, de “passar a boiada”, aproveitando-se da crise sanitária que assola o país.

Documento obtido pelo jornal Estadão mostra que Salles quer substituir a meta de redução de 90% do desmatamento (prevista em lei sancionada pelo presidente, com validade até 2023) por um novo projeto, cuja meta é proteger apenas 0,07% da área total de floresta.

Em junho de 2020, o desmatamento na Amazônia foi recorde, apesar da “mega operação militar”, comandada pelo vice-presidente da república, envolvendo 3.815 membros das forças armadas, 110 veículos terrestres, 20 embarcações e 12 aeronaves. Este mês foi o 14º consecutivo em que houve aumento da área desmatada, com 1.034 km2; um avanço de quase 11% em relação a junho de 2019.

Pelo andar da carruagem, não resta dúvida que uma redução efetiva e consistente do desmatamento acelerado da Amazônia e do Cerrado só será possível com iniciativas externas, na forma de restrições comerciais ao agronegócio brasileiro e/ou severos embargos econômicos impostos ao país como um todo. 

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