País da Europa mais atrativo para investimento em energia solar fotovoltaica pode impulsionar fabricação de painéis na região
Globalmente, as energias renováveis não foram tão afetadas
pela crise pandêmica. Com tarifas atrativas e acesso prioritário à rede
elétrica, as instalações fotovoltaicas na França não chegaram a ser penalizadas
pela queda do consumo de 15%, registrada no primeiro mês de confinamento.
Nove entre os dez maiores fabricantes de painéis fotovoltaicos do mundo são chineses. A queda vertiginosa dos preços dos equipamentos, reduzidos a 10% do que custavam em 2010, explica o crescimento consistente deste mercado na Europa.
Em 2019, com a implantação de mais 16,7 GW, a capacidade
fotovoltaica instalada nos países membros da União Europeia superou os 130 GW.
Sem a crise sanitária do coronavírus, a capacidade instalada deveria alcançar os
165 GW até o final de 2020. Os números a serem divulgados em 2021 dirão o
tamanho do impacto da pandemia no setor.
A França agregou à sua matriz elétrica no ano passado 1.100 MW
fotovoltaicos, sendo o quarto país em ampliação anual de sua potência solar,
ficando atrás da Holanda (+ 2.500 MW), da Alemanha (+ 4.000 GW) e da Espanha (+
4.700 MW).
A capacidade fotovoltaica instalada na França deve alcançar os
40 GW em 2028. De acordo com o Programa Plurianual de Energia (PPE) francês, o
país deverá contar com cerca de 4 milhões de instalações de autoconsumo em
2035, ou seja, uma em cada quatro casas seria equipada com um telhado
fotovoltaico. Segundo a Agência Internacional de Energia, 100 milhões de telhados
deverão estar equipados com painéis fotovoltaicos até 2024, no bloco de países
da União Europeia.
Com a retomada econômica pós-pandemia e os estímulos do Pacto
Verde europeu (o Green Deal), as energias renováveis têm tudo para serem
incluídas no rol de setores estratégicos da política de relocalização
industrial. A estratégia visada pelo Green Deal, lançado pela Comissão Europeia
em dezembro de 2019, é criar alianças para implantar indústrias de baixo
carbono, como a produção de hidrogênio e de baterias.
A associação europeia SolarPower Europe defende que o
solar fotovoltaico seja reconhecido pela Comissão Europeia como “estratégico”, para
que o setor possa ter acesso a investimentos prioritários e, assim, impulsionar
a produção de módulos solares localmente.
Várias associações nacionais e institutos de pesquisa lançaram
uma petição neste sentido. “A Europa detém tecnologia inovadora e aplicações
solares que dominam o mercado mundial. Uma estratégia industrial europeia é
essencial para manter esta liderança e garantir que seus centros de pesquisa e empresas
mantenham a excelência na concepção e fabricação de módulos fotovoltaicos”,
declara Roch Drozdowski-Strehl, diretor do Institut Photovoltaïque d’Île de
France.
No caso da França e outros países europeus, a crise econômica
associada à Covid-19 revelou uma dependência externa de máscaras, oxigênio,
medicamentos e outros itens essenciais à saúde, mas também trouxe à luz a
tensão em outros setores dependentes de importação durante o período agudo da
crise sanitária.
Se num primeiro momento a urgência para a retomada econômica
estará centrada no apoio do estado ao conjunto das empresas em dificuldade, de
modo a mitigar o desemprego, num segundo momento, a questão da relocalização de
determinadas atividades industriais estará na pauta do dia.
Assim, à produção local de itens como medicamentos,
equipamentos médicos e de proteção hospitalar, certos materiais eletrônicos e
de telecomunicação, julgados essenciais na atual conjuntura, poderiam somar-se os equipamentos
de energia renovável, como defende Patrick Artus, diretor de economia da empresa
francesa Natixis.
“Se a Europa perdeu para a China a batalha industrial da
primeira geração fotovoltaica, devemos nos concentrar agora na nova geração de
tecnologias, como painéis integrados às edificações, telhas solares, centrais
flutuantes, fotovoltaico na agricultura, etc.”, destaca Richard Loyen, delegado
geral do Enerplan.
A SolarPower Europe defende um acesso mais fácil às
fontes de financiamento, mas adverte que é preciso criar um mercado interno suficientemente grande para fazer face à oferta dos equipamentos fotovoltaicos.
A associação estima que será preciso equipar 30 milhões de telhados solares até
2030 e fomentar as usinas fotovoltaicas para sustentar a indústria europeia.
Existem poucas unidades de fabricação de painéis fotovoltaicos
na França, a exemplo da Voltec, Sillia (adquirida pela alemã Recom) e a
Photowatt (adquirida pela estatal francesa EDF). Mas, com “o objetivo do
governo de quadruplicar a capacidade fotovoltaica instalada até 2028, a
implantação de novas unidades de produção em território francês seria
justificada”, afirma Daniel Bour, presidente do Enerplan, o sindicato da
energia solar.
“Com o elevado grau de robotização dos processos de fabricação
dos painéis, a indústria fotovoltaica poderia voltar a se instalar na Europa,
já que o custo da mão de obra não seria mais um fator determinante”, pondera
André Joffre, diretor da agência de projetos e consultoria Tecsol, de
Perpignan, no sudoeste da França.
A indústria de painéis fotovoltaicos Recom-Sillia, em Lannion,
na região da Bretagne, noroeste da França, totalmente automatizada, com uma capacidade
de produção anual de 350 MWc (Mega Watt pico) de módulos, emprega 41 pessoas. Os
módulos da Recom-Sillia são constituídos de células com rendimentos que chegam
a 24%; os produtos saem com uma garantia de fiabilidade de 25 anos.
Apesar de empregar um número reduzido de trabalhadores, uma
empresa altamente tecnológica como a Recom-Sillia é o elo fundamental de uma
cadeia produtiva que promove uma importante geração de empregos, como explica
seu diretor de desenvolvimento Yann Laurent.
“Um projeto para equipar telhados de 10 mil casas, com sistemas
fotovoltaicos de 3 kWc -que permitem gerar eletricidade 30 a 40% mais barata
que o kWh da rede- requer para cada casa dois instaladores, que precisam de 1
dia de trabalho. São 20.000 dias de trabalho ao todo, equivalentes a 160
instaladores empregados a tempo integral, 270 na área comercial, 100
engenheiros, 100 profissionais urbanistas, 20 profissionais de logística...”,
diz Laurent.
O kit de 10 mil instalações de autoconsumo equivale a apenas
10% da capacidade produtiva anual da Recom-Sillia, mas já representa 650
empregos. “O PPE francês prevê uma aceleração da produção entre 2 e 3 GWc/ano,
algo dez vezes maior que a capacidade de nossa usina, que deve gerar entre 70 e 100 mil novos empregos”, complementa Laurent.
Por outro lado, como lembra Richard Loyen, há pelo menos sete anos, o setor fotovoltaico europeu e em particular o francês tem sofrido com a concorrência asiática. Com a queda dos custos de produção, o custo do transporte adquiriu um peso cada vez mais importante na cadeia produtiva. “O transporte representa hoje em dia 10% do preço de um módulo fotovoltaico”, informa.
Por sua vez,
Jean-Yves Grandidier, diretor da Valorem, um dos atores históricos da energia
renovável na França, defende a cobrança de uma “taxa carbono” nas fronteiras
dos países europeus, para “privilegiar a indústria local em detrimento da livre
concorrência”. Segundo Grandidier, “a transição energética deve se basear na
lógica da proximidade e da autonomia, o que passa pela fabricação de
equipamentos mais perto do consumidor final”.
Não vai ser fácil
afrontar a lei do mercado. Ainda que o solar fotovoltaico seja considerado um
setor estratégico, a produção de origem asiática (90% da China) com baixíssimos
custos deve continuar pressionando o mercado europeu, pelo menos durante algum
tempo. Não se pode esquecer que foi ela que possibilitou o aumento espetacular
da capacidade instalada na Europa e mundo afora, com preços do kWh competitivos
aos da rede e permitindo aos governos reduzir ou eliminar os subsídios para o
setor.
https://www.solarpowereurope.org/global-market-outlook-2019-2023/
PLEIN SOLEIL – Le magazine des énergies renouvelables dans le bâtiment, no 67-68/Junho de 2020 (www.plein-soleil.info)
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