sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

França: solar fotovoltaico pode abrir caminho para ‘relocalização’ da produção industrial europeia

País da Europa mais atrativo para investimento em energia solar fotovoltaica pode impulsionar fabricação de painéis na região

https://www.solarpowereurope.org/global-market-outlook-2019-2023/

Globalmente, as energias renováveis não foram tão afetadas pela crise pandêmica. Com tarifas atrativas e acesso prioritário à rede elétrica, as instalações fotovoltaicas na França não chegaram a ser penalizadas pela queda do consumo de 15%, registrada no primeiro mês de confinamento.

Nove entre os dez maiores fabricantes de painéis fotovoltaicos do mundo são chineses. A queda vertiginosa dos preços dos equipamentos, reduzidos a 10% do que custavam em 2010, explica o crescimento consistente deste mercado na Europa.

Em 2019, com a implantação de mais 16,7 GW, a capacidade fotovoltaica instalada nos países membros da União Europeia superou os 130 GW. Sem a crise sanitária do coronavírus, a capacidade instalada deveria alcançar os 165 GW até o final de 2020. Os números a serem divulgados em 2021 dirão o tamanho do impacto da pandemia no setor.

A França agregou à sua matriz elétrica no ano passado 1.100 MW fotovoltaicos, sendo o quarto país em ampliação anual de sua potência solar, ficando atrás da Holanda (+ 2.500 MW), da Alemanha (+ 4.000 GW) e da Espanha (+ 4.700 MW).

A capacidade fotovoltaica instalada na França deve alcançar os 40 GW em 2028. De acordo com o Programa Plurianual de Energia (PPE) francês, o país deverá contar com cerca de 4 milhões de instalações de autoconsumo em 2035, ou seja, uma em cada quatro casas seria equipada com um telhado fotovoltaico. Segundo a Agência Internacional de Energia, 100 milhões de telhados deverão estar equipados com painéis fotovoltaicos até 2024, no bloco de países da União Europeia.

Com a retomada econômica pós-pandemia e os estímulos do Pacto Verde europeu (o Green Deal), as energias renováveis têm tudo para serem incluídas no rol de setores estratégicos da política de relocalização industrial. A estratégia visada pelo Green Deal, lançado pela Comissão Europeia em dezembro de 2019, é criar alianças para implantar indústrias de baixo carbono, como a produção de hidrogênio e de baterias.

A associação europeia SolarPower Europe defende que o solar fotovoltaico seja reconhecido pela Comissão Europeia como “estratégico”, para que o setor possa ter acesso a investimentos prioritários e, assim, impulsionar a produção de módulos solares localmente.

Várias associações nacionais e institutos de pesquisa lançaram uma petição neste sentido. “A Europa detém tecnologia inovadora e aplicações solares que dominam o mercado mundial. Uma estratégia industrial europeia é essencial para manter esta liderança e garantir que seus centros de pesquisa e empresas mantenham a excelência na concepção e fabricação de módulos fotovoltaicos”, declara Roch Drozdowski-Strehl, diretor do Institut Photovoltaïque d’Île de France.

No caso da França e outros países europeus, a crise econômica associada à Covid-19 revelou uma dependência externa de máscaras, oxigênio, medicamentos e outros itens essenciais à saúde, mas também trouxe à luz a tensão em outros setores dependentes de importação durante o período agudo da crise sanitária.

Se num primeiro momento a urgência para a retomada econômica estará centrada no apoio do estado ao conjunto das empresas em dificuldade, de modo a mitigar o desemprego, num segundo momento, a questão da relocalização de determinadas atividades industriais estará na pauta do dia.

Assim, à produção local de itens como medicamentos, equipamentos médicos e de proteção hospitalar, certos materiais eletrônicos e de telecomunicação, julgados essenciais na atual conjuntura, poderiam somar-se os equipamentos de energia renovável, como defende Patrick Artus, diretor de economia da empresa francesa Natixis.

“Se a Europa perdeu para a China a batalha industrial da primeira geração fotovoltaica, devemos nos concentrar agora na nova geração de tecnologias, como painéis integrados às edificações, telhas solares, centrais flutuantes, fotovoltaico na agricultura, etc.”, destaca Richard Loyen, delegado geral do Enerplan.

A SolarPower Europe defende um acesso mais fácil às fontes de financiamento, mas adverte que é preciso criar um mercado interno suficientemente grande para fazer face à oferta dos equipamentos fotovoltaicos. A associação estima que será preciso equipar 30 milhões de telhados solares até 2030 e fomentar as usinas fotovoltaicas para sustentar a indústria europeia.

Existem poucas unidades de fabricação de painéis fotovoltaicos na França, a exemplo da Voltec, Sillia (adquirida pela alemã Recom) e a Photowatt (adquirida pela estatal francesa EDF). Mas, com “o objetivo do governo de quadruplicar a capacidade fotovoltaica instalada até 2028, a implantação de novas unidades de produção em território francês seria justificada”, afirma Daniel Bour, presidente do Enerplan, o sindicato da energia solar.

“Com o elevado grau de robotização dos processos de fabricação dos painéis, a indústria fotovoltaica poderia voltar a se instalar na Europa, já que o custo da mão de obra não seria mais um fator determinante”, pondera André Joffre, diretor da agência de projetos e consultoria Tecsol, de Perpignan, no sudoeste da França.

A indústria de painéis fotovoltaicos Recom-Sillia, em Lannion, na região da Bretagne, noroeste da França, totalmente automatizada, com uma capacidade de produção anual de 350 MWc (Mega Watt pico) de módulos, emprega 41 pessoas. Os módulos da Recom-Sillia são constituídos de células com rendimentos que chegam a 24%; os produtos saem com uma garantia de fiabilidade de 25 anos.

Apesar de empregar um número reduzido de trabalhadores, uma empresa altamente tecnológica como a Recom-Sillia é o elo fundamental de uma cadeia produtiva que promove uma importante geração de empregos, como explica seu diretor de desenvolvimento Yann Laurent.

“Um projeto para equipar telhados de 10 mil casas, com sistemas fotovoltaicos de 3 kWc -que permitem gerar eletricidade 30 a 40% mais barata que o kWh da rede- requer para cada casa dois instaladores, que precisam de 1 dia de trabalho. São 20.000 dias de trabalho ao todo, equivalentes a 160 instaladores empregados a tempo integral, 270 na área comercial, 100 engenheiros, 100 profissionais urbanistas, 20 profissionais de logística...”, diz Laurent.

O kit de 10 mil instalações de autoconsumo equivale a apenas 10% da capacidade produtiva anual da Recom-Sillia, mas já representa 650 empregos. “O PPE francês prevê uma aceleração da produção entre 2 e 3 GWc/ano, algo dez vezes maior que a capacidade de nossa usina, que deve gerar entre 70 e 100 mil novos empregos”, complementa Laurent.

Por outro lado, como lembra Richard Loyen, há pelo menos sete anos, o setor fotovoltaico europeu e em particular o francês tem sofrido com a concorrência asiática. Com a queda dos custos de produção, o custo do transporte adquiriu um peso cada vez mais importante na cadeia produtiva. “O transporte representa hoje em dia 10% do preço de um módulo fotovoltaico”, informa.

Por sua vez, Jean-Yves Grandidier, diretor da Valorem, um dos atores históricos da energia renovável na França, defende a cobrança de uma “taxa carbono” nas fronteiras dos países europeus, para “privilegiar a indústria local em detrimento da livre concorrência”. Segundo Grandidier, “a transição energética deve se basear na lógica da proximidade e da autonomia, o que passa pela fabricação de equipamentos mais perto do consumidor final”.

Não vai ser fácil afrontar a lei do mercado. Ainda que o solar fotovoltaico seja considerado um setor estratégico, a produção de origem asiática (90% da China) com baixíssimos custos deve continuar pressionando o mercado europeu, pelo menos durante algum tempo. Não se pode esquecer que foi ela que possibilitou o aumento espetacular da capacidade instalada na Europa e mundo afora, com preços do kWh competitivos aos da rede e permitindo aos governos reduzir ou eliminar os subsídios para o setor.

Fontes: https://www.comwatt.com/blog/energie/actu/solaire/international/2019-quel-bilan-pour-lenergie-solaire/

https://www.actu-environnement.com/ae/news/reindustrialisation-energie-photovoltaique-production-europe-35408.php4

https://www.la-croix.com/Economie/France/production-panneaux-solaires-pourrait-revenir-Europe-2020-04-19-1201090086

https://www.solarpowereurope.org/global-market-outlook-2019-2023/

PLEIN SOLEIL – Le magazine des énergies renouvelables dans le bâtiment, no 67-68/Junho de 2020 (www.plein-soleil.info)

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