Cenário que sucedeu crise financeira
de 2008 tende a se repetir, com as classes médias pagando a fatura, adverte a
jornalista e escritora
IMAGEM: Yann Legendre/Le Monde
Em recente entrevista ao HuffPost da Itália, a ensaísta e ativista social
canadense Naomi Klein expôs sua visão do mundo que advirá no rastro da pandemia
de Covid-19.
Para
Klein, o não abandono do Green Deal, um plano econômico de fomento às energias
renováveis para tornar a Europa neutra em carbono até 2050, vai depender da
mobilização social, para evitar que governos e multinacionais usem a pandemia como
pretexto para nada mudar.
Na
verdade, o que a autora de Tudo Pode Mudar. Capitalismo vs. Clima (2014) tem
defendido é o Green New Deal, um “pacto verde” baseado em uma ecologia “popular”,
e não “liberal” como propõe a Comissão Europeia em seu Green Deal.
Em
setembro de 2019, por ocasião do lançamento do seu mais recente livro, On
Fire: The Burning Case for a Green New Deal (em tradução livre, “Plano B
para o Planeta: o Novo Pacto Verde”), Klein alertava: “estamos assistindo ao
início de uma era de barbárie climática”.
Em
On Fire, ela apresenta propostas para enfrentar a crise climática,
intensificada e alimentada pela ascensão de nacionalismos e supremacistas brancos,
que pregam “uma hierarquia entre os homens e a construção de barreiras nas
fronteiras de seus países, criminalizando pessoas em busca de uma vida segura”.
“Não
se trata de taxar emissões ou de adotar um sistema eficiente de
créditos de carbono, como bala de prata; estamos falando de transformar
nossa economia. De qualquer modo, é um sistema fracassado para a maioria das
pessoas. Por isso estamos num período de profunda desestabilização política –que
nos produziu Trumps e Brexits e todos esses líderes autoritários–; então, por
que não encontramos um jeito de mudar tudo de baixo para cima e resolver todas
essas crises ao mesmo tempo?”, questionava Klein em 2019.
Neste seu último livro, Klein defende que é preciso vincular a luta contra as
mudanças climáticas ao combate à pobreza e à injustiça racial. “Não dá para primeiro
salvar o planeta e depois lutar contra a pobreza, o racismo e a violência
contra as mulheres”, arremata.
No
contexto atual, Klein traça um paralelo entre a forte depressão econômica que marcou
a década de 1930 nos Estados Unidos e a grave crise sanitária que estamos vivendo,
para justificar a urgência de um novo pacto verde, que ao mesmo tempo possa reequilibrar
o clima e promover justiça social.
Uma
série de medidas, entre elas, pesados investimentos públicos voltados para grandes obras
de infraestrutura, foram implementadas pelo governo de Franklin Roosevelt, ajudando
a economia norte-americana a se recuperar da crise de superprodução e
especulação financeira eclodida em 1929. Este conjunto de medidas socioeconômicas
foi o New Deal, ao qual Naomi Klein faz referência.
Sobre
o futuro da democracia liberal, a autora do best-seller No Logo (A
Tirania das Marcas, de 1999) diz que os países que melhor enfrentaram a
pandemia –Nova Zelândia, Islândia e Coreia do Sul– não sacrificaram o sistema
de governo democrático. Ela afirma que “é uma visão equivocada achar que a
gestão da crise passa pelo autoritarismo”, lembrando que Pequim omitiu dados
sobre a evolução da epidemia naquele país.
Vários
dirigentes autoritários demoraram para tomar medidas de enfrentamento da crise
sanitária e dissimularam informações. “China, EUA, Israel, Hungria, Brasil,
Filipinas e Índia se aproveitam da crise para reforçar seus poderes, sem levar
a cabo uma gestão eficaz do combate à pandemia”, ressalta.
“É
possível administrar a crise com autoridade, mas respeitando a democracia, sem
segundas intenções nem bodes expiatórios, sem violar quaisquer direitos e
governando por consenso; este perfil de dirigente existe e são principalmente
as mulheres [referindo-se às mandatárias da Islândia e Nova Zelândia]”, conclui
Naomi Klein.
Questionada sobre a dificuldade de ativismo social para além das redes sociais, imposta pela pandemia, Klein explica que é uma situação temporária, e devemos aproveitar o isolamento para melhor nos prepararmos para a mobilização popular.
“Nos Estados Unidos, enfermeiras, funcionários de supermercados e dos correios fizeram greve para garantir condições de trabalho seguras, a obtenção de máscaras e outros equipamentos de proteção individual”, lembra. Ela diz que são estes trabalhadores que norteiam a mobilização futura. “Devemos nos preparar para o momento de voltar às ruas. Muita coisa está acontecendo na web, como vídeo-conferências e reuniões online para discutir possíveis ações.”
“É possível imaginar e organizar uma mobilização maior do que aquela após a crise de 2008. Temos outros mecanismos além da greve, que já estão sendo usados via internet, como a educação política e a criação de novos vínculos entre as pessoas; devemos garantir que este ativismo continue. O isolamento social não será eterno”, complementa.
Para Naomi Klein, devemos aprender com o fracasso dos anos seguintes à crise financeira, de 2009 a 2011, quando houve na Europa uma forte rejeição às políticas de austeridade. “Só que a indignação não deu lugar a um novo modelo econômico, que se sustentasse não na produção de bens de consumo, mas no bem estar social, no cuidado das pessoas e do meio ambiente.”
“Chegou a hora de sermos mais ambiciosos: devemos não só rejeitar a austeridade que tende a se impor [no contexto dessa pandemia e após], mas construir um modelo diferente”, conclui a ativista social e ambiental.
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