sábado, 16 de maio de 2020

Naomi Klein: ‘devemos não só refutar a austeridade no pós-pandemia, como também construir um modelo diferente’

Cenário que sucedeu crise financeira de 2008 tende a se repetir, com as classes médias pagando a fatura, adverte a jornalista e escritora

IMAGEM: Yann Legendre/Le Monde

Em recente entrevista ao HuffPost da Itália, a ensaísta e ativista social canadense Naomi Klein expôs sua visão do mundo que advirá no rastro da pandemia de Covid-19.

Para Klein, o não abandono do Green Deal, um plano econômico de fomento às energias renováveis para tornar a Europa neutra em carbono até 2050, vai depender da mobilização social, para evitar que governos e multinacionais usem a pandemia como pretexto para nada mudar.

Na verdade, o que a autora de Tudo Pode Mudar. Capitalismo vs. Clima (2014) tem defendido é o Green New Deal, um “pacto verde” baseado em uma ecologia “popular”, e não “liberal” como propõe a Comissão Europeia em seu Green Deal.

Em setembro de 2019, por ocasião do lançamento do seu mais recente livro, On Fire: The Burning Case for a Green New Deal (em tradução livre, “Plano B para o Planeta: o Novo Pacto Verde”), Klein alertava: “estamos assistindo ao início de uma era de barbárie climática”.

Em On Fire, ela apresenta propostas para enfrentar a crise climática, intensificada e alimentada pela ascensão de nacionalismos e supremacistas brancos, que pregam “uma hierarquia entre os homens e a construção de barreiras nas fronteiras de seus países, criminalizando pessoas em busca de uma vida segura”.

“Não se trata de taxar emissões ou de adotar um sistema eficiente de créditos de carbono, como bala de prata; estamos falando de transformar nossa economia. De qualquer modo, é um sistema fracassado para a maioria das pessoas. Por isso estamos num período de profunda desestabilização política –que nos produziu Trumps e Brexits e todos esses líderes autoritários–; então, por que não encontramos um jeito de mudar tudo de baixo para cima e resolver todas essas crises ao mesmo tempo?”, questionava Klein em 2019.

Neste seu último livro, Klein defende que é preciso vincular a luta contra as mudanças climáticas ao combate à pobreza e à injustiça racial. Não dá para primeiro salvar o planeta e depois lutar contra a pobreza, o racismo e a violência contra as mulheres”, arremata.

No contexto atual, Klein traça um paralelo entre a forte depressão econômica que marcou a década de 1930 nos Estados Unidos e a grave crise sanitária que estamos vivendo, para justificar a urgência de um novo pacto verde, que ao mesmo tempo possa reequilibrar o clima e promover justiça social.

Uma série de medidas, entre elas, pesados investimentos públicos voltados para grandes obras de infraestrutura, foram implementadas pelo governo de Franklin Roosevelt, ajudando a economia norte-americana a se recuperar da crise de superprodução e especulação financeira eclodida em 1929. Este conjunto de medidas socioeconômicas foi o New Deal, ao qual Naomi Klein faz referência.

Sobre o futuro da democracia liberal, a autora do best-seller No Logo (A Tirania das Marcas, de 1999) diz que os países que melhor enfrentaram a pandemia –Nova Zelândia, Islândia e Coreia do Sul– não sacrificaram o sistema de governo democrático. Ela afirma que “é uma visão equivocada achar que a gestão da crise passa pelo autoritarismo”, lembrando que Pequim omitiu dados sobre a evolução da epidemia naquele país.

Vários dirigentes autoritários demoraram para tomar medidas de enfrentamento da crise sanitária e dissimularam informações. “China, EUA, Israel, Hungria, Brasil, Filipinas e Índia se aproveitam da crise para reforçar seus poderes, sem levar a cabo uma gestão eficaz do combate à pandemia”, ressalta.

“É possível administrar a crise com autoridade, mas respeitando a democracia, sem segundas intenções nem bodes expiatórios, sem violar quaisquer direitos e governando por consenso; este perfil de dirigente existe e são principalmente as mulheres [referindo-se às mandatárias da Islândia e Nova Zelândia], conclui Naomi Klein.

Questionada sobre a dificuldade de ativismo social para além das redes sociais, imposta pela pandemia, Klein explica que é uma situação temporária, e devemos aproveitar o isolamento para melhor nos prepararmos para a mobilização popular.

Nos Estados Unidos, enfermeiras, funcionários de supermercados e dos correios fizeram greve para garantir condições de trabalho seguras, a obtenção de máscaras e outros equipamentos de proteção individual”, lembra. Ela diz que são estes trabalhadores que norteiam a mobilização futura. “Devemos nos preparar para o momento de voltar às ruas. Muita coisa está acontecendo na web, como vídeo-conferências e reuniões online para discutir possíveis ações.

É possível imaginar e organizar uma mobilização maior do que aquela após a crise de 2008. Temos outros mecanismos além da greve, que já estão sendo usados via internet, como a educação política e a criação de novos vínculos entre as pessoas; devemos garantir que este ativismo continue. O isolamento social não será eterno”, complementa.

Para Naomi Klein, devemos aprender com o fracasso dos anos seguintes à crise financeira, de 2009 a 2011, quando houve na Europa uma forte rejeição às políticas de austeridade. Só que a indignação não deu lugar a um novo modelo econômico, que se sustentasse não na produção de bens de consumo, mas no bem estar social, no cuidado das pessoas e do meio ambiente.

Chegou a hora de sermos mais ambiciosos: devemos não só rejeitar a austeridade que tende a se impor [no contexto dessa pandemia e após], mas construir um modelo diferente”, conclui a ativista social e ambiental.

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