sexta-feira, 21 de agosto de 2020

Mudança climática: mundo deve se afastar ainda mais dos compromissos assumidos no Acordo de Paris

Evolução de emissões poluentes já mostrava fracasso dos países em suas ações em prol do clima antes da pandemia de Covid-19

Extraído e adaptado do artigo The hard truths of climate change – by the numbers, de Jeff Tollefson, publicado na Nature em 18.9.2019.

Artigo publicado na Nature há quase um ano destaca a evolução das quantidades de CO2 equivalente liberado pelos países mais emissores de gases que contribuem para o aquecimento planetário.

A matéria, de autoria de Jeff Tollefson, mostra a trajetória das emissões de carbono decorrentes de atividades humanas, de 1900 a 2018, nos países mais poluidores: China, EUA, União Europeia, Índia, Rússia e Japão.

As áreas entre as curvas que delimitam a indicação de cada um desses países no gráfico representam o total de emissões ao longo de 118 anos pelo respectivo país e o bloco europeu.

“Para onde vai a China, o mundo vai”, diz Tollefson. O país asiático se tornou a maior fonte de gases de efeito estufa no final da década passada, superando os Estados Unidos. Suas emissões estão crescendo, enquanto as de outros países se estabilizaram ou diminuíram.

A emissões chinesas em 2018 representaram 27% do total e devem atingir seu pico em 2030, se os compromissos assumidos no Acordo de Paris (2015) forem cumpridos. Mesmo assim, uma estabilização dessas emissões “não garante a limitação do aquecimento global em 2 oC”, lembra Tollefson.

Já os Estados Unidos, segundo maior poluidor do planeta, aumentaram suas emissões em 2018, mas na última década elas caíram porque o carvão foi consideravelmente substituído pelo gás natural e o uso de fontes renováveis foi intensificado.

“No entanto, o presidente Donald Trump está revertendo as medidas de contenção de gases de efeito estufa e insiste em retirar o país do Acordo de Paris”, destaca o jornalista da Nature. As emissões americanas equivalem a 15% do total.

Por sua vez, os 28 países que compõem a União Europeia (UE) reduziram em cinco vezes suas emissões anuais desde 1990, mas respondem por 9% do total de CO2 equivalente emitido no mundo.

As emissões oriundas da queima de carvão continuam sendo uma fonte importante de emissões, mas “algumas estimativas sugerem que a UE está no caminho certo para cumprir as metas assumidas no Acordo de Paris”, escreve Tollefson.

A Índia, o quarto maior emissor, contribui para o aquecimento climático bem menos do que outros países, em base per capita. Apesar do aumento da demanda energética e do uso intensivo de carvão na última década, o país tem investido muito em energias renováveis. A Índia responde por 7% das emissões totais.

A Rússia, que teve uma queda brusca de sua atividade industrial com o colapso da União Soviética iniciado em 1990, sofreu inicialmente uma queda nas suas emissões de CO2, mas desde então elas têm aumentado progressivamente. O país investiu pouco em fontes renováveis e responde por 5% das emissões mundiais.

Completando o ranking dos dez maiores emissores de carbono do planeta estão o Japão, com 3% do total, seguido por Irã, Arábia Saudita, Coreia do Sul e Canadá, cada um respondendo por 2% das emissões totais.

A nova capacidade instalada anual com fontes renováveis, em relação à capacidade adicional total, evoluiu significativamente nos últimos dez anos do período avaliado, passando de 39% (com 61% de capacidade nova baseada em combustíveis fósseis) em 2008 para 63% em 2018.

Os dados que embasaram a matéria de Jeff Tollefson foram disponibilizados pelo Global Carbon Project (GCP), uma organização transnacional dedicada ao estudo do ciclo de carbono em sua dimensão mais abrangente. O GCP quantifica as emissões de gases de efeito estufa mundo afora e apresenta graficamente esses dados, na forma de emissões de CO2 equivalente.

As análises da evolução dessas emissões por país e globalmente fazem referência ao Climate Action Tracker, um consórcio de cientistas e analistas políticos que classificam os países com base em suas ações e promessas de redução de emissões, e estimam o impacto delas no aquecimento climático.

Com base nos dados de 2018, cientistas estimaram que as emissões de carbono já causaram uma elevação de 1 oC na temperatura do planeta em relação à era pré-industrial. Limitar o aquecimento adicional em 0,5 oC até o final do século exigiria cortar pela metade as emissões nos próximos dez anos, para alcançar a neutralidade em carbono até 2050. No cenário mais otimista projetado pelo IPCC, o aumento de temperatura deve atingir 3 oC até 2100.

Com o inesperado advento da pandemia que assolou o planeta desde os primeiros meses de 2020, resta saber como os principais países emissores irão se comportar diante do imperativo de reerguer suas economias, fortemente deprimidas pelas medidas de combate ao novo coronavírus.

Há evidências concretas de que, pelo menos sob o atual governo dos EUA, medidas de contenção de emissões já aprovadas sejam revertidas em favor do uso de fontes de energia poluente, tornando ainda mais improvável que o país cumpra suas metas no Acordo de Paris.

Incertezas também rondam os países europeus diante do cenário pós-pandemia em relação ao Green Deal, um ambicioso programa de intensificação do uso de energias renováveis proposto pela Comissão Europeia, visando à neutralidade de carbono até 2050.

Talvez somente com a publicação em 2021 dos dados mundiais das emissões de carbono em 2020 seja possível prever um cenário mais realista para a mudança climática no horizonte de 2030 e além.

Até lá, e desde que o controle da pandemia permita, esperemos que as mobilizações populares nos países mais poluidores voltem às ruas, para reverter medidas incompatíveis com a urgência climática e, assim, mitigar o impacto de fenômenos extremos sobre as populações dos países menos emissores.

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