segunda-feira, 10 de agosto de 2020

Pêndulo de Foucault: experiência que mostrou a rotação da Terra diretamente ao público completa 170 anos

Visível a olho nu, a demonstração de que nosso planeta gira em torno de seu eixo respondeu a uma indagação recorrente desde a Antiguidade

Pêndulo de Foucault em movimento, no Panthéon de Paris

Que a Terra gira em torno do seu eixo polar todos sabemos. Caso contrário, não teríamos a alternância entre dia e noite. Mas como demonstrar a rotação da Terra, sem a observação astronômica inaugurada por Galileu?

Uma pergunta que permaneceu sem resposta até meados do século XIX. Foi a genialidade do físico francês Léon Foucault (1819-1868), que permitiu evidenciar para o grande público o movimento rotacional da Terra.

No início de 1851, Foucault realiza uma experiência exitosa baseada no movimento de um pêndulo. Quando solta de uma pequena altura, a esfera do chamado “pêndulo de Foucault” oscila durante um tempo suficientemente longo para que o plano de oscilação comece a girar, visto por um observador terrestre. Na verdade, o que está girando é a Terra.

Como diz o Traité de physique élémentaire, de 1861, de autoria de P. A. Daguin, “os acadêmicos de Florência já observavam por volta de 1660 o deslocamento do plano de oscilação do pêndulo, mas ignoravam sua causa”.

Foucault faz o primeiro teste na capital francesa, no dia 3 de janeiro, no subsolo de sua casa, usando um fio de 2 metros de comprimento. Um mês depois, o experimento é mostrado ao público no Observatório de Paris, com um pêndulo suspenso por um fio de 11 metros.

Em sua versão final, o pêndulo de Foucault tem um fio de aço de 67 metros, sustentando uma esfera de latão pesando 28 kg.

Aparentemente simples, o dispositivo inventado por Foucault tem uma formulação matemática complexa, pela qual é possível correlacionar o movimento do plano de oscilação do pêndulo ao de rotação da Terra.

Como explica a teoria, se a experiência é realizada no polo Norte, o giro completo do plano de oscilação dura o mesmo tempo que a Terra leva para dar uma volta em torno de seu eixo: cerca de 24 horas. No Equador (latitude de 0º), seu plano de oscilação permanece fixo (Figura 1).

Figura 1. Pêndulo de Foucault no polo Norte. Sua oscilação ocorre em um plano fixo em relação às estrelas; abaixo dele, a Terra girando.

Em Paris (latitude de 48,9º N), o plano de oscilação demora 31,8 horas para completar uma volta. Em Porto Alegre (latitude 30º S), levaria 48 horas. A equação que permite calcular este tempo (t, em horas), a duração do chamado “dia pendular”, é simples: t = 360/(15 sen q), onde q é a latitude do local, expressa em graus.

Já o período (T) do movimento pendular –tempo entre uma ida e volta do pêndulo–, descoberto por Galileu Galilei (1564-1642), só depende do comprimento do fio (l) e pode ser facilmente calculado, em função da aceleração da gravidade (g = 9,81 m/s2) por: T = 2p (l/g)1/2. Assim, o período do pêndulo de Foucault (l = 67 m) resulta em 16,42 segundos.

A teoria acima, no entanto, se aplica apenas a um pêndulo simples; ela não considera a rotação da Terra em relação a um referencial inercial, ou seja, em relação a um ponto com velocidade nula ou constante. É, portanto, insuficiente para descrever o pêndulo de Foucault.

O resultado da experiência sob o referencial inercial de um observador terrestre é explicado pela força de Coriolis, engendrada por uma aceleração resultante da velocidade do pêndulo em relação à Terra e de sua rotação angular. Surge então no equacionamento um termo exponencial complexo, que descreve o movimento pendular em um plano que gira lentamente devido à rotação da Terra, cuja velocidade angular é bem menor que a pulsação própria do pêndulo.

Deixando de lado a explicação matemática do movimento pendular, é possível interpretá-lo com base na força gravitacional responsável pela oscilação da esfera. A atração gravitacional entre a Terra e o pêndulo o faz acelerar e desacelerar alternadamente; a velocidade máxima ocorrendo sempre que a esfera atinge a altura mínima do solo, ou seja, quando o fio que a sustenta está na vertical.

Na hipótese de não haver resistência do ar ou dissipação por atrito no ponto de fixação do cabo ao teto, o pêndulo oscilaria indefinidamente, sob efeito de inércia da massa. Vista do alto, a esfera descreveria uma trajetória retilínea bem definida.

Para um observador hipotético situado em uma estrela distante, o plano de oscilação do pêndulo levaria o mesmo tempo de um dia sideral terrestre, que é de 23 horas e 56 minutos aproximadamente, para dar uma volta completa.

A cada vai e vem a esfera passa sempre pela vertical, que se move conforme o planeta gira. O desenho formado pelo deslocamento dessa vertical é um cone com vértice no centro da Terra (Figura 2).

Figura 2. Conjunto de verticais devido à rotação da Terra, desenhado para a latitude de Paris. Adaptado de https://bit.ly/31CuspV

Assim sendo, a duração de um giro completo do plano de oscilação do pêndulo vai depender da sua posição geográfica; ela será tanto maior quanto menor a latitude do lugar. No hemisfério Norte, o observador verá a esfera se deslocando no sentido horário. No hemisfério Sul, ele observará um movimento anti-horário.

Em seu comunicado à Academia de Ciências francesa, Foucault relata o procedimento adotado para atenuar efeitos dissipativos e colaterais, como a torção do fio e a rotação da esfera.

Ele também descreve o método usado para deslocar o pêndulo de sua posição de equilíbrio dando início ao experimento, de modo que “o pêndulo, sujeito apenas à força da gravidade, começa a se mover e a fornecer uma longa série de oscilações, cujo plano não tarda a apresentar um movimento significativo”, escreve Foucault.

De fato, não é pequena a dificuldade prática para propiciar a condição inicial ideal da experiência, de modo a garantir que o plano de oscilação não sofra deslocamentos em torno da vertical.

Figura 3. Dispositivo atual usado para por o pêndulo em movimento, na instalação do Panthéon de Paris.

Com uma câmera posicionada neste plano, é possível obter uma animação da Terra girando. As imagens mostram também que o pêndulo não oscila rigorosamente no mesmo plano; em vez de seguir uma linha reta, como ocorreria no Equador, ele descreve uma elipse, conforme preconiza o modelo matemático.

O pêndulo de Foucault foi instalado no Panthéon de Paris e exposto aos franceses em março de 1851. Permanece lá desde então, aberto à visitação pública.

Apesar do sucesso de público, a experiência não pareceu convincente o suficiente para a comunidade científica local, o que levou Foucault a desenvolver em 1852 um giroscópio de precisão.

Considerado à época um notável feito tecnológico, o instrumento lhe permitiu comprovar de forma ainda mais direta a rotação a Terra, uma vez que ele mantém seu eixo paralelo ao eixo polar terrestre, independentemente da latitude.

O pêndulo de Foucault foi uma experiência histórica, repetida diversas vezes não só na França, mas em outros países. Além de demonstrar a rotação da Terra em torno de seu eixo, ele possibilitou comprovar os fundamentos das leis do movimento de Newton.

A teoria completa do pêndulo de Foucault, levando em conta suas inevitáveis imperfeições, foi elaborada somente 30 anos depois pelo físico holandês Kamerlingh Onnes (1853-1926), descobridor da supercondutividade e o primeiro a obter hélio líquido.

Uma experiência similar pode ser vista em outro local de Paris, no Museu des Arts et Métiers, onde um pêndulo de menores dimensões foi instalado na cúpula da Igreja de Saint-Martin-des-Champs, que pertence ao museu.

Um vídeo explicativo e extremamente didático sobre a experiência de Foucault (falado e legendado em francês) pode ser visto por meio do link https://www.youtube.com/watch?v=YhXLxc1hzxM.

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