quinta-feira, 6 de agosto de 2020

Pandemia de Covid-19: quais os cenários mais prováveis para 2021 e além?

Picos anuais podem ocorrer até 2025, se imunidade ao vírus durar menos que um ano


O novo coronavírus veio para ficar por um bom tempo. Vejam as previsões da ciência para os próximos meses e anos.

Diferentes cenários foram modelizados por especialistas de diversos centros de pesquisa do mundo e publicados ontem na Nature, no artigo How the pandemic might play out in 2021 and beyond?

Estamos em junho de 2021. O mundo se encontra em “modo pandemia” há um ano e meio. O SARS-CoV-2 (vírus causador da Covid-19) continua a se propagar lentamente. A interrupção intermitente das atividades econômicas torna-se norma.

A “vacina das vacinas” é aprovada, mas oferece apenas seis meses de proteção; sua distribuição é comprometida porque a cooperação internacional caminha a passos de formiga. 250 milhões de pessoas no mundo foram infectadas e 1,75 milhões morreram.

Este é um dos cenários que podemos imaginar, transcorridos pouco mais de 20 meses desde o primeiro caso da doença, registrado em Wuhan (China), em outubro de 2019.

Epidemiologistas do mundo todo elaboram projeções de cenários a curto e a longo prazos, como ferramentas para enfrentar a propagação do vírus e mitigar o seu impacto na população.

Embora suas previsões e cronogramas variem, os modeladores concordam com duas coisas: 1) o SARS-CoV-2 veio para ficar; 2) a duração de sua permanência depende de muitas incógnitas, como o tempo da imunização que as pessoas desenvolvem, se a sazonalidade afeta a propagação do vírus e -talvez o mais importante- das escolhas feitas por governos e indivíduos.

“Há muitos lugares sem restrição de circulação das pessoas, ao contrário de outros. Ainda não sabemos o que vai acontecer”, diz Rosalind Eggo, modeladora de doenças infecciosas da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres.

Para Joseph Wu, modelador de doenças da Universidade de Hong Kong, evidências de bloqueios bem sucedidos sugerem que mudanças de comportamento podem frear a propagação do vírus, caso tais mudanças sejam adotadas pela maioria da população. “Em boa medida, o futuro dependerá de como o convívio social se realizará e do tipo de prevenção que adotaremos”, diz Wu.

Yonatan Grad, epidemiologista da Escola de Saúde Pública T. H. Chan, da Universidade de Harvard, em Boston (EUA), alerta para o fato de que a restrição de atividades se atenua em vários países, levando muitas pessoas a pensar que a pandemia está terminando. “Mas não verdade. Tudo indica que ela permanecerá por um longo prazo”, adverte Grad.

O mundo superou hoje a marca de 19 milhões de infectados e mais de 700 mil mortos por Covid-19.

Se a imunidade ao SARS-CoV-2 durar menos que um ano, como o que foi constatado para outros coronavírus humanos em circulação, poderíamos ter picos anuais de infecção por Covid-19 até 2025 e além.

Vejamos o que a ciência diz para os próximos meses e anos... De um país a outro, a pandemia se desenvolve de diferentes maneiras.

A China, Nova Zelândia e Ruanda, por exemplo, registram um número de casos pequeno, após terem adotado medidas alternadas de bloqueios, com duração variável, e relaxamento de restrições de circulação, acompanhando a evolução do número de infectados.

Já nos Estados Unidos e no Brasil, a quantidade de casos aumentou rapidamente, após seus governos afrouxarem as medidas de contenção ou mesmo porque nunca as tenham preconizado em escala nacional.

Na África do Sul, que ocupa atualmente a quinta posição entre os países com maior número de casos, com mais de 500 mil infectados, um consórcio de cientistas modeladores estima que o país pode ter um pico neste mês ou em setembro, podendo chegar a um milhão de casos ativos e, cumulativamente, a 13 milhões de casos assintomáticos até novembro de 2020.

“Estamos próximos de nossa capacidade hospitalar e creio que nosso melhor cenário não é bom”, declara Juliet Pulliam, diretora do Centro Sul-Africano de Modelamento e Análise Epidemiológica, da Universidade de Stellenbosch.

Mas há também boas notícias, na medida em os bloqueios diminuem. Novos hábitos, como lavar mais as mãos e usar máscara, tem persistido além dos períodos de bloqueio, ajudando a conter a maré de contaminações.

Um relatório publicado em junho, por uma equipe do Centro de Análise Global de Doenças Infecciosas, do Imperial College de Londres, revela que em 53 países que começaram a afrouxar seus bloqueios não houve um aumento expressivo de contágios, quanto o previsto com base em dados anteriores.

“Subestimamos o número de pessoas que passou a adotar novos hábitos de higiene, uso de máscara e distanciamento social [e como isto mudou o panorama de propagação do vírus]”, explica Samir Bhatt, co-autor do estudo do Imperial College.

Estudos específicos para avaliar a utilidade dessa mudança de comportamento foram realizados na Universidade Anhembi Morumbi, em São Paulo, pelo grupo do biólogo computacional Osmar Pinto Neto. A equipe liderada por Neto elaborou mais de 250 mil modelos matemáticos de estratégias de distanciamento social, classificado como “constante, intermitente ou em degraus”, simultâneo aos hábitos de lavar as mãos e usar máscara.

A conclusão do estudo é que, se 50 a 65% das pessoas adotarem atitudes de cautela em público e o distanciamento social a cada 80 dias, é possível evitar picos de infecção nos próximos dois anos. “Vamos precisar mudar a cultura de como interagimos com outras pessoas”, diz Neto.

No geral, trata-se de uma notícia auspiciadora, já que mesmo sem testagem ou vacinação os comportamentos podem influir significativamente para evitar a propagação da doença, conclui Neto.

O modelador de doenças infeciosas Jorge Velasco-Hernández e sua equipe, da Universidade Nacional Autônoma do México, em Juriquilla, também estudaram o compromisso entre a imposição de medidas de bloqueio e o comportamento pessoal.

Eles concluíram que se 70% da população mexicana adotassem hábitos de proteção individual, depois dos bloqueios iniciados no final de março, o surto de Covid-19 diminuiria após sofrer um pico no final de maio ou começo de junho. No entanto, o governo suspendeu o bloqueio em 1º de junho e, ao contrário do previsto, o número de infectados e mortos cresceu.

Nas regiões onde a Covid-19 parece estar em declínio, a melhor abordagem é a vigilância cuidadosa, com testagem, o isolamento de novos casos e o rastreamento de seus contatos. É a situação atual em Hong Kong. O Dr. Joseph Wu espera que a estratégia impeça uma segunda onda de infecções importante, mas teme que um aumento do tráfego aéreo leve a um número expressivo de casos importados.

A equipe da Dra. Rosalind Eggo conclui que, para controlar um novo surto, o rastreamento de contatos deve ser rápido e extenso, abrangendo 80% das pessoas em poucos dias. O grupo está avaliando a eficácia do rastreamento de contatos digitais e por quanto tempo é possível manter essas pessoas em quarentena.

Uma equipe do Massachussets Institut of Technology (MIT), em Cambridge (EUA), analisou dados oficiais de 84 países e constatou uma subnotificação média de 12 vezes do número de infectados e de 1,5 vezes do número de mortos por Covid-19. “Consequentemente, o risco de infecção é muito maior do que as pessoas imaginam”, diz John Sterman, co-autor do estudo.

Por ora, esforços de atenuação como o distanciamento social devem prosseguir, para se evitar uma segunda onda de contágio maior, afirma Samir Bhatt, do Imperial College.

Como será a propagação do vírus no verão? Parece não haver dúvida entre os cientistas de que o calor não atenua de modo uniforme a intensidade do contágio. Mas a estação quente pode limitar a ação do vírus a zonas temperadas.

Já nas regiões sujeitas a um frio maior neste segundo semestre, provavelmente haverá um aumento da transmissão do novo coronavírus, dizem os especialistas.

Assim como o vírus da gripe e outros coronavírus humanos, o SARS-CoV-2 também deve provocar epidemias invernais. “Minha expectativa é que a taxa de infecção por novo coronavírus e de recuperação dos doentes deve crescer no inverno”, diz Akiko Iwasaki, bióloga imunologista da Escola de Medicina de Yale, em New Haven (Connecticut, EUA).

O ar seco do inverno favorece a estabilidade e a transmissão desses vírus, ao mesmo tempo em que prejudicam as defesas imunológicas respiratórias, acrescenta Iwasaki. Além disso, durante o inverno as pessoas tendem a permanecer mais tempo em ambientes fechados, facilitando o contágio por gotículas suspensas no ar, explica o biólogo computacional Richard Neher, da Universidade de Bale (Suíça).

As simulações do grupo de Neher indicam que variações sazonais podem afetar a propagação do vírus e tornar mais difícil sua contenção no hemisfério Norte, no próximo inverno. No futuro, as reincidências do SARS-CoV-2 podem ocorrer por ondas, a cada inverno. O risco em adultos que já tenham contraído a Covid-19 pode ser pequeno, mais isto vai depender da rapidez com que é dissipada a imunidade adquirida, conclui Neher.

Para a epidemia desaparecer, o vírus precisa ser eliminado em todo o mundo -o que para a grande maioria dos cientistas é impossível- ou as pessoas criarem uma imunidade suficientemente alta, por meio de contágios ou vacinação. Para que isto aconteça, é preciso que entre 55 e 80% da população esteja imune, dependendo do país.

Infelizmente, há um longo caminho a ser percorrido. Testes de anticorpos indicam que apenas uma fração muito pequena da população foi infectada. Dados de 11 países europeus, atualizados até maio, revelam que a taxa de infecção é de 3 a 4%, calculada com base na razão infectados/mortos e no número de óbitos. Uma pesquisa com milhares de amostras de soro, coordenada pelo Centro de Controle e Prevenção de Doença dos EUA, mostrou que a prevalência de anticorpos variou de 1 a 6,9%, dependendo da região.

A evolução da pandemia de Covid-19 em 86 países, modelizada pela equipe do MIT coordenada por John Sterman, revela uma elevada subnotificação dos números oficiais de infectados e mortos. O estudo mostra que, até março de 2021, o conjunto desses países responderá por cerca de 300 milhões de pessoas infectadas e mais de 2 milhões de mortes.

O curso da pandemia em 2021 vai depender muito da obtenção de uma vacina e de quanto tempo o sistema imunológico da pessoa vacinada ou infectada permanecerá ativo.

Muitas vacinas, como a de sarampo e poliomielite, garantem imunidade por décadas, enquanto outras fornecem proteção por um tempo limitado, como a vacina da gripe. Do mesmo modo, algumas infecções virais produzem imunidade duradoura, outras uma resposta transitória.

Há ainda a possibilidade de que a imunidade ao SARS-CoV-2 seja permanente, mesmo sem uma vacina, fazendo com que o vírus desapareça até 2021. Em caso de uma imunidade moderada, durando cerca de dois anos, o vírus poderia estar aparentemente fora de circulação, mas pode ressurgir em 2024, conforme mostra o estudo da Universidade de Harvard.

Seja qual for o cenário previsto para os próximos anos, o mundo não será igualmente afetado pela Covid-19. Em países com maior quantidade de pessoas idosas pode haver proporcionalmente mais casos em estágios posteriores da doença, afirma Rosalind Eggo.

Um modelo elaborado por sua equipe com dados de seis países sugere que crianças e jovens com menos de 20 anos têm praticamente a metade da chance de serem infectados, em relação aos adultos mais velhos.

É pouco provável que nenhuma vacina seja obtida, já que vários centros de pesquisa no mundo estão empreendendo esforços humanos e financeiros, numa escala e rapidez inéditas. A OMS registra atualmente 26 vacinas sendo testadas em humanos; doze delas em fase II e seis em fase III.

Para o pesquisador de Hong Kong, Joseph Wu, mesmo uma vacina que ofereça proteção incompleta poderia ser útil para reduzir a gravidade da doença e evitar hospitalizações. Mas Wu adverte que serão necessários vários meses para fabricar e distribuir uma vacina eficaz.

Fontes: https://www.nature.com/articles/d41586-020-02278-5?utm_source=Nature%20Briefing&utm_campaign=0e9d3c41e6-briefing-dy-20200806&utm_medium=email&utm_term=0_c9dfd39373-0e9d3c41e6-45258394&fbclid=IwAR0NEU1UPlp49Dt5Nm8nefl1-IJgSQeBMpfJa96uX2L6TejFzr51ycM8ApQ
https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=3635047

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