Criação de
fundo para ‘perdas e danos’ é maior conquista da cúpula climática;
omissão sobre redução drástica de emissões, seu maior fracasso
Encerrada no último
domingo, a Conferência das Partes do Egito (COP27) teve um desfecho favorável
ao clamor de ambientalistas e representantes de nações do hemisfério Sul – onde
está a maioria dos países mais vulneráveis ao aquecimento global: o compromisso
dos países ricos e maiores emissores de carbono com a “justiça climática”.
Por outro lado, frustrou cientistas e outros tantos militantes da causa climática, pela falta de respostas à necessária redução drástica das emissões de gases nocivos à atmosfera, uma urgência eloquentemente reafirmada nos relatórios mais recentes do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC, na sigla em inglês).
Presença frequente nas
mesas de negociação das COPs, “perdas e danos” é um conceito pelo qual os
países que mais emitem gases de efeito estufa – responsáveis pelo aquecimento
do planeta – devam compensar financeiramente os países pobres e mais afetados por
fenômenos meteorológicos extremos, decorrentes da crise climática.
Os países do Sudeste
Asiático, por exemplo, respondem por menos de 1% das emissões de carbono
totais. O continente africano contribui apenas com 3% do total. Já as 20
maiores economias do mundo são responsáveis pela emissão de 75% dos gases de
efeito estufa lançados na atmosfera.
Portanto, é inegável que o
acordo firmado pelos países mais ricos e poluentes para a criação de um fundo
para mitigar tais prejuízos foi um avanço importante resultante da COP27.
A reparação por perdas
e danos climáticos irreversíveis é uma demanda dos países mais impactados há 30
anos. A proposta foi acolhida pelo maior grupo de negociações – o G77 mais a
China – que representa um conjunto de 134 países em desenvolvimento.
Embora fracassada, houve
uma tentativa dos países mais ricos de incluir entre os credores do fundo para “perdas
e danos” China e Índia, dois grandes emissores de gases de efeito estufa
atualmente.
No entanto, prevaleceram
os argumentos sobre emissões acumuladas historicamente e as emissões por
habitante, pelos quais não se pode negar o peso preponderante dos países da América
do Norte e Europa.
Parte dos recursos deste
fundo, cerca de 253 milhões de euros, poderá rapidamente atender a necessidades
de reconstrução de infraestruturas, ajuda a empresas e perdas agrícolas. Serão
bancados pela Alemanha (170 milhões), França (60 milhões), Irlanda (10
milhões), Canadá (8 milhões) e Dinamarca (5 milhões).
Assim, os primeiros Estados
a serem contemplados com esses recursos são: Bangladesh, Costa Rica, Ilhas
Fiji, Gana, Filipinas, Senegal e Paquistão; este último sofreu inundações
inéditas e devastadoras, entre junho e agosto deste ano, que resultaram na morte
de 1.700 pessoas e 7,9 milhões de habitantes deslocados.
Se por um lado, esta reivindicação histórica do Sul global – a criação de um fundo de perdas e danos – tenha sido atendida na COP27 e constitua um avanço significativo em prol da justiça climática, um longo caminho resta a ser percorrido para que este mecanismo entre em funcionamento.
Um comitê transitório se encarregará de formular as regras para sua adoção, até
a próxima COP, daqui há um ano nos Emirados Árabes Unidos.
O lado negativo do balanço
da COP27, para onde se concentram as maiores críticas – incluindo aquelas que
denunciam o aumento significativo (25%) de lobistas das energias fósseis, em
relação à COP26 – foi a falta de ambição para intensificar a transição
energética para fontes renováveis, visando limitar o aquecimento global a 1,5 oC
ao horizonte de 2100, em relação ao período pré-industrial.
Esta meta foi definida na
COP21, de Paris, em 2015. Mantida a atual tendência das emissões de carbono, a
temperatura terrestre pode aumentar 3 oC até 2040!
De acordo com o IPCC, a
maior causa antrópica da mudança climática é o uso de combustíveis fósseis
(petróleo, carvão e gás) para a produção de energia e atividades industriais;
juntos, estes dois setores respondem por cerca de 90% das emissões mundiais de
CO2.
Neste sentido, os países
do G20 reunidos recentemente em Bali (Indonésia), enviaram à COP27 um sinal de
alento: reafirmaram seu compromisso com um aquecimento limitado a 1,5 oC.
“Um G20 ambicioso, que dá o
tom para uma COP, é raro, mas muito positivo; foi um sinal claro que nos enviaram:
um reconhecimento da nossa dependência dos combustíveis fósseis e pela busca da
paz”, disse Laurence Tubiana, diretora da Fundação Europeia para o Clima e uma
das principais mentoras do Acordo de Paris.
No entanto, para além da retórica, o que ficou no acordo final da COP27 foi uma decepcionante lacuna, em termos de compromissos com a redução radical das emissões poluentes pelas nações mais ricas do planeta.
“Devemos reduzir drasticamente as emissões agora –
e esta é uma questão que ficou sem resposta na COP”, resumiu Antonio Guterres,
secretário geral da ONU.
“Embora recebamos com
satisfação a criação do fundo de perdas e danos, continuamos profundamente
preocupados com a incapacidade dos países de chegar a um acordo para uma
eliminação justa e urgente de todos os combustíveis fósseis”, declarou Gabriela
Bucher, diretora geral da Oxfam Internacional, uma organização que atua em mais
de 90 países em busca de soluções para a pobreza, desigualdade e injustiça, via
programas de desenvolvimento e ações emergenciais.
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