quarta-feira, 23 de novembro de 2022

COP27: um pequeno passo para o Sul global e uma grande falta de ambição

Criação de fundo para ‘perdas e danos’ é maior conquista da cúpula climática; omissão sobre redução drástica de emissões, seu maior fracasso

Manifestação pela criação de um fundo para compensar “perdas e danos” causadas pela mudança climática, em 17 de novembro em Sharm El-Sheikh (Egito). FOTO: Peter Dejong/AP Photo/KEYSTONE

Encerrada no último domingo, a Conferência das Partes do Egito (COP27) teve um desfecho favorável ao clamor de ambientalistas e representantes de nações do hemisfério Sul – onde está a maioria dos países mais vulneráveis ao aquecimento global: o compromisso dos países ricos e maiores emissores de carbono com a “justiça climática”.

Por outro lado, frustrou cientistas e outros tantos militantes da causa climática, pela falta de respostas à necessária redução drástica das emissões de gases nocivos à atmosfera, uma urgência eloquentemente reafirmada nos relatórios mais recentes do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC, na sigla em inglês).

Presença frequente nas mesas de negociação das COPs, “perdas e danos” é um conceito pelo qual os países que mais emitem gases de efeito estufa – responsáveis pelo aquecimento do planeta – devam compensar financeiramente os países pobres e mais afetados por fenômenos meteorológicos extremos, decorrentes da crise climática.

Os países do Sudeste Asiático, por exemplo, respondem por menos de 1% das emissões de carbono totais. O continente africano contribui apenas com 3% do total. Já as 20 maiores economias do mundo são responsáveis pela emissão de 75% dos gases de efeito estufa lançados na atmosfera.

Portanto, é inegável que o acordo firmado pelos países mais ricos e poluentes para a criação de um fundo para mitigar tais prejuízos foi um avanço importante resultante da COP27.

A reparação por perdas e danos climáticos irreversíveis é uma demanda dos países mais impactados há 30 anos. A proposta foi acolhida pelo maior grupo de negociações – o G77 mais a China – que representa um conjunto de 134 países em desenvolvimento.

Embora fracassada, houve uma tentativa dos países mais ricos de incluir entre os credores do fundo para “perdas e danos” China e Índia, dois grandes emissores de gases de efeito estufa atualmente.

No entanto, prevaleceram os argumentos sobre emissões acumuladas historicamente e as emissões por habitante, pelos quais não se pode negar o peso preponderante dos países da América do Norte e Europa.

Parte dos recursos deste fundo, cerca de 253 milhões de euros, poderá rapidamente atender a necessidades de reconstrução de infraestruturas, ajuda a empresas e perdas agrícolas. Serão bancados pela Alemanha (170 milhões), França (60 milhões), Irlanda (10 milhões), Canadá (8 milhões) e Dinamarca (5 milhões).

Assim, os primeiros Estados a serem contemplados com esses recursos são: Bangladesh, Costa Rica, Ilhas Fiji, Gana, Filipinas, Senegal e Paquistão; este último sofreu inundações inéditas e devastadoras, entre junho e agosto deste ano, que resultaram na morte de 1.700 pessoas e 7,9 milhões de habitantes deslocados.

Se por um lado, esta reivindicação histórica do Sul global – a criação de um fundo de perdas e danos – tenha sido atendida na COP27 e constitua um avanço significativo em prol da justiça climática, um longo caminho resta a ser percorrido para que este mecanismo entre em funcionamento.

Um comitê transitório se encarregará de formular as regras para sua adoção, até a próxima COP, daqui há um ano nos Emirados Árabes Unidos.

O lado negativo do balanço da COP27, para onde se concentram as maiores críticas – incluindo aquelas que denunciam o aumento significativo (25%) de lobistas das energias fósseis, em relação à COP26 – foi a falta de ambição para intensificar a transição energética para fontes renováveis, visando limitar o aquecimento global a 1,5 oC ao horizonte de 2100, em relação ao período pré-industrial.

Esta meta foi definida na COP21, de Paris, em 2015. Mantida a atual tendência das emissões de carbono, a temperatura terrestre pode aumentar 3 oC até 2040!

De acordo com o IPCC, a maior causa antrópica da mudança climática é o uso de combustíveis fósseis (petróleo, carvão e gás) para a produção de energia e atividades industriais; juntos, estes dois setores respondem por cerca de 90% das emissões mundiais de CO2.

Neste sentido, os países do G20 reunidos recentemente em Bali (Indonésia), enviaram à COP27 um sinal de alento: reafirmaram seu compromisso com um aquecimento limitado a 1,5 oC.

“Um G20 ambicioso, que dá o tom para uma COP, é raro, mas muito positivo; foi um sinal claro que nos enviaram: um reconhecimento da nossa dependência dos combustíveis fósseis e pela busca da paz”, disse Laurence Tubiana, diretora da Fundação Europeia para o Clima e uma das principais mentoras do Acordo de Paris.

No entanto, para além da retórica, o que ficou no acordo final da COP27 foi uma decepcionante lacuna, em termos de compromissos com a redução radical das emissões poluentes pelas nações mais ricas do planeta. 

“Devemos reduzir drasticamente as emissões agora – e esta é uma questão que ficou sem resposta na COP”, resumiu Antonio Guterres, secretário geral da ONU.

“Embora recebamos com satisfação a criação do fundo de perdas e danos, continuamos profundamente preocupados com a incapacidade dos países de chegar a um acordo para uma eliminação justa e urgente de todos os combustíveis fósseis”, declarou Gabriela Bucher, diretora geral da Oxfam Internacional, uma organização que atua em mais de 90 países em busca de soluções para a pobreza, desigualdade e injustiça, via programas de desenvolvimento e ações emergenciais.

Fontes: https://unfccc.int/news/cop27-reaches-breakthrough-agreement-on-new-loss-and-damage-fund-for-vulnerable-countries?fbclid=IwAR1FYAlZk9jff06tV-3ZqoCBq5cT2LlkrlIqGwsrwzVKaKtnVII80zoxYto

https://www.lesechos.fr/industrie-services/energie-environnement/cop27-les-5-principales-avancees-en-attendant-un-accord-final-1880701?fbclid=IwAR39QzNukWECFfwdj_nMf0TS-lNo2OjKnyt4F_UUYJg8XX6jS6cUtg9URgo

https://www.liberation.fr/environnement/climat/avancee-majeure-gout-dinacheve-laccord-de-la-cop-27-vu-comme-un-pas-en-avant-trop-court-20221120_M7AAAHTRZFGN3OESEN7WR3WD7A/?fbclid=IwAR361Q6kuNirhaDUYSD685dk6A_jAMs3-6SVQlnBDJvoJKOd7_rBBJuU1p0

https://theconversation.com/resultats-de-la-cop27-des-progres-en-matiere-de-compensation-pour-les-pays-en-developpement-mais-il-faut-aller-plus-loin-en-matiere-de-justice-climatique-et-dequite-195134

https://www.lemonde.fr/planete/article/2022/11/10/la-cop27-accueille-un-nombre-record-de-lobbyistes-des-energies-fossiles_6149366_3244.html

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