quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

Energia solar fotovoltaica: Aneel deve reduzir ‘subsídio cruzado’, defende especialista

93% da geração distribuída no Brasil provém da fonte solar e já supera os 2 GWp


Para garantir a sustentabilidade do sistema de geração distribuída, o engenheiro eletricista e especialista em energia solar Alexandre Heringer Lisboa propõe uma “tarifa binômia”, que considera separadamente os custos da energia e aqueles da distribuidora.

“Assim, teríamos uma competição pelo fornecimento da energia mais barata, e as distribuidoras seriam rentabilizadas corretamente, cobrando pelo transporte da energia”, afirma Lisboa. Confira seus argumentos, no artigo que segue.

Um olhar sobre a questão da Geração Distribuída no Brasil e a revisão da RN 482/2012

Por Alexandre Heringer Lisboa

Muito ainda se discute sobre a revisão dos incentivos para a geração distribuída (GD) no Brasil. Essa polêmica, no entanto, não permite intervenções que não sejam calcadas na razão econômica e no olhar técnico e regulatório da questão. Há um alto conteúdo de paixão envolvido.

Inicialmente, é importante enfatizar que a ANEEL é um órgão de ESTADO e não de GOVERNO. Não pode ficar, assim, sujeita a humores repentinos e casuísticos de empresários, políticos, concessionárias e nem mesmo de presidentes da República. Tem que fazer seu trabalho regulatório e previsto na Constituição, visando o mais justo equilíbrio entre interesses no setor de energia elétrica da sociedade, empresas e governo, no longo prazo.

A recente “intervenção” do presidente Bolsonaro tentando enquadrar politicamente a ANEEL, será um grande golpe na autonomia da Agência e trará consigo forte instabilidade regulatória. Poderá trazer insegurança jurídica, já que os consumidores não-GD poderão acionar a justiça quando os custos da sua conta de energia vier maior que o normal. Esse enfraquecimento da ANEEL também trará, no médio e longo prazo, consequências muito danosas para todos consumidores e para os próprios agentes que hoje querem que a Agência atue para atender seus interesses de curto prazo. Ficarão sempre à mercê de intervenções políticas em suas decisões.

As concessionárias, adicionalmente, deverão arcar com imprevisibilidade e queda de receitas. Não terão vida fácil já que terão que prever impactos outros que não esse da GD, como a possível instituição da portabilidade, fazendo com que o cliente de energia, mesmo residencial, possa optar por Concessionária de outro estado, bastando que pague adequadamente os custos da Distribuidora (transporte de energia mais custos operacionais de O&M) na qual ele está conectado.

A Geração Distribuída no Brasil é um sucesso inquestionável. Temos hoje (jan/2020) mais de 2.000 MWp de potência elétrica proveniente de empreendimentos de GD, sendo 93% desses apenas de fonte solar fotovoltaica - algo questionável em si. Em junho de 2019 chegamos ao primeiro GWp ou seja, em apenas 6 meses dobramos a potência em GD. No final de 2012, ano em que foi editada a Resolução Normativa 482 - cerca de 7 anos atrás -, tínhamos apenas 0,4 MW.

Os dois mais importantes instrumentos que permitiram essa quebra de padrão positiva, foram o marco legal regulatório (Resoluções Normativas nº 482/2012 e nº 687/15 da Agencia Nacional de Energia Elétrica – Aneel), criando o sistema de compensação de energia elétrica (net-metering), e o CONFAZ - Conselho Nacional de Política Fazendária, ao conceder grande incentivo tributário com a isenção de ICMS das tarifas de eletricidade e serviços para quem optasse por geração por fontes renováveis e GD (Convênios ICMS 101/1997, 16/2015 e 114/2017).

Alguns Estados, como Minas Gerais, criaram incentivos fiscais ainda maiores, por Lei Estadual. Esses incentivos, aliados ao alto preço ao consumidor da energia e excelente nível de radiação no estado, provocaram um crescimento estratosférico da GD. Minas Gerais tem hoje 23% de toda potência instalada de GD do Brasil.

Entretanto, já na edição da RN 687 em 2015, quando a Aneel redefiniu e aumentou os limites para Geração Distribuída – que passou ao limite máximo de 5 MW e permitiu a geração compartilhada, o autoconsumo remoto em condomínios, já estava previsto uma revisão das regras para o sistema de compensação de energia elétrica (RN 482/12), para permitir ajustes e compatibilização com a realidade do setor elétrico.

E é essa polêmica que vivemos hoje. A Aneel decidirá, em semanas, a nova Resolução que tratará das novas regras para a GD, visando corrigir eventuais distorções e disciplinar a relação entre consumidores, agentes de Geração Distribuída e Concessionárias.

Nessa questão apaixonada, dois pontos de vista principais se digladiam (concessionárias de energia e associações de empresas da cadeia fotovoltaica). No meio desse debate está o consumidor e como juiz o poder regulador, a ANEEL. Essa Agência ao captar e ser pressionada por esses movimentos da sociedade, lançou uma audiência pública onde colheu subsídios e informações adicionais para a Análise de Impacto Regulatório (AIR) da revisão da RN.

Assim, diante dessas demandas e interesses nem sempre convergentes, a Agência propôs uma diretriz para a revisão da RN 482 (Audiência Pública 001/2019), que se baseia em manter a atual regulação até que seja atingido um limite de 1,25 GWp para sistemas remotos e a 3,365 GWp para sistemas de compensação local, ou então a partir de 2030, se tais níveis não forem atingidos.

Depois disso, aplicaria nas tarifas de GD, de acordo com a penetração relativa da mesma, os custos relativos ao transporte de energia (TUSDs Fio A e Fio B), seguida de encargos e finalmente a incidência toda da TUSD e os encargos e demais componentes da TE (tarifa de energia).

O ponto central dessa polêmica é a questão dos subsídios cruzados. Quem possui um sistema de GD hoje não paga ICMS e nenhuma tarifa ou encargo para a concessionária que investiu (cabos, transformadores, subestações, reles, sistemas de supervisão e controle), opera, mantem o sistema de distribuição, além de pagamento de pessoal, material, serviços e outros (PMSO). Esses custos são então repassados para os demais consumidores que não tem GD, provocando aumento de tarifas.

Ao aumentar tarifas, mais consumidores irão procurar a GD e assim cria-se o que chamam de “espiral da morte”. Por outro lado, os agentes da cadeia de GD, alegam que a energia distribuída gera benefícios adicionais ao sistema elétrico como sustentabilidade ambiental, adiamento do investimento em geração de energia por combustíveis fosseis, menor investimento em linhas de transmissão e redes de distribuição, geração de empregos.

Entretanto, a discussão se enviesou por um lado de paixão e desconhecimento. Em nome uma causa nobre, no caso "energia solar fotovoltaica", em que acreditam lutar, muita coisa errada e desajustes tem se cometido no mercado de GD. Principalmente por pessoas pouco experientes na área. A ANEEL está correta nessa revisão. Aliás, isto é que vai permitir que a GD se torne sustentável a longo prazo e continuar seu caminho iluminado e inexorável, mesmo que termine esse subsídio.

Portanto, acho desonestidade ou má fé de movimentos como o tal #taxarosolnão por usar de marketing enganoso. Uma tremenda fake news. Não existe taxação nenhuma e nem deveria ser só solar fotovoltaica, que tem 93% de participação. O que a Aneel propõe é que quem consome geração distribuída passe a pagar, também, como os demais consumidores, após um tempo, as tarifas para o pedágio (uso do sistema elétrico) e os encargos, que todos os demais consumidores pagam.

Pode haver em alguns casos um aumento no tempo de retorno do investimento, bem como uma redução da Taxa Interna de Retorno (TIR). Entretanto, ainda terão grande atratividade, considerando que os custos dos sistemas fotovoltaicos permanecem em queda.

Porque também não dizem ao público que a GD é isenta de ICMS, custo que representa 42% da conta de energia (no caso de MG) e que nós todos, consumidores não-GD, pagamos. Para manter os custos acima comentados de O&M e amortização do investimento do sistema elétrico, alguém tem que pagar. Ou será que empreendimentos de GD não precisarão de se conectar à rede?

Outros problemas ainda emergem pela adoção acelerada da GD. O sistema elétrico pode ter problemas de sobre tensão, esgotamento da capacidade de conexão (fato já existente em sistemas como o da Cemig), controle dos efeitos da intermitência solar.

Tem o problema da logística reversa para o reaproveitamento dos milhões de módulos fotovoltaicos, que serão substituídos ao fim de sua vida útil; a questão da não equiparação de custos de geração quando se trata de fonte não intermitente ou que gera mais longe ou mais perto do consumidor e por aí vai.

Uma solução para permitir a ampla competição entre geradores de energia seria a adoção da chamada tarifa binômia, que separa os custos reais da distribuidora e os custos da energia, que variam em cada concessionária e em cada período do dia e do ano.

Assim, teríamos uma competição pelo fornecimento da energia mais barata, e as distribuidoras seriam rentabilizadas corretamente, cobrando pelo transporte da energia. Todos ganhariam.

Um comentário:

  1. A reação contra e a favor dos subsidios à GD ainda continuam. O Congresso deve propor uma nova Lei para disciplinar o assunto. Prevê-se que até a edição dessa Lei os benefícios tributários continuem e a partir disso que os empreendimentos de GD que não for geração local (geração remota) passem a pagar.

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