‘Precisamos de uma nova
consciência ecológica que nos liberte da escravidão do produtivismo e do
consumismo’, diz teólogo
http://emprsussoc.blogspot.com/2010/05/sustentabilidade-social-nas.htm
Em
artigo publicado ontem no site do Jornal
do Brasil, o ecoteólogo e escritor Leonardo Boff escancara a grande
contradição vivida pelo Brasil: garantir mais “prosperidade” com menos
crescimento econômico.
Para o autor de “Sustentabilidade: O que é e o que não é” (Petrópolis: Vozes, 2012),
prosperidade é “melhorar a qualidade do bem viver, da educação, das relações
sociais menos desiguais e mais solidariedade”. Abaixo, a íntegra do artigo.
A grande
contradição brasileira
Por Leonardo Boff
Mais e mais cresce a convicção, inclusive entre
os economistas seja do stablisment seja da linha neokeynesiana, de que nos
acercamos perigosamente dos limites físicos da Terra. Mesmo utilizando novas
tecnologias, dificilmente poderemos levar avante o projeto do crescimento sem limites.
A Terra não aguenta mais, e somos forçados a trocar de rumo.
Economistas como Ladislau Dowbor entre nós,
Ignace Sachs, Joan Alier, Herman Daly, Tim Jack e Peter Victor e bem antes Georgescu-Roegen
incorporam organicamente o momento ecológico no processo produtivo.
Especialmente o inglês T. Jack se celebrizou pelo livro Prosperidade sem
crescimento (2009) e o canadense P. Victor pelo Managing sem crescimento
(2008). Ambos mostraram que o aumento da dívida para financiar o consumo
privado e público (é o caso atual nos países ricos), exigindo mais energia e
uso maior de bens e serviços naturais, não é de modo algum sustentável.
Os Prêmios Nobel como P. Krugman e J.
Stiglitz, porque não incluem explicitamente em suas análises os limites da
Terra, caem na armadilha de propor como saída para a crise atual um maior gasto
público no pressuposto de que este produzirá crescimento econômico e maior
consumo, com os quais se pagarão mais à frente as astronômicas dívidas privadas
e públicas. Já dissemos, à saciedade, que um planeta finito não suporta um
projeto desta natureza. Pressupõe a infinitude dos bens e serviços. Esse dado
já é assegurado.
O que Jack e Victor propõem é uma “prosperidade
sem crescimento”. Nos países desenvolvidos o crescimento atingido já é
suficiente para permitir o desabrochar das potencialidades humanas, nos limites
possíveis do planeta. Então, chega de crescimento. O que se pode pretender é a
“prosperidade” que significa mais qualidade de vida, de educação, de saúde, de
cultura ecológica, de espiritualidade etc. Essa solução é racional, mas pode
provocar grande desemprego, problema que eles resolvem mal, apelando para uma
renda universal básica e uma diminuição de horas de trabalho. Não haverá
nenhuma solução sem um prévio acerto de como vamos nos relacionar com a Terra,
amigavelmente, e definir os padrões de consumo para que todos tenham o
suficiente e o decente.
Para os países pobres e emergentes se inverte a
equação. Precisa-se de “crescimento com prosperidade”. O crescimento é
necessário para atender às demandas mínimas dos que estão na pobreza, na
miséria e na exclusão social. É uma questão de justiça: assegurar a quantidade
de bens e serviços indispensáveis. Mas simultaneamente deve-se visar a
prosperidade que tem a ver com a qualidade do crescimento. Há o risco real de
que sejam vítimas da lógica do sistema que incita a consumir mais e mais,
especialmente bens supérfluos. Então, acabam agravando os limites da Terra, coisa
que se quer exatamente evitar. Estamos face a um angustiante círculo
vicioso, que não sabemos como fazê-lo virtuoso sem prejudicar a
sustentabilidade da Terra viva.
A contradição vivida pelo Brasil é esta: urge
crescer para realizar o que o governo petista fez — garantir os mínimos para
que milhões pudessem comer e, por políticas sociais, serem inseridos na
sociedade. Para as classes já atendidas, precisa-se cobrar menos
crescimento e mais prosperidade: melhorar a qualidade do bem viver, da educação,
das relações sociais menos desiguais e mais solidariedade a partir dos últimos.
Mas quem vai convencê-los se são violentamente cooptados pela propaganda que os
incita ao consumo? Ocorre que até agora os governos apenas fizeram
políticas distributivas: repartiram desigualmente os recursos públicos.
Primeiro garantem-se 140 bilhões de reais para o sistema financeiro a fim de
pagar a dívida pública, depois para os grandes projetos e somente cerca de 60
bilhões para as imensas maiorias que só agora estão ascendendo. Todos ganham,
mas de forma desigual. Tratar de forma desigual a iguais é grande injustiça.
Nunca houve políticas redistributivas: tirar dos ricos (por meios legais) e
repassar aos que mais precisam. Haveria equidade.
O mais grave é que com a obsessão do crescimento
estamos minando a vitalidade da Terra. Precisamos de um crescimento, mas com
uma nova consciência ecológica que nos liberte da escravidão do produtivismo e
do consumismo. Esse é o grande desafio para enfrentar a incômoda contradição
brasileira.
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